Abrir um frasco de remédios, tomar uma cápsula e garantir uma pele jovem, elástica e sem rugas. Prático, não? Numa era em que basta abrir qualquer aplicativo para ser impactada por publicidade e vídeos de influenciadoras fazendo propagandas de produtos de beleza, a suplementação com substâncias para reduzir os impactos do envelhecimento está cada vez mais comum.
E não é de hoje que o colágeno é apontado como um dos “santos milagres” para combater a velhice – ou pelo menos uma alternativa em conta para se manter mais jovem. Mas até que ponto os cremes e as pílulas realmente são mágicos? A resposta é complexa e a ciência se divide até mesmo nas dezenas de pesquisas que existem sobre o tema.
O que é colágeno?
Talvez algumas pessoas não saibam, mas o colágeno é a proteína mais abundante no corpo humano. Como uma proteína estrutural, sua principal função, como o nome diz, é dar forma e estrutura a organismos vivos – neste caso, aos nossos tecidos. É por causa do colágeno, portanto, que a pele tem sua elasticidade e proteção. A produção de colágeno é vital para a saúde da pele, cabelo e unhas, além das nossas articulações.
Quando ficamos mais velhos, o colágeno em nosso corpo passa a se decompor mais rapidamente ao mesmo tempo que o organismo produz cada vez menos a substância. É por esse motivo que as rugas aparecem, há menos colágeno armazenado na camada interna da pele (fatores como consumo de álcool, tabaco, dietas desbalanceadas e queimaduras de sol também aceleram o envelhecimento).
Ingerir não significa “criar” colágeno
Mas vamos direto ao ponto (ou um deles). Um artigo publicado na Harvard Health é categórico ao dizer que ainda não há provas suficientes de que tomar pílulas ou ingerir bebidas de colágeno faz diferença para a pele, para o cabelo ou para as unhas, uma vez que os nossos corpos não conseguem absorver o colágeno em sua forma completa. “Até agora, nenhum estudo em humanos provou claramente que o colágeno que você ingere por via oral acabará na pele, no cabelo ou nas unhas”, afirmam as pesquisadoras responsáveis pela publicação.
“Não dá pra garantir que o colágeno vá atuar na sua unha, talvez ele vá para seus músculos”
A razão disso é que o colágeno que tomamos é quebrado pelo organismo em aminoácidos. Uma vez dentro do corpo, as substâncias podem ser usadas para montar a estrutura de novas proteínas; porém, como explica a professora titular do departamento de bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, Alicia Kowaltowski, “não existe uma etiqueta nos aminoácidos falando assim: ‘isso aqui é só para sintetizar colágeno que vai melhorar as rugas‘. Não tem esse tipo de memória molecular nos aminoácidos, ele pode se transformar em qualquer outra substância”.
O artigo publicado pela Universidade de Harvard acrescenta que mesmo se uma proteína for formada com a ajuda dos suplementos de colágeno, a substância pode vir a ser depositada em diferentes áreas do corpo, como em cartilagens, ossos, músculos e tendões.
Impacto positivo da ingestão de colágeno
Apesar de não ser possível ter certeza de que o colágeno ingerido será usado pela pele, algumas pesquisas apontam que o uso de suplementos pode ter efeitos positivos.
Um estudo publicado na revista científica “Bioscience, Biotechnology, and Biochemistry”, e citado na Oxford Academic, testou os efeitos que a ingestão de fragmentos de colágeno têm na redução dos chamados “produtos finais de glicação avançada” (ou AGE, na sigla em inglês) – tanto na pele como nas paredes de vasos sanguíneos localizados abaixo dela. O resultado foi animador.
Uma rápida explicação: Os AGEs são formados no corpo humano quando a gordura e a proteína se combinam com o açúcar. Quando isso acontece em níveis elevados, aumenta o risco de doenças e pode acelerar o envelhecimento da pele. O que o estudo apontou foi que a ingestão do colágeno “pode reduzir significativamente os níveis de AGEs”, o que pararia de acelerar o envelhecimento.
Mesmo com resultados positivos, os próprios estudos ainda sugerem novas revisões
Outra pesquisa, esta publicada pelo Journal of Medical Nutrition and Nutraceuticals, avaliou os impactos que as bebidas com derivados de colágeno hidrolisado e outros produtos que prometem ter ingredientes “anti-envelhecimento” têm na elasticidade, hidratação e rugas da pele.
O colágeno hidrolisado é resultado do processamento de colágeno, de maneira que a proteína fica menor. O objetivo de “fragmentar” o colágeno é tentar facilitar sua absorção pelo corpo, para que o colágeno não se perca e seja usado na formação de outras proteínas.
A pesquisa conclui que o suplemento nutricional oral composto por colágeno hidrolisado, ácido hialurônico, vitaminas e minerais leva a uma melhora significativa na profundidade das rugas. O estudo também notou que foi possível induzir melhora notável na elasticidade e hidratação da pele.
Revisões apontam melhoras, mas sugerem mais ensaios
Ainda que melhorias possam ter sido notadas em algumas pesquisas, diferentes revisões – e, em certos casos, até os próprios estudos – indicam que é difícil dizer que estes resultados foram exclusivamente devido ao colágeno e que mais ensaios científicos devem ser conduzidos, para chegar a conclusões mais sólidas.
Uma revisão publicada na Nutritional Medicine Journal sobre o impacto do colágeno no tratamento de doenças, encontrou 14 estudos que avaliaram especificamente o uso da suplementação de colágeno para evitar o envelhecimento da pele.
Uma das pesquisas citadas demonstrou que cremes e loções podem não conseguir atingir a derme e afetar causalmente a produção de colágeno pelo organismo. Apesar de os pesquisadores terem afirmado que os ensaios apontam, de maneira geral, para benefícios no uso de colágeno e de seus derivados para a aparência e saúde da pele, “recomendações específicas são difíceis (…) devido ao número de ensaios utilizando fórmulas de marca ou combinadas”.
O mercado de suplementos é pouco controlado, nem é preciso provar que funcionam
A doutora em física Gabriela Bailas, que busca desmistificar temas relacionados à ciência nas redes sociais, rebate estudos sobre o tema e afirma que não existem evidências científicas robustas de que o colágeno – seja ele ingerido ou aplicado na pele – tenha efeito positivo contra o envelhecimento. “No tema colágeno, os estudos que supostamente apresentaram resultados positivos são de péssima qualidade, ou seja não seguem o rigor científico e muitos foram produzidos pela própria indústria que vende colágeno”.
Segundo a pesquisadora Dra. Alicia Kowaltowski, consumir colágeno não faz mal, e “o maior efeito negativo é no seu bolso”. A médica ainda reflete sobre a falta de regulamentação no setor. “O mercado de suplementos é muito pouco controlado. Qualquer um pode vender a coisa sem nenhuma consequência, e ao mesmo tempo eles não precisam provar que funciona”.