Mude sua história amorosa: saia do papel da mulher encalhada - Mina
 
Seus Relacionamentos / Reportagem

Como você conta a história da sua vida amorosa?

Se a cada relacionamento você sente que repete a mesma narrativa, ocupando o mesmo papel terrível de mulher abandonada, este texto é para você

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Você já parou pra pensar no perigo da história que você repete sempre sobre a sua vida amorosa? Eu, por exemplo, estou solteira há quase dez anos e poderia facilmente ficar repetindo a frase “é sempre assim” sobre os caras que me envolvo. Aquele caso clássico de achar que o romance vai engatar, mas ouvir, de repente: “não tô pronto para a relação agora”,  “tô focado no trabalho”, “ando meio fechado” e por aí vai… Até que, um mês depois, o cara se abre para outra mulher e, em menos de seis meses, os dois já estão morando juntos e alugando casa na praia com a turma de amigos dele que eu mal conheci. Afinal, na minha temporada, ele nem era tão conectado aos amigos… Sei…

É um relato verídico, acontece muito comigo, mas de que adianta me abraçar nesse papel da menina da vassoura que mais cedo ou mais tarde vai ser largada? Eu, que fiz curso de roteiro e amo o TED da Chimamanda sobre o perigo de uma história única, fico pensando como nós somos roteiristas preguiçosas na nossa própria vida amorosa. Passam os anos, as pessoas e a gente está lá… Sempre fazendo o mesmo papel. Sabe aqueles atores tipo Adam Sandler, que faz trezentos filmes e é sempre ele? Pois é, somos esse tipo de atriz limitada na saga da nossa busca por amor. Mudam as temporadas, os cenários, os outros personagens e a gente está lá performando a mulher que mais cedo mais tarde vai ser largada. E mais: muitas vezes nos colocando como coadjuvantes do nosso próprio roteiro – que flerta entre o melodrama e uma comédia nonsense argentina. 

Não precisamos de um novo capítulo, mas de um novo olhar para os capítulos que já passaram

Não sei você, mas, por muito tempo, me coloquei como “mico de circo” das amigas, transformando minha lama amorosa em pauta para a gente rir juntas da desgraça. Assim me sentia menos sozinha. E sabe qual é a verdade? Poucas coisas aproximam tanto as pessoas quanto compartilhar desventuras amorosas com outras mulheres maravilhosas.  Como nenhuma de nós está tendo a sorte que gostaria com seus paqueras, a gente se junta para desabafar e reclamar que “as coisas são sempre assim; os caras não querem nada com nada; mulher independente assusta…” Todas presas numa mesma história de mulheres empoderadas à beira de um ataque de nervos, num misto de segurança e punição. Segurança porque entendemos o que está acontecendo. Punição porque nos vemos presas em papéis desgastados, mas conhecidos.

O mais perverso é que nossa experiência joga contra nós. E, antes que você ache que esse é um comentário moralista a la “tia Cleyde”, te explico: usamos nosso repertório de desencontros amorosos como gabaritos para identificar roteiros melodramáticos e fugir dos personagens cafajestes, esquerdomachos ou don juans. O problema é que o cara que hoje se apresenta em nosso inbox não tem nada a ver com Pedro Henrique, o ator nada desconstruído que ferrou com sua autoestima. Ao tentar achar correlatos entre os dois, quem simplifica a narrativa somos nós, as experientes roteiristas de uma história única que se acham analíticas e analisadas sem percebermos que colocamos em cena um recurso poderosíssimo e perigoso: o viés de confirmação – aquela lente que faz a gente enxergar sinais e interpretar as ações de uma maneira bem sugestionada.

Nos irritamos quando nos olham como encalhadas sem perceber que efetivamente estamos encalhadas. Não porque não postamos foto de casal no feed há anos, mas porque encalhamos em pensamentos repetitivos, que se tornam profecias auto-realizáveis. Em algum lugar, a dor é identitária. O vazio é tão aterrorizante que a gente preenche com a dor antiga. Segundo a neurociência, somos viciados nos mesmos circuitos mentais e muitos deles são ecos de desamparos amorosos passados.  

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A verdade é que se reinventar dá trabalho. E a gente acha que essa reinvenção virá no próximo capítulo. Entendi que para reescrevermos nossa história não precisamos de um novo capítulo, mas de um novo olhar para os capítulos que já passaram. Em um mundo que coloca o amor próprio na condicional e entende que o Oscar da autoestima virá quando a gente for mais equilibrada, bem-sucedida e bem-resolvida, entender que esse amor vem da auto aceitação e da reelaboração de nossa própria narrativa é um ato revolucionário.

Te convido a fazer algo que fiz e que mudou tudo pra mim: olhar para a sua vida amorosa e, do jeitinho caótico que ela é, procurar contá-la de outras formas. E se você se olhar e olhar os caras que passaram por você a partir de outras óticas? Se mantendo menos como vítima-abandonada e mais como exploradora, curiosa, encantada, às vezes triste e decepcionada, outras vezes indecisa, desfocada… Eu, por exemplo, decidi parar de guardar as sacanagens e as decepções e passei a contar com leveza a história do cara que era minha paixonite aos 14 anos e reapareceu agora aos 36. Ele careca e complexado, eu cheia de teorias sobre o amor… Rolou um acerto de contas com a Carolina de aparelho nos dentes e ainda virei conselheira amorosa de histórias bizarras de um quarentão recém-separado. 

Os personagens da nossa história são mais complexos do que mocinhas e lobos-maus

A delícia de recontar nossa própria história é entender que os personagens são muito mais complexos do que mocinhas e lobos-maus. Cada visita a nosso baú sentimental podemos recompor nossos cacos como um grande caleidoscópio do amor: as peças são as mesmas, mas as combinações criam imagens fantásticas, infinitas e impermanentes. A impermanência, aliás, tão assustadora para essa mulher controladora que lhes escreve e, ao mesmo tempo, deliciosamente libertadora.

Criar novas narrativas para si é entender a vida com mais exploração e menos determinismo. É se desculpar pela noite em que você ligou 40 vezes para o Jorge ou por ter dispensado o Pedro Paulo que era um cara incrível, mas que não mexia com você. Meus 10 anos de solteira não me definem; meus ex-namorados não me definem, meus gifs preferidos de flerte não me definem… E não definem os outros também. 


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Claro que não dá pra esquecer as bagagens emocionais, mas dá para procurar menos padrões, criar menos couraças e substituir o mulherão analisado e seguro pela menina que chama para brincar sem entender, que se joga com mente de principiante, se fantasia cada dia de uma coisa e que, quando cai, chora um pouco, ri e levanta. Aprendi numa aula de CEB (cultivating emotional balance) que a gente tem que descolar as emoções das histórias. Isso quer dizer se permitir sentir no hoje ao invés de ecoar a dor, a surpresa ou a expectativa da história de ontem, de 2017 ou do primeiro pé na bunda em 1999.  Para que novos amores sejam possíveis, precisamos ressignificar os antigos. Trocar o “vai ser sempre assim” pelo “foi assim”. 

Bell Hooks diz que “É muito fácil ficar empacada na simples descrição repetindo a própria história várias vezes, o que pode ser uma forma de se apegar ao luto ligado a esse passado ou à uma narrativa que põe a culpa nos outros”. Cabe a nós o exercício e o compromisso de criar novas narrativas para nós mesmas. Te convido a brincar com seu caleidoscópio sentimental: como você contaria sua história de um jeito que nunca contou antes se você tivesse que escrever para alguém? Vou amar se quiser escrevê-la para mim. 

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