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Dê uma chance à terapia de casal: prevenir pode ser melhor do que separar

A terapia de casal merece ser tratada com mais carinho: muito além de “o último recurso”, pode ser uma aliada poderosa – inclusive de autoconhecimento – antes da relação chegar à beira do precipício: vem entender sobre prevenção de ruptura

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Nos últimos dez anos, segundo dados do IBGE, a duração média do casamento caiu de 17,5 anos para 13,8 anos. Atualmente, um em cada 2,4 casamentos termina em divórcio e esse número não para de crescer: em menos de duas décadas (de 2004 a 2021) os divórcios aumentaram 196%, enquanto os casamentos caíram 15% no mesmo período.

Cada vez mais se compreende que é preciso fazer prevenção nas relações – prevenção de ruptura

Para tentar fazer com que suas relações não entrem nas estatísticas, casais têm procurado a terapia de casal como alternativa para ajustar as rotas. Ainda assim, existe o estigma de que as sessões mais ajudam a se separar do que a reconstruir uma nova relação possível. Será mesmo? Será que ela é pra você?

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Assim como mudamos nossa relação com a medicina, e hoje temos uma conduta preventiva, o mesmo poderia ser feito em relação à saúde conjugal. “Cada vez mais está se compreendendo que é preciso fazer prevenção nas relações. Prevenção de ruptura”, defende a terapeuta Louise Madeira. 

A maioria das pessoas, no entanto, ainda recorre à terapia de casal como último recurso. “Geralmente, a primeira sessão começa com frases desse tipo: ‘Essa é a nossa última tentativa, senão vamos nos separar’. Como se a terapia fosse uma alternativa ao advogado”, comenta o terapeuta de casais Alexandre Coimbra Amaral. 

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Nesses casos, muitas vezes, há a sensação de que “é tarde demais”, pois o casal chega ao consultório desgastado, machucado e com um acúmulo de desentendimentos. “Eles vêm falando: ‘Estamos brigando demais’, mas nem sabem dizer qual é a questão central. São tantas coisas não ditas que vira um emaranhado de desentendimentos. Ao longo das sessões vamos desatando os nós e trabalhando conflito por conflito”, explica Louise.

Segundo especialistas, o ideal é que o casal procure ajuda do terapeuta assim que algum conflito começar. “E entende-se conflito qualquer situação penosa para uma das partes”, reforça Louise. Isso quer dizer prestar atenção aos incômodos e não esperar que se tornem brigas. “Muitas vezes, a dificuldade de validar a intensidade do incômodo do parceiro gera grandes conflitos. Aquilo que dói para você e não dói para mim; eu não consigo entender como é que dói para você e por isso um relacionamento sofre”, detalha a terapeuta sobre um dos movimentos comuns que adia a busca por ajuda.

As crises conjugais andam potencializadas pela desconfiança e pelo controle digital

Questões cruciais

Tolstói inicia o famoso romance Anna Karenina dizendo que “todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. Os terapeutas de casais contradizem o romancista e afirmam que as principais infelicidades e causas de conflitos conjugais são similares. Tanto Alexandre Coimbra como Louise Madeira alegam que as principais queixas recebidas em consultório são:

.  Traição
.  Perda de libido
.  Problemas com filhos
.  Conflitos com a família de origem
.  Formas de lidar com o dinheiro 

Além dos temas clássicos, novos conflitos surgem como reflexo dos novos tempos – e devem ser ponto de atenção para qualquer casal:

1. Privacidades violadas

As crises conjugais andam potencializadas pela desconfiança e pelo controle digital. ​​”A facilidade de acesso é tentadora e o aumento de canais de possíveis flertes também. Ou seja, o controle do outro aumenta na medida em que aumenta também a minha (e a sua) possibilidade de quebrar acordos, flertando digitalmente”, diz Louise. Nessa dinâmica, muitas pessoas geram crises maiores, pois a violação do espaço privado do outro é, em si, uma quebra de confiança

2. Mulheres não querem o pacote da família feliz a qualquer custo

Parte do aumento das crises matrimoniais vem como reflexo do avanço das pautas feministas e da autonomia feminina. Temas como carga mental e trabalho doméstico não remunerado vieram à tona e grande parte das mulheres não quer mais performar o papel de Amélia. Com isso há uma necessidade de realinhamento de acordos e dinâmicas cotidianas, que não vêm sem discussões e atritos.

