Decidir congelar os óvulos não é tão simples - Mina
 
Seu Corpo / Textão

O ultimato da fertilidade me faz sentir em queda livre

Ser mulher é, de repente e muito nova, se deparar com um prazo: tá na hora de ter filhos, congelar os óvulos ou abrir mão de gestar uma criança. A jornalista Letícia Vidica está passando por isso e relata as angústias do processo

Por:
5 minutos |

Sempre tive medo de montanha russa, mas cresci sendo aquela criança “medrosa corajosa”.  Era assim que eu me definia (e, às vezes, me defino até hoje) quando ia a um parque de diversões e me deparava com aquele monstrengo cheio de descidas assustadoras. Como não subir no carrinho e enfrentar a adrenalina junto com os meus amigos? 

Bora lá, mas olha só: vou de olhos fechados, não solto a mão do ferro da frente, não vou gritar e checo várias vezes se o cinto está afivelado (e ainda duvido, rs). Essa sou eu e as recomendações a mim mesma, como boa virginiana com um pouco de “TOC”, que sou.

Ao longo dos anos, fui percebendo que meu medo não é da montanha russa em si, mas da queda. Não são aqueles intermináveis segundos de subida no carrinho inclinado, com os olhos entreabertos, vendo a altura e a loucura que estou cometendo, que me dão medo. É a sensação do que vem depois da subida: a queda.

E foi assim que me senti, há uns 3 ou 4 anos,  quando recebi o diagnóstico da uma antiga ginecologista sobre a minha decisão de fazer a tão famosa contagem de óvulos. “De nada adianta você contar seus óvulos agora. Podemos até fazer isso, mas, na sua idade [eu tinha 35 anos], a sua produção de óvulos já está em queda. Só vamos confirmar o que já sabemos –  que sua produção está caindo”, disse.

Simples, direta e fria assim. Me veio a mesma sensação do carrinho da montanha-russa começando a queda livre. E, para complementar, o xeque-mate era eu decidir se queria congelar meus óvulos (o que me custaria a grana que estava investindo no meu apartamento – na época, o “meu bebê”) ou encarar uma maternidade solo (o que eu ainda não considerava porque tinha um fio de esperança de encontrar um amor de verdade para dividir esse sonho). 

Não entendo a crueldade e não-lógica da biologia feminina

Resultado: uma mulher desolada, chorando aos prantos pela Avenida Paulista enquanto mandava um áudio longo de whatsapp para a minha irmã “terapeuta”. Não foi fácil. Aí notei o quanto não falamos sobre esse assunto e o quanto o tic tac do nosso relógio biológico é cruel. 

Imagina você com a sua produção de óvulos no topo da montanha russa, mas sem estar preparada financeiramente, ou então estar totalmente segura para encarar a maternidade, com toda a autoconfiança e a grana para as fraldas e o que mais precisar, porém seus óvulos estão simplesmente te dando tchau. Ainda não entendo essa crueldade e não-lógica da biologia feminina.

Para quem sonhava em colocar uma criança no mundo e dar a ela uma família, como a que eu tive, o que fazer quando não se tem alguém do lado que possa te proporcionar isso? Na época em que recebi o ultimato dos óvulos, estava solteira e com baixa esperança de encontrar alguém que quisesse um relacionamento sério – ainda me curava das velhas feridas dos relacionamentos tóxicos. 

Mas a vida também sorri pra gente e, finalmente encontrei essa pessoa para dividir a vida e os planos de ser mãe. Alguém que me ama, compreende o meu desejo, minha vontade… que, mesmo já tendo sido pai, está disposto a encarar tudo de novo comigo. Isso é lindo e é amor. Parece simples, né? Porém não é, porque a vida não é lógica. 

Um amor do lado, os óvulos caindo e… a carreira subindo! Puts. Dilema maternidade-carreira. A gente cansa de ler sobre, de conversar com amigas sobre e, quando se depara, está no dentro dele. “Agora não é a hora disso, as coisas tão caminhando no trabalho. Vou adiar os planos por mais alguns anos”. Só que meu RG me lembra que, em menos de 2 anos, viro uma lobinha (vou quarentar) e, apesar de me achar uma jovem de 23 anos, meus óvulos não se sentem assim. E agora, José?! 

“Por que você não congela, amiga?” Mais uma descida da montanha russa se aproxima e eu não posso pular do carrinho. De olhos entreabertos, vou ter que encarar mais essa descida com looping. Congelamento de óvulos virou o novo papo de mulheres 35+, como eu. Se você for do clube das que estão ascendendo profissionalmente ou já tem uma carreira estável, porém ainda não têm filhos e querem ter, provavelmente essa pergunta já apareceu pra você de maneira tão natural quanto quando mandam “qual é o seu signo?”. Mas e aí? Está preparada para isso? Ou melhor: será que eu tô? 

Troquei de ginecologista depois daquele ultimato e encontrei uma que me acolhe mais, contudo não ignora o diagnóstico que recebi. Ela me dá possibilidades e é disso que uma boa virginiana com ascendente em sagitário gosta: possibilidades e planejamento. A tal moda do congelamento te dá uma coisa, porém te exige outra: planejamento financeiro e disposição de encarar essa jornada. E é justamente nessa última descida da montanha russa que estou. E vou encará-la da mesma maneira de sempre: com medo, mas vou. Afinal, não tem outro jeito.

Mais lidas

Veja também