Nas músicas, nos filmes, nas redes sociais… Fala-se muito sobre o encantamento da paixão, mas temos pouco amparo sobre como enfrentar as emoções e os questionamentos que surgem ao longo das relações. Não que exista uma fórmula pronta (longe disso!), mas a expectativa por um amor digno de cinema nos pode atrapalhar a lidar com demandas da vida real, gerando insegurança e um estado de alerta constante – mais conhecido como “ansiedade nos relacionamentos”.
A doutora em psicologia Lígia Baruch, autora do livro Tinderellas: amor na era digital, aponta duas causas para explicar a origem desse sentimento. A primeira tem a ver com o momento social que enfrentamos, de valorização extrema da performance e do alto desempenho – que se reflete também no campo amoroso. Então, a partir do momento em que o relacionamento foge do padrão que idealizamos (aquele em que as declarações, as surpresas, os esforços são diários), a aflição surge.
“As pessoas se esquecem que ninguém domina ninguém”
“A ansiedade é uma tentativa de antecipar o perigo e a mudança. É normal que ela apareça nos relacionamentos, principalmente no começo, na fase do apaixonamento. O problema é quando se torna crônica e o parceiro começa a fantasiar risco onde não existe”, pontua. Outro fator comum é a tentativa excessiva de controle sobre o parceiro. “As pessoas se esquecem que ninguém domina ninguém”, lembra a psicóloga.
A constante exposição às redes sociais redimensionaram essas questões, dando uma nova roupagem ao problema, avalia Lígia. “Nos últimos anos, comecei a ouvir muitas queixas do tipo ‘Meu marido curtiu a foto da ciclana’, ‘ele fica online e não me responde’, ‘minha namorada nunca posta foto comigo’… A internet só aumentou a ansiedade nos relacionamentos”.
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Para se ter ideia, um levantamento feito pelo aplicativo de relacionamentos Gleeden apontou que 51% dos brasileiros consideram traição qualquer nível de interação digital (consumo de imagens íntimas, curtir posts, não compartilhar a senha do celular). Somos especialmente ciumentos e controladores na internet. Ora, não bastasse os problemas do mundo real, agora também temos o do virtual para nos preocuparmos? Dá-lhe fermento pra ansiedade.
Saia da “contabilidade matemática” da relação
Muitas vezes, esse estado de ansiedade surge com o passar do tempo, quando a empolgação inicial diminui. “Somos de uma geração que busca pelo frio na barriga. Só que o meio de uma relação não é tão intenso quanto o começo. E não é porque a coisa não está do mesmo jeito que você não gosta mais da pessoa – ou vice-versa”, analisa a pesquisadora em relacionamentos Carol Tilkian, que destaca: é preciso diferenciar calmaria de acomodação.
Nem todo mundo demonstra amor com palavras de afeto
Além disso, é preciso reconhecer a maneira do outro demonstrar afeto (como prega a teoria das “linguagens do amor” criada pelo pesquisador estadunidense Gary Chapman). “Muitas vezes, buscamos reforço positivo com as palavras, mas ‘o amor é o que o amor faz’. Nem todo mundo o demonstra com palavras de afeto. Às vezes você espera flores, um ‘eu te amo’, mas a pessoa pode estar demonstrando amor te levando para comer naquele restaurante que tem o tabule que sua avó fazia”, reflete Carol.
Soa óbvio, mas é comum nos esquecermos de que relações amorosas não são uma ciência exata. Portanto, é importante “sair da contabilidade matemática”. “Não é porque você deixou de sair duas vezes com as suas amigas que seu parceiro precisa abrir mão de viajar com os amigos uma vez”, exemplifica a especialista. Por outro lado, ela lembra que manter o interesse na vida do parceiro ou da parceira faz com que o relacionamento ganhe força. “Não precisamos fazer tudo pelo outro, mas ter curiosidade pelos hábitos dele (e ver se ele se interessa também) é um bom termômetro para a relação”, avalia.
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A vida a dois não é tudo
Seja para evitar que o relacionamento gere ansiedade, seja para alcançar aquilo que Cazuza chama de “sorte de um amor tranquilo”, Carol reforça a importância de manter e cultivar vários núcleos de afeto para além do romance. “Quando você coloca na relação a dois todas as suas satisfações, isso não é saudável. Mantenha outros vínculos que também vão te dar prazer, amor, carinho e criar lembranças positivas tal qual um namoro”, afirma.
Lígia Baruch conta que o sentimento de ansiedade nos relacionamentos pode atingir qualquer pessoa, independente do gênero e da orientação sexual, porém, por causa de fatores sociais e culturais, costuma se manifestar ainda mais entre as pacientes mulheres. “A identidade feminina de sucesso é definida pelas relações amorosas. Ela pode ser bem-sucedida profissionalmente, ter amigos, dinheiro… Mas se não tiver um parceiro, é fracassada. Isso cria outra camada de tensão em cima dela, aumentando a neurose e preocupações”.
“Uma relação real é também falível”
Para fugir dessa tensão e evitar que a ansiedade leve a um quadro de esgotamento (aqui podemos falar de “burnout amoroso”), é necessário refletir sobre o assunto, elaborar as próprias emoções e entender que o amor perfeito não existe. “Uma relação real é também falível”, frisa a psicóloga. “Para ter um relacionamento longo e saudável, o casal tem que dar conta da queda da paixão, sustentar o vazio, as faltas, as desilusões e as desidealizações do parceiro”, conclui.