Tati Bernardi: "Quem mandou eu comprar o sugador de clitóris foi meu psiquiatra" - Mina
 
Suas Emoções / Entrevista

Tati Bernardi: “Quem mandou eu comprar o sugador de clitóris foi meu psiquiatra”

Poderosa, bem sucedida e cheia de dores. Sofredora de amigdalite, de enxaqueca e atiradora de verdades. Nessa entrevista, Tati é ela mesma, controversa e adorável, terreno fértil para os haters e acumuladora de fãs

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16 minutos |

Contista, romancista, cronista, roteirista. Escreveu filmes, novelas, talk shows e sitcoms sempre baseado em suas próprias experiências de vida – é daquelas que perde a mãe, o namorado, as amigas, mas não deixa de contar uma boa história. Podcaster versátil, dirige três rodas de conversas nos Meu Inconsciente Coletivo, Calcinha Larga e Quem lê tanta notícia. Mãe da Rita, de 3 anos, filha de Ruth, nascida no Tatuapé, presença estrelada no eixo Pinheiros-Leblon, feminista controversa, estudante eterna de psicanálise e louca por massagem. E isso aqui não é nem uma migalha de tudo que ela faz. 

Sim, começamos esse texto apresentando Tatiane Bernardi Teixeira Pinto com o estilo que ela mesma criou para apresentar seus entrevistados. E se você está pensando em parar de ler por aqui, porque pensa que sabe tudo sobre Tati Bernardi por ler suas colunas, pode pegar um drinque ou um café e senta, que lá vem história. 

Já se perguntou como uma pessoa que sofre de pânico, tem trocentos trabalhos, uma filha, consciência de classe e gosto pela riqueza mantém seu bem-estar? Pois então. 

Aqui vamos dos preceitos da esquerda caviar à separação, que deve dar origem ao novo livro. Do entorpecimento pela paixão à necessidade de sobriedade. Da “insatisfeita raiz” à “inteligente e bonitinha”. E se é dica de bem-estar que vocês querem, temos também: “Olha, uma coisa revolucionária na minha vida é o sugador de clitóris. Mulheres, comprem um sugador de clitóris!”. 

E, além do mais, só aqui você vai descobrir o que é a emetofobia. Com vocês, Tati Bernardi. 

Os filósofos gregos se preocupavam em distinguir os três estados para se alcançar o bem-estar: prazer, alegria e serenidade. Qual dos três funciona melhor para você?
Serenidade, com certeza. O prazer e a paixão não me deixam tranquila. O prazer me dá ânimo, energia para pular da cama e ir fazer as coisas que eu preciso, mas deixa a gente mexida, agitada. A alegria também traz vibração e euforia. Mas bem-estar, para mim, é quando estou tranquila, tão bem que não preciso nem me mexer. Tem a ver com serenidade.

O que faz você relaxar? Como esvazia a cabeça?
Todo dia antes de dormir, até porque eu tenho muita dor no corpo, me enfio na banheira pelando. Aí, já dá aquela queda de pressão que nem se quiser ficar ansiosa eu consigo. Investi todo meu dinheiro no banheiro do meu apartamento, ele parece um spa. Tem aquele piso de madeira, aquela coisa de esquentar a toalha, o cheirinho de sauna. Além disso, descobri uma personal que também é massagista, então, faço exercício todo dia e ela solta minha musculatura antes e depois da aula, que mistura exercícios de funcional com musculação.

“Não gosto de nada 100%. Sou do tipo insatisfeita raiz, sabe?”

Escrever tensiona os seus ombros?
Muito, vou escrevendo e meus ombros vão subindo. Desde que descobri essa mulher, que se chama Marcele, ela vem todo dia na minha casa por uma hora, porque senão eu tenho muita dor no corpo. O único dia que não faço é domingo. Sou a louca da massagem! Faço Shiatsu, acupuntura, sou adepta da medicina chinesa. Adoro.

Você tem mais medo de parecer burra ou feia?
Acho que tenho mais medo de parecer burra, mas talvez seja igual, sabia? Se me acharem inteligente e bonitinha, está ok. Se me acharem linda e espertinha (uma coisa quase burra) aí fica ruim. Mas o que não podem mesmo é me achar feia!

Você gosta do seu corpo hoje, aos 43?
Nunca gosto 100% de nada, sempre acho que tudo pode melhorar, sou meio insatisfeita raiz, sabe?

