Você conseguiria imaginar uma vida cheia de bem-estar, intimidade e conexão chegando aos 60 sem filhos, sem marido e há mais de 30 anos sem namorado fixo? Ou, assim como eu, você tenderia a projetar essa mulher como a tia dos gatos – aquela pessoa amargurada e solitária que todos pedimos aos céus para jamais ser? Somos fruto de nossa cultura e, fatalmente, crescemos entendendo que nosso “feliz pra sempre” só vem quando encontramos a nossa outra metade da laranja. Quanta ingenuidade a nossa – seria ignorância mesmo?
O importante é todo mundo ser livre para projetar o modelo de relacionamento que funciona para si
Esta entrevista vem para mostrar que o jogo da vida não se ganha apenas quando completamos as casas de marido e filhos. Vem para questionar: quais caminhos quero trilhar para gozar plenamente do amor, da liberdade e do bem-estar? Você sabe responder o que te deixa feliz de verdade? (Não aquela felicidade de cumprir os protocolos oferecidos pelo mundo). Por que, sim, a gente fica feliz em dizer: “consegui! Cumpri a cartilha social”. Mas a que custo? E para que mesmo?
Cindy Gallop é a mulher descrita no início do texto. Essa idosa inglesa descendente de chineses que não casou, tem cabelos grisalhos e mora sozinha perto do Central Park, nos Estados Unicos… mas em nada remete à imagem da tia dos gatos. Cindy é empresária, consultora de negócios e fundadora do vanguardista Make Love, Not Porn (MLNP) – primeira e única plataforma de compartilhamento de vídeo de sexo com curadoria humana do mundo. Cindy diz que sua criação é a revolução social do sexo por que permite que nos inspiremos em todas as maneiras maravilhosas de viver a intimidade no mundo real. Ali, você assiste casais, trisais e até pessoas sozinhas transando, se masturbando, se amando e sentindo prazer de verdade.
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Solteira convicta e adepta ao sexo casual com homens muito mais novos (como ela conta em seu TED de 2009), Cindy vive a conexão e a revolução que prega em sua plataforma. Usando suas palavras, essa entrevista é uma celebração: “Celebramos a emoção do mundo real. Amor, intimidade e sentimentos.” Para inspirar você a repensar seu próprio bem-estar, trazemos a história dessa mulher que não faz check em nenhum item da lista do estereótipo da mulher feliz no amor e, ainda assim (ou exatamente por isso), esbanja amor, intimidade, prazer e conexão.
Quero começar falando sobre conexão: como manter o eixo e as certezas numa época de tanta desconexão e baixo índice de intimidade? Como é isso para você?
Tenho uma abordagem muito específica para isso porque sou alguém que nunca quis se casar. Nunca quis ter filhos. E sou muito feliz em sempre ter tido essa certeza, ao invés de descobrir da maneira mais difícil – tendo eles. Sou aquela mulher muito rara que definitivamente não quer estar em um relacionamento fixo. Adoro ser solteira, mal posso esperar para morrer sozinha e saio com homens mais jovens casualmente e recreativamente para sexo. E, antes de tudo, falo aberta e publicamente sobre essa minha postura e sobre meus desejos porque vejo que não temos modelos suficientes de mulheres (e até de homens) que mostrem que você pode viver sua vida de maneira diferente do que a sociedade espera e, ainda assim, ser extremamente feliz.
Então, você é feliz? Há amor aí?
Sinceramente, sou uma das pessoas mais felizes que conheço. Quero enfatizar que mesmo tendo um estilo de vida muito diferente do que geralmente se espera das mulheres, minha vida é cheia de amor e intimidade. Posso te garantir, não apenas com base em minha própria experiência, mas também como base no meu negócio que há mais amor e mais intimidade neste mundo do que nunca. Tudo o que você precisa fazer é entender o que realmente te faz feliz e, então, sair e batalhar para encontrar. No MLNP, tudo o que fazemos é celebrar o amor e a intimidade todos os dias para as pessoas do mundo todo.