3. Repactuar é preciso

Assim como as peças de um carro precisam de manutenção, nossa engrenagem emocional também necessita dessa revisão antes que você se sinta a 10 mil km de seu parceiro. Lidar com a quebra de expectativas, as mudanças de desejos e o acúmulo de tarefas cotidianas exige um esforço contínuo e constante. “Ao longo dos anos, cada um vai se transformando, e essa transformação inevitavelmente leva a uma crise no relacionamento, porque ele estava pautado numa organização de duas pessoas que não existem mais. Então, o tempo inteiro há necessidade de repactuar e de reajustar esse encontro”, explica Alexandre Coimbra Amaral.

4. Mudanças de fase são momentos de atenção

“Ritos de passagem são grandes deflagradores de sofrimento”, diz a terapeuta Louise Madeira. Nascimento dos filhos, mudanças de cidade, revisões de carreira, decisão de morar junto ou falecimento de algum pilar da família são contextos onde a terapia já pode ser procurada de forma preventiva para ajudar o casal a se preparar para mudanças estruturais na vida que obviamente afetarão a relação. 

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“Procuramos terapia de casal depois de brigas horríveis, já para nos separarmos. Mas não é o melhor caminho. Penso que quando o casal está melhor, mas vai chegar numa fase complexa, seria um bom momento para ir. Isso teria me poupado muito desgaste, pois a gente teria se preparado mais e se machucado menos”, fala Camila, casada há 12 anos com Paulo, após passarem por três terapeutas e cinco meses em casas separadas.

Com os anos, cada um do casal vai se transformando e é preciso repactuar esse encontro

5. Entender o papel do terapeuta é fundamental 

Muitos casais ainda veem o terapeuta como um juiz, e buscam na sessão uma validação de suas queixas. Nessa lógica, deslocam a rivalidade vivida em casa para o setting analítico, onde o grande objetivo passa ser ter razão e não encontrar uma nova forma de conviver. Ana, casada há oito anos com Mauro, com quem tem três filhos, relata essa dificuldade: “Passamos por uns cinco terapeutas de casal. A gente ia em uma sessão e meu marido achava que a terapeuta estava me defendendo, me dando razão… Aí ele ficava nervoso e a gente não voltava mais”.

Deve-se entender que na terapia de casal o “paciente” é a relação e não os dois parceiros: “O primeiro objetivo de uma terapia de casal é que as pessoas se sintam amparadas por um terceiro que está ali para construir uma escuta do relacionamento; não é bem de um nem de outro, é esse terceiro elemento que é maior que a soma das duas partes”, afirma Alexandre.

Essa mudança de lógica faz com que, em vez de destruidor de conflitos, o terapeuta se torne um arquiteto do diálogo. Esse é um termo cunhado por Harlene Anderson, psicóloga estadunidense autora de Conversação, Linguagem e Possibilidades: Uma Abordagem Pós-Moderna à Terapia. Para ela, o papel do terapeuta é construir uma ambiência para que as duas partes se sintam seguras para falar de suas dores. 

6. Conversando a gente se entende –, mas, às vezes, é preciso tradução

Um dos principais benefícios da terapia de casal é possibilitar que o par fale sobre temas difíceis em um espaço seguro, amparado e com ferramentas para que um não machuque o outro.

Validação e convivência são duas palavras importantes para a construção de uma relação saudável. 