E essa insatisfação chega a interferir em na hora do sexo?
Acho que o sexo verdadeiro tem muito mais a ver com aquela coisa que vira um corpo só, da coisa que meio que embola. As vezes em que eu fiquei pensando: “Ai, essa pessoa vai ver minha barriga, essa pessoa vai ver minha celulite”, não estava transando, estava performando, que é uma outra coisa e não dá prazer. Já no sexo real, que tem muita paixão e muita entrega, eu nem vejo minha barriga, porque minha barriga e a outra barriga viram uma só.

Tati Bernardi não deixa que as suas encanações com o corpo atrapalhem na hora do sexo

Você se separou durante a pandemia?
Sim, em novembro do ano passado, véspera de Natal, ninguém merece.

Como foi o luto dessas separação?
Vivi esse luto da maneira mais bizarra possível, porque a gente conversou, resolveu se separar, foi uma decisão dos dois e eu estava muito tranquila com isso, achando que ia ficar ótima e aí eu me interessei por um cara, com quem saí três ou quatro vezes. Quando não deu em nada, fiquei péssima. Chorava 24 horas por dia e aí meu psicanalista falou: “Você não está sofrendo por esse cara. Você, finalmente, está podendo sofrer o luto da separação”. Demorou para cair essa ficha…

Você pensa em escrever sobre essa fase?
Meu próximo livro será pela Editora Fósforo e eu tinha prometido algo que falasse um pouco sobre separação, sim. Mas está muito difícil porque ainda não vivi essa história completamente, acabei de me separar, ainda estou no começo do processo todo. Não tem uma história, tem um susto.

O que será que vende mais, falar sobre separação e solitude (para usar uma palavrinha do momento) ou falar sobre o vício que é se apaixonar?
Falar sobre coisas ruins, deprês, decepções vende mais, certeza. Lembro quando eu fazia um blog e contava ali minha vida inteira. Quando me apaixonava e as coisas iam bem, as pessoas me escreviam dizendo: “Nossa, você ficou chata, gostava mais de você antes”.

Pelo que você tem dado a entender nos podcasts já tem um novo amor. Confere?
Estou me apaixonando profundamente por uma pessoa, está sendo maravilhoso! Mas está muito no começo para falar no assunto.

Você gosta de sexo? Como foi a experiência de transar com alguém diferente depois de um longo período de casamento?
Muito, viu? Fui até correndo colocar um DIU, porque descobri que gosto muito e tinha esquecido disso. Falei: “Melhor colocar um DIU, porque vai que eu engravido”. E, na minha idade, engravidar é meio virar avó, né? Acho que eu sou super jovem, mas para medicina, na idade que eu estou, você já é considerada uma grávida geriátrica. Não tenho vontade de engravidar de novo, não.

“Rivotril foi a única droga que eu tomei na vida”

É verdade que você não bebe, Tati? Prefere a vida sóbria?
Nunca fiquei bêbada na vida. Tenho pavor de passar mal. Maconha, cheguei a experimentar uma época para a dor crônica que tenho nas costas. Durante um ano, usei o canabidiol e dava uma coisinha gostosa. De fato, melhorei das dores. Sou super a favor da cannabis, mas fumar maconha me dá muito mais síncopes de tosse do que me faz sentir algo bom. Acho que eu fumava errado, enfim, nunca fiquei chapada. Durante um tempo, quando eu tinha muita crise de pânico para pegar avião, eu tomava Rivotril, e essa foi a única droga que eu tomei na vida.

Tem medo de perder o autocontrole?
Tenho um negócio chamado “emetofobia”, que é pavor de vomitar. Vomitei cinco vezes na vida. Porque eu sou vasovagal, então, me dá ânsia e eu desmaio. Enjoo é um negócio que é a morte para mim, muito doído. O mesmo medo que tenho de uísque, tenho de fritura, porque me dá enjoo. Então, não é só o medo de perder controle, mas é o medo de passar mal, porque eu dou trabalho, desmaio, me dá crise de pânico.

Você estuda psicanálise há anos. Tem pretensão de clinicar?
Não, mas pretendo ter a formação. Já estudei uns cinco anos, mas de um jeito muito preguiçoso, mais para me ajudar nos textos que escrevo e nos roteiros. Mas gostaria, sim, de estudar para valer.

Gosta do ambiente acadêmico?
Gosto das coisas intelectuais, mas não gosto das coisas que são muito da bolha dos acadêmicos. Gosto da psicanálise, mas não gosto de textos psicanalíticos demais, que não têm alcance, que as pessoas não entendem. E, veja, sou assim em tudo. Por exemplo: gosto de hotel de rico, mas não gosto de gente rica. Amo aquela piscina com fundo infinito do Fasano, sabe? Acho uma delícia ficar ali, mas detesto aquele povo que circula por lá. Se pudesse, mantinha o ambiente e trocava as pessoas, entende?