A maioria das mulheres ainda desenha a própria felicidade num cenário de parceiro fixo e romance. Como incentivá-las a se questionar sobre o que realmente querem? Como desconstruir essa imagem de amargor e derrota pela ausência da “outra metade da laranja”?
Já visitei o Brasil muitas vezes. Amo o Brasil e sei como é a cultura brasileira. Portanto, a primeira mensagem que tenho para o seu público é uma filosofia fundamental minha: fique longe de pessoas, lugares e coisas que fazem você se sentir mal consigo mesma. Não saia com um monte de casais, porque é claro que você vai se sentir mal. A segunda coisa que eu diria é para dar uma boa olhada dentro de si mesma e se perguntar: no que eu acredito? O que eu valorizo? O que me representa? O que me envolve? O que realmente me faz feliz? Porque, quando você parar para se fazer essas perguntas, descobrirá que o que te faz feliz não é o que sua mãe está dizendo que deveria te fazer feliz ou o que a sociedade está dizendo ou o que a cultura popular define como felicidade ou o que todos os seus amigos estão fazendo… O que te deixa realmente feliz talvez seja algo completamente diferente.
Quando você decide que não quer se apaixonar economiza bastante tempo
Fala um pouco do que você encontrou se fazendo essas perguntas? E como é a sua forma de se relacionar?
Saio casualmente com homens mais jovens, de forma recreativa, para transar e acho importante falar um pouco sobre esse meu modelo de relacionamento. Conheço esses rapazes em sites de namoro específicos para mulheres mais velhas e caras mais novos. Acho maravilhoso existirem sites de paquera cada vez mais segmentados, onde todos sabem por que estão lá e o que a outra parte está buscando. Você ficaria surpresa com o número de homens mais jovens que querem sair com mulheres mais velhas e que estão nesses sites. Tenho um critério de seleção fundamental, não importa o quão casual seja o relacionamento, o cara deve ser, antes de tudo, uma pessoa muito legal. Tenho um radar fantástico para pessoas muito legais e, como resultado, só saio com homens mais jovens absolutamente adoráveis em uma atmosfera de confiança mútua, respeito, carinho e cumplicidade.
E como são seus encontros casuais, porque o medo e a resistência das mulheres é viver histórias sempre efêmeras, o que não precisa ser verdade né?
Ironicamente, meus chamados “relacionamentos casuais” algumas vezes duram muito mais do que os chamados “relacionamentos comprometidos” da maioria das pessoas. Fico saindo casualmente com o mesmo cara por períodos que variam de 2, 3, 4, 5, 10, até 15 anos. E, às vezes, eles saem com mulheres de sua idade, ou até se casam, mas como gostamos um do outro, continuamos amigos. Nesses períodos, a gente se encontra para tomar um café ou um drink. E, com frequência, quando os namoros ou casamentos acabam, eles voltam. E a gente fica junto de novo. Posso te garantir que é muito bom. Acredito que o importante é todo mundo ser livre para projetar o modelo de relacionamento que funciona para si e ele pode ser diferente nos vários estágios da vida. Não podemos nos limitar aos poucos modelos que a sociedade diz que devemos seguir para sermos felizes e aceitos.
Muitas mulheres mais velhas que começam a sair com caras mais novos ainda escutam comentários como: “você sabe que uma hora ele vai querer ter filhos” e coisas assim. Como lidar com a pressão social?
Quero dizer que conheço muitos rapazes que se casaram com mulheres mais velhas e decidiram que não terão filhos porque o que importa é a mulher que eles amam. Portanto, esse argumento é uma besteira absoluta. Honestamente, minha mensagem é: existe muita bobagem sendo dita sobre como uma mulher deveria ser… Ignore! De fato, encorajaria ativamente as mulheres a fazerem o que faço: desista e esqueça de querer se apaixonar. De verdade, eu não tenho nenhum desejo de estar apaixonada. E, quando você decide que não quer se apaixonar, isso elimina muitas besteiras da sua vida e economiza bastante tempo. Desde que nascemos, somos ensinadas que toda a nossa vida é uma busca pelo nosso “+ 1”, pelo “seu par”. Com muita frequência, – e isso acontece especialmente na juventude, na casa dos 20 anos – antes de sair pra qualquer festa você pensa “será que ele vai estar lá?”. E aí você passa horas se maquiando, experimentando roupas e se perguntando se parece gorda. Isso também força você a competir com outras mulheres – uma dinâmica que eu deploro. E, no final da noite, você volta para casa sozinha, cabisbaixa pensando “saco… Ele não estava lá. Talvez na próxima vez.”
