Slow love e smart dating: entenda essas novas tendências de relacionamento - Mina
 
Suas Emoções / Entrevista

Helen Fisher fala do slow love, do smart dating e do empoderamento da vida afetiva

Helen Fisher, antropóloga estadunidense que pesquisa o amor há mais de três décadas, fala sobre o movimento que vai na contramão da rapidez dos relacionamentos modernos. E aconselha: “Precisamos ser menos compulsivos e mais calmos, interessados e presentes. Dê uma chance às pessoas”

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Se você, assim como eu, passou dos 35 anos e ainda não casou, já deve ter ouvido comentários como os da minha avó: “Cuidado, desse jeito só vai sobrar traste. Afinal, os melhores já estão tomados”. Sem saber, minha avó – e talvez metade de seus familiares – reproduzem a lógica da tal prateleira do amor, termo cunhado pela pesquisadora Valeska Zanello

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Nessa quitanda do amor, as melhores frutas são logo selecionadas e, quanto mais o tempo passa, mais a gente corre o risco de só encontrar a xêpa ou, pior, se transformar no próprio maracujá de gaveta que não será escolhido por ninguém. Etarismo, felicidade feminina reduzida ao casamento e amor maduro como prêmio de consolação para quem tem medo de morrer sozinho… A gente vê por aqui.

“É importante que nós, mulheres, nos autorizemos a usufruir desse tempo de vida de solteira antes de casar”

Mas parece que o jogo virou. Na próxima vez que alguém julgar você por não ter se casado, ou por estar divorciada, com filhos e buscando um novo amor, já pode esfregar dados científicos na cara da sociedade: quanto mais velha você se casar, mais chances tem de ser feliz na relação e de ter um casamento duradouro. É isso que defende a antropóloga norte-americana Helen Fisher, que pesquisa o amor há mais de três décadas e é autora de best-sellers como Por Que Amamos? (Ed. Record), Porque Ele? Por Que Ela? (Ed. Rocco) e Anatomia do Amor (Ed. Eureka). 

Helen coordena ainda, há 12 anos, a pesquisa “singles in America”, que identifica tendências e comportamentos em relação ao amor nos Estados Unidos. Sua abordagem alia neurociência a estudos de comportamento, desvendando por meio do cérebro as probabilidades estatísticas de sermos felizes no amor.

Seu mais recente estudo aponta para o desenvolvimento do slow love como caminho para a felicidade conjugal. Helen afirma: quanto mais tarde você se casar, mais feliz e duradoura será sua relação. Mina foi até Nova York entrevistar a antropóloga para compreender as características que compõem esse movimento rumo ao “felizes por muito tempo”. Confira essa conversa que é praticamente um ansiolítico sentimental. 

Gostaria de começar perguntando: o que é o movimento slow love?
Slow love é essa relação que se concretiza depois de mais tempo de vida vivida. Cinquenta anos atrás, as pessoas se casavam com pouco mais de 20 anos. Agora, pelo menos nos EUA, a idade média do primeiro casamento subiu quase uma década e as pessoas começam a se casar aos 30. Isso significa dez anos a mais para você se conhecer, conhecer pessoas, entender o que gosta e o que não gosta, desconstruir fantasias românticas e descobrir que há opções no mundo e que podemos afinar o nosso querer, em vez de esperar que as coisas magicamente aconteçam com nossas primeiras paixões. 

E esses anos a mais fazem muita diferença?
Comparei dados demográficos de todos os países das Nações Unidas de 1947 a 2011 e descobri que quanto mais tarde as pessoas se casavam, mais felizes e duradouros eram os relacionamentos. Isso para além dos 30 anos. Pensando em pessoas que se casam aos 35, 40, 45… Eu mesma me casei aos 75 pela primeira vez e tenho certeza absoluta de que fiz a escolha certa agora.

“Está na hora de aposentarmos essa ideia de que a internet é apenas para sexo casual”

Principalmente para as mulheres, percebo que ainda há uma pressão social somada ao relógio biológico, criando uma certa ansiedade para “resolver” a vida amorosa e construir uma família até os 35, no máximo 40 anos. Como desconstruir essa ideia de fracasso para que possamos aproveitar esse slow love?
Muitos países ainda vivem em culturas moralistas e até retrógradas. É como se a tradição e as crenças não abrissem espaço para a ciência no campo do amor – apesar de já abrirmos em muitos outros universos. Estive no Japão em 2012 e lá as mulheres que têm mais de 25 anos e não se casaram são chamadas de “bolo de natal” como sendo algo que ficou velho e esquecido. Imagine se eu contasse para eles que casei aos 75?! Qual bolo eu seria? Um mofado, com certeza! É importante que nós, mulheres, nos autorizemos a usufruir desse tempo de vida de solteira, namorando, flertando…. Temos que sair desse lugar de coitadas que precisam de um homem para nos salvar. Isso já não acontece faz tempo. Precisamos nos lembrar disso diariamente. Até porque o slow love só se tornou um movimento possível por causa de um movimento importante vindo das mulheres.