O terapeuta funciona, assim, como um tradutor de emoções, ajudando a quebrar as dificuldades do diálogo, sejam elas decorrentes de uma exaustão, que faz com que toda fala seja inflamada, ou do silêncio ressentido como resposta à certeza de que o outro já deveria ter entendido. “Foi incrível porque tinham coisas que eu sentia e não conseguia expressar, ou que falava e não conseguia fazer ele entender. Ouvindo de uma outra pessoa, meu marido abriu a cabeça: percebeu coisas que tinha feito e que me machucaram. Ele passou a se pôr no meu lugar”, comenta Rebeca, casada há 15 anos com Jorge.

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Outro benefício da prática é ajudar o casal a trabalhar as cicatrizes para evitar brigas em looping. Muitas vezes, questões antigas seguem vindo à tona porque não foram tratadas no devido momento. Além de ajudar com o presente, o terapeuta é alguém que conduz o casal a rever as dores do passado sem que se percam nas mesmas: “A gente trabalha com as resistências da relação que são fruto das cicatrizes que existem”, explica Louise.

Aqui, aplicam-se os princípios do entendimento de que a questão do casal se torna mais administrável não quando é resolvida, e sim quando cada uma das partes compreende e valida o incômodo do outro. 

7. Aprender a conviver e não a resolver

Validação e convivência são duas palavras importantes para a construção de uma relação saudável. John Gottman, terapeuta americano especializado em casais, têm uma pesquisa que aponta que 69% dos problemas de casais não são resolvíveis. E que o grande erro está exatamente em querer resolver as questões. Segundo Gottman, o desenvolvimento emocional do casal deve ir em direção ao entendimento de quais características do outro são aceitáveis, quais são inaceitáveis, e quais novos caminhos podem ser encontrados para conviver com as diferenças.

Isso faz com que o casal saia do discurso de “as coisas vão melhorar quando você mudar”. Colocar a manutenção do amor condicionada a mudança de uma característica de personalidade do parceiro, é um movimento fadado ao desgaste e ao fracasso. 

8. Manutenção em casa é preciso

A terapia de casal é sem dúvida um espaço para refazer combinados, mas ela só será efetiva se os dois se propuserem a cumprir os novos acordos e a usar continuamente as ferramentas de diálogo. “No nosso caso a terapia só funcionou porque começamos a brincar em casa. Meu marido queria evitar a terapia e brincávamos de começar a resolver as coisas rápido para não chegar lá e ter que resolver na frente do terapeuta. E fomos aprendendo a dialogar por causa disso”, revela Ana. 

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9. Terapia de casal não substitui a individual

Por mais que questões práticas possam ser ajustadas e resolvidas no setting de casal – algumas dizem respeito a nossos traumas e valores individuais. Muitas vezes a questão da relação está ligada à expectativa apreendida em sua família de origem, por exemplo. Mergulhar em um processo individual é de extrema importância para que possamos entender o que projetamos no outro e o que é nosso.

Condicionar a manutenção do amor a mudança de personalidade do parceiro é fadado ao fracasso

10. E como incentivar o parceiro a fazer terapia de casal?

“A coisa mais difícil que acontece na terapia de casal, sobretudo de relações heteronormativas, é convencer o homem a fazer terapia. Porque há uma crença patriarcal de que o homem precisa dar conta de todos os seus conflitos emocionais sozinhos, de forma pragmática”, explica Alexandre Coimbra Amaral. Uma forma efetiva de fazer este convite é, em vez de acusar, torná-lo cúmplice: falar sobre o desconforto comum e pedir uma abertura à terapia como uma chance de construir um ambiente mais amoroso para os dois.

Esforço que vale a pena

Segundo a American Psychological Association, 93% dos casais disseram que o trabalho que fizeram na terapia lhes deu ferramentas estratégicas para lidar melhor com os conflitos no relacionamento. E a Escala de Ajuste Diádico (DAS), usada para medir as taxas de sucesso da terapia ao longo de décadas, mostra resultados positivos para casais por pelo menos dois anos após a conclusão da terapia.

Talvez valha investir na prevenção da relação com auxílio profissional – pode sair mais barato e menos desgastante emocionalmente do que tentar dar conta de tudo sozinha e ter que resolver com advogados. Não acha? 

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