Você também passou por isso?
No início dos meus 20, 30 anos, eu estava tão sujeita a essa lógica quanto qualquer outra mulher, porque cresci com o mesmo condicionamento social. Tenho mãe chinesa e, na cultura asiática, sucesso e felicidade feminina é sobre casar e ter filhos. Mas aí, em algum momento dos meus 30 anos, simplesmente pensei: “foda-se, não estou mais procurando pelo O CARA”. Meu Deus, que alívio!
Eu podia, finalmente, só ir a eventos sociais e me divertir. Por isso, de todo meu coração, encorajo as mulheres a pararem de buscar o amor. Apenas vá e divirta-se. Seja você mesma. Faça o que você quiser. E faça isso com a certeza de que encontrará alguém que ama o que você é quando não estiver tentando performar a mulher namorável que achou que deveria ser.
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Como se cria conexão independente da duração da relação? O que sua experiência com esses romances casuais pode trazer de inspiração para as mulheres?
Tenho três pontos aqui. Eu realmente acredito que pessoas que estão procurando por sua alma gêmea poderiam se beneficiar e, muito, operando da mesma forma que eu opero para encontrar sexo casual que é se perguntando: ele é uma pessoa muito legal? Quando as pessoas estão procurando um relacionamento sério, muitas vezes no checklist há pontos como: ele tem um bom emprego? Ele está ganhando um bom dinheiro? Ele é ambicioso? Em vez disso, estabeleça como critério número um: “Essa pessoa é muito, muito legal?”.
O segundo princípio é: quando você conhece alguém num bar, por exemplo, muitas vezes diz para seus amigos “Ah… Nem foi sobre a aparência dele… O que importa é que a gente teve uma conexão”. Isso é mentira! Quando você olha pra alguém como um namorado em potencial, o que você está pensando é “o que meus amigos pensariam se eu entrasse em uma festa de mãos dadas com esse cara?”. O comum é isso: procurar por atratividade socialmente endossada. Já eu não. Porque quando entro naquele bar estou focada em querer levar essa pessoa para casa e transar com ela. Portanto, não me importo com o que os outros pensam da aparência desse homem. Estou genuinamente interessada apenas em saber se eu o acho sexy. Por que é meu prazer e nossa conexão que importam. Mulheres, esqueçam o que seus amigos vão pensar e retire todo esse endosso social de seu critério de escolha! Ao invés disso, sinta em você: estou atraída por ele? É isso que vale.
Tem mais um ponto, né? Você disse que eram três!
Exato. O terceiro vem de uma experiência muito pessoal, porque, quando saio para conhecer um cara, geralmente acabei de passar o dia todo vendendo MLNP para investidores ou para parceiros de negócios… Isso é o que eu faço da vida. Então, estou farta da minha própria voz. Não quero dizer nada. Só quero ouvir. Por isso, encorajo os homens a falar sobre eles mesmos. E como eles tendem a estar na casa dos 20 anos, nunca encontraram uma pessoa tão interessada neles quanto eu! E, acredite, ouço histórias incríveis.
Conta algumas então, vai?
Conheci um que era a primeira pessoa da família a ir para a faculdade; outro que sustenta toda a família com o salário do primeiro emprego… Conheci também um jovem que estava no exército, na área de inteligência militar. Ele tinha 25 anos e fazia um trabalho extraordinariamente perigoso. Então, honestamente, discordo do princípio que diz que o encontro só é bom se as duas pessoas têm o mesmo tempo de fala. O que quero dizer é que, quando estou de fato interessada em alguém, descubro coisas sobre essa pessoa e realmente vejo o homem que ele é. Então, encorajaria as mulheres a levarem isso em consideração também. Não tenham medo de perguntar sobre a vida deles, sejam curiosas, atentas e intrometidas.