Que movimento feminino foi esse que possibilitou o slow love?
A entrada da mulher no mercado de trabalho, seu ganho de autonomia financeira e a possibilidade de se experimentar e se descobrir sexualmente deram à mulher a possibilidade de escolher e esperar. Vivemos em tempos em que podemos nos dar ao luxo de esperar e escolher a pessoa certa em vez de termos que nos casar aos 21 anos – como fizeram nossas avós – para que nossa vida adulta financeira fosse custeada por nosso parceiro. Até pouco tempo, a carreira da mulher era se casar. Precisamos nos livrar desse estigma e entender que ter um companheiro é uma escolha tão nossa quanto deles. Se apropriar desse poder da escolha sem se assustar com o passar dos anos vai nos levar ao tal empoderamento na vida afetiva. Isso nos levará a parcerias mais estáveis, pois ​​as mulheres não terão que casar com o primeiro cara que aparecer nem terão que ser reféns de relações infelizes. Nossa autonomia financeira é essencial para que possamos sair de relações que não nos fazem bem e para que possamos esperar para encontrar essa pessoa certa. No slow love, devemos entender o amor como escolha e não como vitória ou salvação.

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Além de casarmos mais tarde, que outras mudanças você percebe nas relações amorosas em decorrência desse slow love?
O slow love trouxe uma maior disposição a dar mais tempo para conhecer a outra pessoa. Percebo que mulheres e homens estão dando mais chances àqueles que conhecem antes de descartá-los. Nesses anos todos estudando o amor, vejo como a última década foi pautada por pessoas que se diziam exigentes, mas se comportavam como intransigentes: “Hum… ele usa sapato marrom”, “ai… ele tem gatos e eu sou uma pessoa que ama cachorros”. Detalhes eram vistos como sinais de que a história não ia funcionar, simplesmente porque o outro não correspondia 100% às suas expectativas. Vejo uma mudança nesse comportamento. Um dado de nossa pesquisa de 2022, por exemplo, aponta que 49% dos solteiros dizem ter se apaixonado e tido uma relação intensa com alguém que inicialmente não acharam atraente. Esse número é o mais alto nos últimos 12 anos em que estudamos isso. E mostra que as pessoas estão dando chance de se conhecerem, se descobrirem. Isso é muito positivo.

“Pessoas felizes nas relações amorosas vivem de cinco a sete anos mais. Dê uma chance às pessoas”

Qual o impacto do slow love nos critérios de escolha de um(a) parceiro(a) e nos nossos desejos sobre o que seria uma relação que nos faria feliz?
Todos os anos fazemos a pergunta: “O que você está procurando?” E temos 30 respostas possíveis. Os cinco primeiros deste ano foram: 1. Alguém em quem eles podiam confiar. 2. Alguém que se sinta confortável em falar sobre seus desejos e necessidades e ouvir as do parceiro. 3. Alguém que seja emocionalmente maduro. 4. Alguém que os faça rir – o que é interessante porque o riso aumenta o sistema de dopamina e faz você se sentir bem. 5. Alguém que se sinta confortável com sua própria sexualidade. Em comparação aos anos anteriores, percebo um olhar mais maduro e profundo. As pessoas estão buscando relações mais sólidas. Outro dado que comprova isso. Temos uma pergunta que é: “Você quer conhecer alguém para casar agora?”. Em 2019, 58% disseram que sim. Em 2022 o número subiu pra 74%. Considero que parte do crescimento seja o efeito pós-traumático do isolamento. Ficamos de dois a três anos trancados em casa. Amadurecemos, crescemos e entendemos os benefícios de relações sólidas e parcerias a longo prazo. Mesmo os mais jovens estão buscando relações assim. 

É interessante você apontar isso pois o senso comum diz que estamos vivendo tempos líquidos, onde a maior parte das pessoas têm dificuldade em aprofundar as relações. O que seus dados indicam sobre essa crença?
A crença de que os homens não querem nada com nada não poderia estar mais longe da verdade. Venho tentando dizer isso às revistas femininas há 40 anos. E tenho dados que comprovam que os homens se apaixonam mais rápido e com mais frequência do que as mulheres. Quando encontram uma parceira por quem estão apaixonados, querem apresentá-la a amigos e familiares mais cedo. Eles querem morar juntos mais cedo. E têm conversas mais íntimas com suas parceiras do que as mulheres. Elas têm suas conversas mais íntimas com as amigas. Os homens não fazem isso com outros homens. Há outro dado maravilhoso sobre sexo casual. A pergunta é: “Por que você tem o famoso ‘one night stand?’”, que seria traduzido como o sexo casual no começo da relação. Os homens são três vezes mais propensos a propor essa noitada com o objetivo de iniciar uma relação e fazer com que a parceira se aproxime dele. Talvez tenhamos que perceber que quando se trata de romance, os homens são o sexo frágil. 