Você mudou depois que começou a fazer psicanálise? 
Mudei… Mas preciso dizer: conheço algumas pessoas que precisavam fazer terapia, eram arrogantes, egoístas, individualistas. Eu esperava que, na terapia, elas fossem melhorar. Mas o que aconteceu foi que pegaram toda a “lama” delas e botaram uma luz de autoestima. A pessoa não muda, só começa a achar que é o máximo ser ela mesma. Às vezes, a psicanálise tem efeitos muito estranhos. Mas acho que a transformação parte de pessoa para pessoa.

Tati não só é um livro aberto em relação a sua vida, como também uma coluna, um podcast…

No seu caso, o que mudou em você em relação à autoestima? Nos seus textos, você parece oscilar entre ser implacável consigo mesma e muito bem resolvida.
Isso oscila muito mesmo. Escrevo em primeira pessoa, estou sempre falando de mim. Uma forma boa de encarar uma personagem de si mesma é contando sobre as quedas, os furos… Falar de mim para ficar contando vantagem é insuportável, mas às vezes cabe também uns momentos desses, até por ser feminista.

“Para mim, sagrado feminino é dinheiro no bolso para comprar lingerie cara”

Como aborda o feminismo nos seus textos?
Por ser uma pessoa crítica, meu tipo de crônica não é um texto muito lírico, é mais satírico. Então, por eu ter esse lugar, isso vai acontecer sempre. Por exemplo, tem o sagrado feminino, que algumas feministas falam, mas eu sempre estou tirando sarro. Para mim, sagrado feminino é dinheiro no bolso para comprar lingerie cara. Imagine que na minha rotina de mil coisas para fazer eu vou plantar minha menstruação? Aliás, eu detesto menstruar, acho importante poder falar isso. Então, algumas coisas bobas do feminismo vou tirar sarro, assim como tiro sarro de tudo, de mim mesma, do que penso, do que sinto. Mas, para além desse lado crítico e satírico, de cinco anos para cá, eu li mais sobre feminismo, fui entender melhor. O feminismo é transformador, um caminho sem volta. Todo mundo deveria ler sobre o assunto, especialmente, as obras das feministas pretas, para entender de tudo, não só sobre feminismo, mas sobre o racismo também. Hoje, no Brasil, não é possível ser uma escritora sem ler essas autoras.

Você costuma falar sobre questões sociais em suas crônicas, mas ultimamente assumiu um posicionamento político mais ativo nos podcasts.
Sim, por causa do Bolsonaro. Antes dele, não tinha vontade de fazer militância. Meu papel é o de uma cronista de jornal que aponta o furo de qualquer discurso. Então, óbvio que a direita tem um milhão de furos a mais do que a esquerda, mas em qualquer discurso pretensamente à esquerda terão seus furos também. Meu papel sempre foi o de apontá-los e tirar sarro deles. Só que com o Bolsonaro no poder, não dá vontade de apontar furos da esquerda, dá vontade de abraçar todo mundo e ir para a rua.

 “Sempre serei esquerda caviar, porque gosto muito de dinheiro, de luxo”

Você já foi taxada de ser da esquerda caviar. É esquerda festiva com orgulho?
Acho que sempre serei esquerda caviar, até porque gosto muito de dinheiro, de luxo. Nunca vou ser o Boulos, um cara que realmente admiro. Ele não é um cara que luta pela periferia fumando um cigarro num triplex em Higienópolis. É um cara que está ali, que é aquilo. Tenho um amigo que nasceu rico e gosta de brincar de pobre e eu acho superinteressante. No meu caso, nasci pobre e gosto muito de brincar de rica. No meu primeiro estágio, lembro que os playboys que trabalhavam lá falavam: “Cara, descobri uma coxinha que fica num boteco no Brás, na Mooca”. Olhava aquilo e pensava: “Esse lugar exótico para onde você quer levar os seus amigos ricos fica na rua de trás de onde eu morava”. Então, foda-se, quero ir comer num restaurante chique de Pinheiros, morei nesse lugar por 20 anos. Não gosto de brincar de pobre. Quero todo mundo rico.