A grande tendência é buscarmos a intimidade e a conexão mesmo nos encontros de um único dia
Depois de 13 anos do lançamento da plataforma, quais os impactos na forma como as pessoas estão transado?
O MLNP tem o poder de mudar as atitudes e comportamentos sexuais para melhor porque ali você verá como as pessoas realmente vivem a intimidade no mundo real. E estamos falando de muitas maneiras maravilhosas. Nossos vídeos sociais de sexo são extremamente reconfortantes porque celebramos tudo no mundo real: corpos do mundo real, pelos do mundo real, tamanhos do pênis do mundo real, tamanho dos seios do mundo real, vulvas do mundo real. E a razão pela qual isso é importante é que você pode falar sobre positividade corporal e pregar amor próprio, mas, no final das contas, nada nos faz sentir tão bem quanto ver pessoas que não têm o “corpo ideal” se excitando, se desejando e se divertindo muito na cama.
Qual retorno você tem de quem posta os vídeos no MLNP?
Nossos membros nos escrevem falando de várias transformações nos relacionamentos, mas o que chama bastante atenção é a forma como as pessoas passam a se sentir melhor com seus corpos. Um homem escreveu recentemente “minha namorada e eu agora nos sentimos capazes de ser mais abertos um com o outro. Porque vocês fizeram com que a gente se sentisse bem nos nossos próprios corpos”. Mas não é só sobre corpo. No MLNP, celebramos a emoção do mundo real. Amor, intimidade, sentimentos. E isso é importante porque na cultura popular, nos filmes, nas séries, na Netflix, vemos muitas expressões criativas de relacionamentos, muitas narrativas, mas nunca vemos o sexo real! É sempre muito performado. NoMLNP você vê o sexo real e também vê os relacionamentos. Porque em nossos vídeos essas duas coisas são indivisíveis.
E além de relacionamentos de casais, vocês têm muitos vídeos de gente sozinha se masturbando, videos de trisais… não apenas corpos reais mas contextos de excitação reais, certo?
Sim! O ponto é que independentemente do formato, você vê uma dinâmica de relacionamento saudável e amorosa dentro do sexo. Dinâmicas reais! Em nossos muitos vídeos solo – temos de fato muitos vídeos de masturbação de homens, mulheres, trans, não-binários –, dá pra ver como é ter um relacionamento saudável consigo mesmo, com seu próprio corpo e com sua sexualidade. Há muito amor e intimidade no mundo e estamos celebrando isso no MLNP. Não é raro recebermos mensagens que dizem: “meu Deus, vocês transformaram minha vida sexual”. Tem casais que dizem que a gente salvou seus casamentos. Por isso quero convidar todo mundo para se juntar a nós no makelovenotporn.tv, onde, como o nome diz, há pessoas fazendo amor, de verdade.
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E para terminar, como pesquisadora do amor e do sexo, quais você acha que serão as tendências nessa área?
Acho que uma grande tendência é realmente buscarmos a intimidade e a conexão mesmo nos encontros de um único dia. Minha vida sexual é casual e é maravilhosamente íntima, porque quando você traz quem você é para cada encontro, quando você decide que, mesmo que nunca mais veja essa pessoa, você se entregará e esse encontro será o máximo. Trazer quem você é cria abertura e comunicação no sexo. Traz a certeza de que você vai ter um orgasmo. É possível ter encontros sexuais casuais íntimos e absolutamente maravilhosos. Por isso, gostaria de botar a turma no Brasil para pensar sobre o casual a partir dessa perspectiva: da abertura e da comunicação.
E de comunicação você entende, né? Como ex-publicitária, qual sua visão sobre a importância da comunicação pra conexões reais?
Passei 37 anos trabalhando com comunicação e publicidade. Sei que tudo de bom na vida e, nos negócios, nasce de uma boa comunicação. No sexo não é diferente. Um ótimo sexo é resultado de uma ótima comunicação. O que o MLNP faz é tornar mais fácil a comunicação em torno do sexo porque estamos socializando o assunto. Tudo se resume à liberdade, diversidade, realidade e diálogo.