“O slow love só vai funcionar se aprendermos a focar. O problema é que vivemos uma era de consumo compulsivo”

O digital e sua velocidade ajudam ou atrapalham o slow dating?
Por incrível que pareça, ajuda. Um artigo acadêmico da Universidade de Chicago diz que pessoas que conheceram seus parceiros na internet são menos prováveis de se divorciarem em comparação com as que se conheceram na “vida offline”. Fui estudar o assunto e entendi que o perfil de pessoas que se conhece pela internet – apps de paquera, Instagram, Linkedin e outras redes sociais – tem mais probabilidade de estar em empregos fixos ou carreiras estruturadas, terem o ensino superior completo e estão mais abertas a construção de relacionamentos a longo prazo. Está na hora de aposentarmos essa ideia de que a internet é apenas para sexo casual. Os dados comprovam que as chances lá são maiores do que nos bares. Para isso, é preciso saber aprofundar as conversas. Um movimento que cresceu muito mundialmente foram as videochamadas antes do primeiro encontro ao vivo. Nos EUA, 70% dos solteiros aderiram a esse formato. Em parte para economizar tempo e dinheiro investidos nas saídas para bares e jantares, mas em parte para criar uma possibilidade de conversas honestas, profundas e filosóficas. Se soubermos usar as ligações de vídeo e áudio, podemos conhecer a pessoa a fundo, pois você pode abordar diversos assuntos que traduzem hábitos, valores, cultura etc sem que haja a tensão sexual do encontro cara a cara. Isso nos permite ser mais abertos e transparentes. Chamo isso de smart dating.

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Como o slow love convive com nossos tempos de FOMO (fear of missing out – medo de estar perdendo algo) e FOBO (fear of better options – medo de existirem opções melhores)
O slow love só vai funcionar se aprendermos a focar minimamente. Nosso principal problema é que vivemos em uma era de consumo compulsivo. O tal binge watching das séries – onde você vê 12 episódios em um dia – e o consumismo afetivo, onde saímos dando match compulsivamente e abrimos 38 frentes de possíveis paqueras… que não dão em nada. Sabe por quê? O cérebro é extremamente bem construído para escolher entre cinco e nove opções. Depois disso, ele fica inundado e paralisa. Chama-se sobrecarga cognitiva ou o paradoxo da escolha. Trazendo para o mundo dos encontros, minha recomendação seria: conheceu nove pessoas – seja via app, no bar, na paquera do inbox –, pare nas nove, desinstala o app de paquera, para de dar corda para outros coraçõezinhos no Instagram… Foca. Eu diria, dessas nove, concentre-se em uma pessoa por vez e se proponha a conhecer ela. Dê uma chance, lembra? É claro que a dinâmica da paquera é exaustiva. Eu casei com 75, sei bem. Mas ela fica mais exaustiva exatamente porque a gente não foca. Precisamos ser menos compulsivos e mais calmos, interessados e presentes. 

Alguma última recomendação para esse slow love funcionar?
Sim! Duas recomendações importantes. A primeira é: abra espaço na agenda para conhecer pessoas. Se coloque no mundo, nos bares, nos apps. Flerte. Vejo que muitos de nós lotamos a agenda com questões de trabalho, com nossa ginástica, nossos amigos, nossa leitura… Focar no autodesenvolvimento é maravilhoso, mas é também uma defesa. O amor só vai acontecer se você criar espaço e contexto para ele. Você tem que começar a sair e a usar a internet corretamente – aprofunde os papos mesmo no online e já convide pra um drink. 

Anotado! E a segunda?
Ao conhecer alguém, pense em mais motivos para dizer sim do que para dizer não. Ao invés de olhar os pontos que não são exatamente como você imaginava, procure encontrar as coisas bacanas que te fazem sentir bem. Eu sei que dá trabalho, mas pensa que amor é vida. Pessoas felizes nas relações amorosas vivem de cinco a sete anos mais. Pense em dar uma chance às pessoas. O cérebro e o coração estão morrendo de vontade de amar. As pessoas vivem para o amor, matam por amor, morrem por amor, como mencionei no começo da conversa. Todo mundo quer amar. Só precisamos dar tempo e uma chance. 

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