Mãe solo por opção: por que mulheres escolhem esse modelo - Mina
 
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Elas escolheram ser mãe solo

Por meio da adoção ou gestando um bebê a partir da inseminação artificial, três mulheres dividem os desafios e as dúvidas que a maternidade solo traz. Uma certeza? Terem feito a melhor escolha

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Primeiro vem o amor. Depois, o casamento. Só mais adiante, chega o bebê. Há séculos a sociedade encara dessa maneira a linha do tempo da formação de uma família. Mas não é mais assim que a banda toca. Dentre os diversos modelos familiares que existem, um subverte totalmente essa história: o da maternidade solo por opção.

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Eu, que sempre sonhei em ser mãe, mas até agora, aos 36 anos, não encontrei uma parceria para embarcar nessa jornada, fico feliz de ver mulheres optando por ter filhos sem um companheiro ou companheira. Isso tem me feito pensar em congelar meus óvulos, tentar estender um pouco o relógio biológico, e me preparar para ir atrás desse sonho.

“Tornar-se mãe solteira por opção tem sido fortalecedor”

Conversei com três mulheres que me inspiram a formar minha própria família, independentemente da parceira amorosa. Gabi, Andressa e Santuza fazem parte de uma tendência crescente de mulheres que optaram por criar seus filhos sozinha. Financeiramente estáveis, com apoio da família e dos amigos, elas acreditam que, de muitas maneiras, ser mãe solo por opção é mais fácil do que negociar os deveres domésticos e parentais com os parceiros.

De repente, mãe de dois

A influenciadora digital e podcaster Gabi Oliveira, 31 anos, do canal De Pretas, sempre imaginou ser mãe aos 30. Então, aos 28, recém-saída de um relacionamento e com estabilidade financeira, decidiu não esperar por um parceiro e deu entrada no processo de adoção.

Foram quase dois anos até Mário, 10 anos, e Clara, 5, se tornarem oficialmente seus filhos. Nesse período, precisou de força e paciência para reunir a documentação necessária, fazer os cursos exigidos pela Vara da Infância e Juventude, realizar as terapias em grupo para, enfim, receber a ligação que tanto esperava. “Eu era uma mulher solteira e, de repente, minha vida virou em uma noite”, compartilha. 

Com a nova rotina, Gabi tomou uma decisão: saiu de São Paulo e foi para Niterói, no Rio de Janeiro, ficar mais perto da família. Assim, teria uma potente rede de apoio. “Fez toda a diferença”, diz.

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Ainda assim, no processo de adaptação, a influenciadora precisou ficar em tempo integral com Mário e Clara. Ela recorda: “Eles estavam muito ansiosos com tudo, não dormiam e acordavam cedo. Precisavam da minha atenção a todo momento, mas eu estava tão feliz em vê-los ali comigo que tudo fluiu”.

Hoje, Gabi comemora cada conquista dos filhos e já tem espaço para fazer planos que não envolvem eles necessariamente. “Consigo sair e aproveitar os amigos. A vida vai se encaixando.”

“Escolher o doador de sêmen é um processo muito complicado”


Dura jornada

Com a ideia fixa de ter filho antes dos 40 anos, a nutricionista Andressa Antonelli, 44, passou por um difícil processo até se tornar mãe. Para não ver diminuir a qualidade dos seus óvulos, começou o processo de inseminação artificial a partir de um banco de sêmen, logo após completar os 38. 

“Essa jornada incluiu inúmeros exames, o que me deixou muito ansiosa, com medo de que não desse certo”, relembra. “Além disso, precisava encontrar o doador que tivesse afinidade comigo, o mais próximo do meu ideal. E esse processo é complicado.”

Escolher o doador é tarefa árdua. A primeira lista que lhe foi dada no banco de sêmen nacional contemplava cerca de 80 perfis. E essa decisão passa não só pelas características físicas, mas também pelas preferências, como tipo de comida e profissão.

“Eu tenho problema de visão, então, priorizei os doadores que não tivessem. Observei estilo de vida, gostos parecidos, uma pessoa com quem combinaria se estivesse junto. Fui analisando até chegar em seis doadores finais”, conta. Desses, um só é escolhido. 

A primeira tentativa de inseminação, porém, não vingou. “Foi um baque, tudo estava caminhando, mas não deu certo.” Andressa, então, procurou outra clínica e, durante os exames, descobriu que tinha uma predisposição para desenvolver uma trombose, chamada “trombofilia”, aumentando o risco de formação de coágulos sanguíneos. Meses depois de passar por um tratamento, submeteu-se a uma segunda tentativa para engravidar. Mais uma vez, a frustração.

