Fertilização in vitro: a mercantilização da esperança e do medo - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

Fertilização in vitro: a mercantilização da esperança e do medo

Mulheres são empurradas para tratamentos que lucram com seus sonhos e que não informam sobre os desafios emocionais e financeiros do processo

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A decisão de se tornar ou não mãe já não é mais um grande tabu na sociedade. Mas a questão da infertilidade sim. Mais do que isso, se tornou um medo daquelas mulheres que enfrentam dificuldades em engravidar naturalmente. Elas entram em uma jornada que pode ser repleta de desafios emocionais e físicos, e, nessa busca, a fertilização in vitro (FIV) surge como uma opção promissora, mas cercada de questionamentos.

O alto custo dos tratamentos já é um obstáculo significativo para muitas mulheres, mas há ainda a falta de garantia de sucesso da FIV. O que levanta questões sobre a necessidade de uma abordagem mais acessível para a reprodução assistida, com o objetivo de minimizar os riscos emocionais e financeiros enfrentados por essas mulheres.

Para a ginecologista Halana Faria, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde em São Paulo, a comunicação adequada sobre os riscos e benefícios da FIV é fundamental para que as pessoas possam estar mais bem informadas e tomar decisões conscientes. “Em uma sociedade que superestima os tratamentos de fertilidade e negligencia a educação corporal, as mulheres são empurradas para um mercado que lucra com suas esperanças e medos”, ela diz.  

Falta esclarecimento sobre os riscos emocionais e físicos envolvidos na FIV

Segundo Halana, há uma grande apreensão em relação à infertilidade, e muitas vezes as pessoas buscam a FIV sem compreender plenamente seu próprio funcionamento reprodutivo, seu corpo como potência ou seus períodos ovulatórios. Aliás, especialistas da área alertam que antes mesmo de iniciar o processo de fertilização é preciso ter certeza sobre as reais chances de poder engravidar – com ou sem procedimentos. 

Alto custo e um diagnóstico impeditivo


Tereza Villela Xavier, 45, atriz de formação e gestora de patrimônio, enfrentou duas tentativas frustradas de FIV. Após uma gravidez perdida em 2019 com seu parceiro na época, em 2021 ela decidiu explorar a FIV para ter um filho de forma independente. “Procurei a clínica indicada por uma amiga, tinha o dinheiro para investir e uma esperança na mão. Comecei a fazer todos os exames, e os indícios é que eu estava saudável e nenhum impeditivo para engravidar”, conta. 

A primeira estimulação ovariana, seguida da fertilização, não deu certo, mas o médico a persuadiu a fazer a segunda tentativa, “o tempo todo ele dizia acreditar que era possível, eu o adorava”. Mesmo assim, paralelamente, Tereza também resolveu fazer novos exames e acabou descobrindo algumas mutações genéticas que poderiam dificultar a gestação ou causar problemas sérios no caso dela engravidar.

“As mulheres são empurradas para um mercado que lucra com suas esperanças e medos”

“Levei o laudo ao médico e ele disse que não havia comprovação técnica e científica de que pudesse, de fato, afetar a gestação”, lembra. “Mas, depois de muita medicação, um processo super doloroso emocionalmente e financeiramente, não aconteceu.” Tereza pensou em processar o médico, mas estava muito frustrada pra continuar: “Gastei uns 80 mil reais com todo o tratamento, mesmo ele sabendo que eu não poderia ter filhos”. 

Será que você precisa mesmo de FIV?


Presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), a médica Paula Navarro destaca que antes de procurar um tratamento para engravidar, a mulher deveria, primeiro, verificar como interromper o método contraceptivo e começar com ações que beneficiem o ciclo, como tomar ácido fólico, ter uma alimentação mais saudável e parar de beber. 

Segundo a médica, a idade da mulher também pode influenciar na tentativa de engravidar e por isso é bom saber quando procurar um especialista:

Abaixo de 35 anos: se estiver tentando e não conseguir, procure diretamente um médico

Entre 35 e 39 anos: após 6 meses de tentativa, faça exames com parceiros e também busque um profissional

Acima de 40 anos: faça análises hormonais, ultrassonografias para avaliar o útero e os ovários, exames de sangue para verificar a contagem de folículos, exames genéticos para detectar possíveis anomalias cromossômicas e exames de avaliação do esperma para o parceiro. 

Quando a dificuldade de gestação está relacionada à síndrome de ovário policístico – e o sêmen do parceiro é normal –, ela sugere que a primeira linha de tratamento seja o uso de indutores orais, não a fertilização in vitro. Já para casais cujas investigações não revelam a causa da dificuldade de engravidar, pois ainda não existem exames específicos de todo o processo produtivo, a indução da ovulação seguida de inseminação intrauterina é uma alternativa antes de recorrer à FIV.

A ovodoação como alternativa


A coordenadora de vendas Priscila Fernanda Tavares, de 43 anos, também gastou boa parte das suas economias em tentativas frustradas de FIV. Com um quadro de endometriose, ela já tentava engravidar naturalmente há cinco anos, quando partiu para a fertilização em 2021. “Comprei um pacote onde eu poderia fazer doze tentativas, mas depois de quase três anos e seis processos sem sucesso, fiquei muito decepcionada. Meu corpo estava totalmente diferente, meu emocional muito abalado, e eu não conseguiria enfrentar mais uma tentativa.” 

“A ovodoação será nossa última alternativa, mas ainda é nossa esperança”

Foi só depois das seis fertilizações que Priscila descobriu que os medicamentos e injeções que ela utilizava para o tratamento não eram completamente eficazes para seu corpo, já que ela tinha baixa qualidade dos óvulos. E isso poderia ter sido identificado pelos médicos logo no início, o que tornaria o processo mais eficaz e gastos menores, sem mudanças de medicações. 

Em Abril, Priscila resolveu partir para a ovodoação. Trata-se de uma técnica de reprodução assistida que envolve a doação de óvulos por uma mulher para ajudar outras a engravidar. Esses óvulos são fertilizados em laboratório e os embriões resultantes são transferidos para a receptora. “Será nossa última alternativa, mas ainda é nossa esperança.”

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