Tentar engravidar pode ser um processo amargo e com muitos efeitos colaterais - Mina
 
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Tentar engravidar pode ser um processo amargo e com muitos efeitos colaterais

Vou começar essa história pelo final, que é feliz: hoje eu tenho uma filha! Ela tem seis anos e se chama Helena. Contudo, virar mãe foi, sem dúvida, o capítulo mais difícil da minha vida

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Eu sempre soube que queria ser mãe. Era uma questão de tempo. Lá pelos 30 anos, o tic-tac do relógio biológico começou a soar. Mas o desejo de ser mãe, naquele momento, estava completamente embalado em um conto de fadas, com direito a um príncipe que desfilaria motivos para que eu abrisse mão da minha vida individualizada e me misturasse geneticamente com ele. Eu cavalgaria com ele até o ginecologista onde tiraria o DIU e, passado aquele mês protocolar, eu engendraria imediatamente o almejado bebezinho que, em contados nove meses, estaria nos meus braços. 

Mas não teve príncipe, nem cavalgada e muito menos bebezinho. Quando fiz 34 anos, o tic-tac havia se transformado numa espécie de alarme nuclear. Por que eu não engravidava logo? De onde vinha o meu medo? Ora, eu tinha levado 34 anos para construir a pessoa que eu era naquele momento. E deu muito trabalho! Perdi noites de sono, acumulei frustrações, me custou muito conseguir me transformar em mim mesma nesse tempo. Engravidar significava, de certa forma, abrir mão de tudo aquilo que eu tinha conquistado, por uma outra vida, da qual eu não tinha a menor ideia de como seria. Dá medo. E a minha vida era boa! Eu morava sozinha (adorava!), já estava fazendo o quarto roteiro de longa metragem, trabalhava como colaboradora na Globo, estava tudo certo… E se essa coisa de mãe não fosse tão incrível?

“Engravidar se tornou uma espécie de obsessão”

Sem falar que, hoje em dia, tudo tem volta. A gente pode se casar e decidir separar. Pode se formar em jornalismo e depois virar paisagista, pode mudar de país, de profissão, até de gênero! Mas deixar de ser mãe é impossível. Na pior hipótese você poderá se tornar uma mãe desnaturada, mas nunca deixar de ser mãe. Ir naquele ginecologista e tirar o DIU era um passo sem volta. Mas fui mesmo assim.

Da primeira vez que engravidei foi rápido. Eu não tive o menor pudor de contar pra Deus e mundo que eu estava grávida. Um dia, chegando para um exame de três meses, no estacionamento, meu marido na época, pai da criança, me viu bem tranquila e me perguntou: você não fica nervosa? Eu estava tão, mas tão tranquila que sequer entendi a pergunta. Na consulta descobri que o bebê não tinha vingado.

Depois disso, engravidar se tornou uma espécie de obsessão. Nossa, como eu sei o que é isso, poucas coisas me mobilizam mais do que uma mulher tentando engravidar. Porque eu sei que é um processo que corrói por dentro. Uma devastação da sua autoestima, do seu poder feminino e até da sua generosidade. Lembro de receber com uma inveja que beirava o rancor a notícia de que alguém tinha engravidado. A única coisa que eu pensava ao ouvir uma notícia dessa era: por que não eu!??

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Tentar engravidar é um processo amargo que tem muitos efeitos colaterais. Por exemplo, transar se torna uma espécie de inseminação natural. E claro que isso é um anti-afrodisíaco para qualquer casal. Aquela tensão diária instaura a mulher em um mundo de agonia que é só dela. A contagem do ciclo, a semana do período fértil, a conta com os testes de gravidez na farmácia… E, para piorar, todo mundo te dá o conselho mais cruel do universo: Re-la-xa. É só você relaxar, que vai engravidar.

Quantas vezes eu poderia ter socado pessoas que me deram esse conselho? É impossível relaxar quando você está tentando engravidar! Boa parcela da conversa do casal acaba sendo sobre: engravidei, não engravidei, é agora, não foi dessa vez…

Depois de um ano tentando… Engravidei! Um mês, dois, três… quatro, agora vai! Cinco meses. Perdi o bebê. Dessa vez tive que fazer uma cesariana porque a gestação já estava avançada. Voltei para casa com uma cicatriz típica de parto. Meu peito deu leite, uma tragédia completa. E, pela janela, eu olhava para o gramado verde no qual meu bebê não brincaria. Depois, me separei. Passei dois anos reorganizando tudo. Minha feminilidade estava em frangalhos. Meu corpo era um estacionamento de intervenções e desejos frustrados. Eu virei um quebra-cabeça faltando algumas peças.

“Um bebê é como uma semente que precisa de umidade e escuridão para germinar”

Mas aos poucos, o Tempo faz seu milagre. Aqueles fragmentos foram se reorganizando em um novo todo. Um dia, me olhei no espelho e me achei bonita de novo. Comecei a namorar e nunca falei de filhos… No máximo, um leve comentário do tipo: estou sem DIU. Em todo processo, havia percebido que um bebê é como uma semente que precisa de umidade e escuridão para germinar. Ficar falando sobre ter filho, sobre tudo que aconteceu, iluminar esse terreno só esterilizaria nossas sementes. E aconselho isso veementemente, caso você esteja tentando engravidar… não fale sobre esse assunto. Preserve na penumbra esse lugar mágico de onde vêm os bebês.

Para mim foi uma imensa aula. Nós mulheres aprendemos a ser grandes controladoras. Até porque, se não controlamos a vida vira um caos… Absorvemos de forma identitária essa tarefa de organizar e controlar todos os fluxos. A escola, as compras, a casa, a vida, o trabalho, a academia… Mas quando se trata de gerar uma pessoa, a verdade é que somos jogadas no terreno do mistério. Hoje acho engraçado quando vejo uma mulher que planeja parar a pílula em abril pra engravidar em julho… Apenas desejo boa sorte, mas sei que em 99% dos casos o mistério da vida não vai aceitar sua sugestão de agenda.

Ser mãe é um mistério desde o momento incontrolável da fecundação até o dia de nossa partida. Entregar-se a esse desconhecido é uma tarefa difícil. Imagina que loucura… a mulher menstrua junto com as fases Lua que regem as colheitas… Se você está tentando engravidar, tente se entregar à imensidão desse mistério. E aproveite a vertigem! Seu filho virá.

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