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Prestes a completar 40 anos e após o terceiro procedimento, veio a notícia que ela mais aguardava: estava grávida – e de gêmeos. Só que  não foi uma gestação fácil. “Aos três meses, o coração de um dos bebês parou de funcionar”, relembra. “Estava realizada por ser mãe, mas ao mesmo tempo triste de perder o que mais queria, os meus dois filhos.” Passada a difícil jornada, Isadora nasceu saudável, em março de 2019. 

Para que um dia sua filha possa entender como chegou ao mundo, Andressa escreveu um diário sobre cada etapa do processo, descrevendo os sentimentos, detalhando a espera e como a maternidade seria a realização de um sonho. Hoje, aos 4 anos, quando a menina pergunta sobre o pai, ela reforça que formam uma família diferente, diz que a filha foi muito desejada, mas que não tem um pai. 


Mãe sem manual

Fato é que não existe um manual, uma única maneira de como as crianças devem tomar conhecimento de suas histórias; cada família é peculiar. De acordo com a psicóloga Cristiane Moraes Pertusi, doutora pela Universidade de São Paulo (USP), a maternidade solo requer acompanhamento de um terapeuta, de um especialista, para ajudar a lidar com as questões envolvidas no processo e com os filhos. 

“É preciso trabalhar os modelos de histórias que podem ser construídos com a criança desde pequena. Há muitos grupos de apoio com as temáticas, e cada mãe, na construção da sua maternidade, vai elaborar a sua própria história”, diz. 

Nos últimos 10 anos o número de embriões congelados cresceu 225% 

É o que a servidora pública Santuza Thomas, 45 anos, tem feito. Mãe de Isadora, 5, a menina começou a perguntar pelo pai quando tinha 2 anos. “Sempre falo a verdade, mas pela idade dela, tento explicar de forma lúdica: ‘Mamãe queria muito que você nascesse e você foi muito desejada. E, como não tinha um companheiro, pediu ajuda do médico, que colocou uma sementinha na barriga da mamãe, você cresceu e nasceu’. Mas sei que os questionamentos sempre virão. Precisamos de ajuda profissional para elaborar melhor a história da chegada dela e a minha decisão, mas uma coisa é fato: ela foi a minha melhor escolha.” 

Cristiane aponta para a necessidade de dar atenção aos aspectos psicológicos. “É importante que a maternidade solo seja planejada, pensando que essa mãe tenha uma rede de apoio para ajudá-la, não trazendo sequelas à criança. A construção de identidade hoje da sociedade continua a mesma, são sempre modelos parentais, mas estão sendo ressignificadas.” 

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Em seu último relacionamento, Santuza tentou engravidar naturalmente, mas como não conseguiu, arriscou o processo de inseminação artificial, também sem êxito. Independente de ter um companheiro, o desejo de ser mãe seguiu forte, embora tivesse muitas dúvidas de como lidaria futuramente com sua filha. 

“No primeiro ultrassom, ao ouvir os batimentos cardíacos, todas aquelas dúvidas desapareceram, estava muito feliz. Tive uma ótima gestação e um apoio incrível da minha família”, diz a servidora, que chegou a arcar R$ 20 mil pela fertilização in vitro.

Para Santuza, que teve sua filha aos 40, a alegria de ser mãe superou todos os desafios enfrentados para engravidar. Ela diz que exercer a mãe solo por opção tem sido fortalecedor.

Congelamento de óvulos e embriões

Engravidar sozinha normalmente custa caro, sem contar os gastos da criação de uma criança num modelo monoparental. Jonathas Borges Soares, médico referência em reprodução humana no Brasil e fundador do Serviço de Reprodução Humana do Centro de Referência de Saúde da Mulher-Hospital Pérola Byington, lembra que quando começou a trabalhar na área, há 20 anos, mães solos por opção “eram praticamente inéditas”. 

“Agora, vemos como uma tendência em crescimento, e isso é muito interessante”, observa. As mulheres estão mais empoderadas e ganhando seu espaço, decidindo quando querem ter seus filhos. Porém, é preciso olhar sempre a qualidade dos óvulos dessa mulher que hoje tem filho aos 40”, diz ele. 

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Segundo relatório de 2020 publicado pelo Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), coletados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e analisados pela Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), nos últimos dez anos o número de embriões congelados cresceu 225% – foram 114 mil embriões só em 2021. “Eu sempre recomendo para as mulheres que têm o sonho de serem mães congelarem seus óvulos até os 35 anos. Isso conserva a qualidade e diminui o risco de ter queda de reserva ovariana”, finaliza. 

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