Falando nisso, você já está rica, Tati?
Olha, rica assim de não precisar trabalhar, não. Acho que rico é herdeiro, né? É aquela pessoa que tem um dinheiro no banco que trabalha para ela. Não tenho esse dinheiro todo. Mas, ralando todo dia como ralo, ganho um bom salário.

Como foi o processo para alcançar o sucesso profissional? 
Na minha vida profissional, passei por um período que para poder ter o que os homens tinham, copiava o comportamento deles. É isso que eu estou tentando mudar na minha vida hoje, poder mandar numa reunião, fazer as pessoas ficarem quietas e me ouvirem sem precisar fazer uma piada que um homem faria, poder chegar sendo eu mesma. É muito louco isso, você vê como é o machismo estrutural? Fazia piadas machistas para poder ganhar o que eles ganham e mandar como eles mandam. E isso mudou, eu vivia falando: “Nossa, esse estagiário que entrou é um gostosinho”, coisa que um homem falaria de uma mulher, sabe? Me caiu muito essa ficha, de que não preciso ser o tiozinho da década de 80 para ser respeitada.

Ansiolíticos e antidepressivos eram pautas de seus livros e textos. Como é sua relação hoje com essas medicações?
Hoje em dia, não tomo mais nada! Tive uma fase “panicada”, que de fato tomava Rivotril, mas tomava para pegar avião, não era para dormir. No livro Depois a Louca sou eu, no qual falo sobre esse assunto, é de autoficção, ele parte de uma base verdadeira, mas tem muito exagero ali.

Tem se falado muito sobre a escrita terapêutica. Isso tem a ver com o seu trabalho, sua escrita é terapêutica?
Acho que escrevo para organizar o fluxo da minha cabeça e também para organizar as coisas que estou vendo, para organizar o mundo para mim e me organizar paro o mundo. Comecei a escrever por isso. O livro sobre crise de ansiedade eu sabia que ia conversar com muita gente, porque na época estava todo mundo passando por isso. A crise de pânico que está na moda, hoje em dia é o burnout, mas há dez anos, quando tive a ideia do livro, era crise de pânico. O que é sempre a mesma coisa: a gente angustiada e exagerando nas coisas do dia a dia.

A filha Rita, de 3 anos, ajuda Tati a não exagerar no tempo de trabalho. (Tati veste Iara Wisnik)

É muito pilhada?
Muito! E depois que eu tive filho é complicado ser tão pilhada. Acabo me frustrando, porque não dá tempo de fazer tudo. Se fico muito tempo trancada aqui no meu escritório, a Rita vem, bate na porta, me lembra que estou exagerando no trabalho, já que o meu superego não me lembra. Também passo bastante tempo com ela: levo e busco na escola, almoço e janto todo o dia, trabalho em casa. Fico mais com ela do que as mães das amiguinhas da escola que trabalham fora. Mesmo assim, sempre acho que fechei no negativo, fiquei menos com ela do que deveria, e trabalhei menos do que deveria…

Saúde mental no trabalho também é uma questão do momento. Você está conseguindo se resguardar ultimamente?
Estou fazendo um exercício agora que é não esperar meu corpo me avisar que eu exagerei. Não esperar ter uma enxaqueca, uma dor nas costas horrível, uma amidalite, porque todo mês, ou eu tenho uma enxaqueca pesada, ou amidalite, ou uma crise de pânico, ou minhas costas travam. Essas quatro coisas vêm me avisar que naquela semana eu trabalhei mais do que devia, dormi menos do que devia, fritei mais a cabeça do que devia. Então, acho que o exercício é parar antes do meu corpo ter que me avisar. Ainda não consegui totalmente.

Um segredo de bem-estar?
Olha, uma coisa revolucionária na minha vida é o sugador de clitóris. Tinha uma teoria de que não fazia sentido aqueles vibradores em formato de pau, sabe? Aquilo era uma ode ao homem e não um serviço para mulher. Até porque o orgasmo não vem só com a penetração. E aí inventaram um negócio chamado sugador de clitóris, que simula uma chupada. Quem mandou eu comprar foi meu psiquiatra. Um dia eu liguei para ele falando: “Olha, precisa mudar, o efeito (do remédio) está tirando a minha libido”. E ele falou: “Você toma exatamente o mesmo remédio da minha mulher e o sugador de clitóris faz ela ter 14 orgasmos por semana, então não me venha pedir para mudar seu remédio! Compra um sugador de clitóris”. E foi revolucionário na minha vida. Então minha dica para as mulheres é: compre um sugador de clitóris.

Agradecimento: Iara Wisnik

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