Como é ficar com um crush da adolescência - Mina
 
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O que acontece quando você transa com a pessoa com quem sonhou por 15 anos?

Sair com o (eterno) crush da adolescência é começar uma história ou fechar um ciclo? Carol Tilkian conta essa história que tem um prólogo imenso e apenas uma página

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Ele sempre foi meu príncipe hipster: ruivo, magrelo, barba por fazer. Daqueles que guardam um mistério no olhar. Nada nele era óbvio. Os meninos no futebol, ele no skate; os meninos nos porres, ele no surf de madrugada; os meninos nas festas, ele nos festivais de cinema. Ele fazia cinema e eu era atriz. Uma atriz adolescente querendo ser convidada para uma madrugada rumo à praia, onde a gente conversaria sobre Almodóvar, Buñuel e Fellini. Queria viver minha Dolce Vita com ele, ser sua musa. Queria que a gente fosse um casal artista-alternativo bem sucedido, desses que tem filme premiado em Sundance e vai no churrasco vegano na casa da Sophia Coppola e do Thomas Mars. Sim, sempre fui dessas que projeta longe.

Foram uns dez anos criando roteiros incríveis de filme francês para esse possível amor

Eu era atriz, mas era também publicitária, o que já me colocava como “meio vendida” apesar de ser “meio intelectual-meio de esquerda” (como diz o texto do Antonio Prata). Sempre me senti nesse “meio do caminho” tentando chegar lá pra ser notada por esse cara por quem eu era apaixonada desde as festas do grêmio. E o duro é que como ele não era um jovem adulto óbvio como eu e a maioria dos nossos amigos, ele não ia nas festas de faculdade, nas 5as feiras no Mercearia… ou seja, só me restava aguardar ansiosamente por novembro e as filas da pipoca do festival de cinema em São Paulo ou por encontros “acidentais” na areia da praia. Ele saindo do mar e eu correndo ao som de Nina Simone – que eu já projetava que seria nossa trilha sonora do sexo nas manhãs melancólicas de uma terça-feira produtiva para aqueles que não eram artistas apaixonados como nós.

Foram uns dez anos criando roteiros incríveis de filme francês para esse possível amor. Caçava ele em segredo por São Paulo, achando que a gente ia se esbarrar num sebo no Bixiga (que eu vi ele postar uma vez em 2012) ou num mini restaurante vietnamita no Bom Retiro (que uns amigos do cinema alternativo me disseram que era o lugar do momento). E me preparava pra esses possíveis encontros mais do que me preparo pra entrevistar neurocientistas gringos pras minhas pautas. Queria ser a mulher marcante, enigmática, culta… cheia de repertório e referências.

E numa dessas premiações de cinema alternativo a gente se cruzou. Meu coração disparou e a adolescente em mim veio à tona.  Eu era o puro atrapalhamento. A própria little miss sunshine desengonçada no collant, querendo impressionar, falando sem parar sobre as pautas cults que eu tinha pesquisado… Ele sorria educado e, antes que eu pudesse terminar minha tese sobre o paralelo entre Roland Barthes e Bacurau, surge uma diva, catalã, tatuada, monossilábica e exalando sexy appeal… Era a namorada dele. Sua Brigitte Bardot.

Nos dias que se seguiram me resignei à minha obviedade e mergulhei no mais pop da cultura pop dos solteiros millenials: o Tinder. E eis que em uma terça-feira melancólica lavando a louça ao som de Nina Simone, meu Tinder apita com um super like: era ele! Meu príncipe hipster. Ele disse que tinha me visto andando com um mat de yoga por Pinheiros e perguntou se meu estúdio era legal. Ele estava querendo voltar a praticar. 

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A gente se encontrou na porta do hot yoga. Saímos os dois suados e ele me convidou pra um suco verde num vegano ali perto. Sentamos e antes que o garçom pudesse perguntar se a gente queria agave no suco, a gente se beijou. Um beijo que esperei 15 anos pra dar. E que naqueles primeiros momentos, talvez fosse mesmo o beijo da Carol de 15 anos e aparelho nos dentes, querendo ser notada pelo jovem cineasta. Até que no meio do beijo alguma coisa mudou… sei lá se foram nossos chackras alinhados ou a lua em Vênus, mas todo o furor adolescente foi virando um tesão calmo, que virou um olho no olho, um silêncio e um carinho tântrico. Eu, que tinha tanta pauta para impressionar, fiquei só sentindo. Encontrando um milhão de conexões entre cada uma das sardas dele enquanto a ponta de seus dedos faziam carinho no meu braço ainda suado. 

Nem sei quanto tempo passou e ele começou a contar que estava voltando pro yoga para tentar reencontrar o centro dele, que tinha rolado uma briga gigante com a irmã, que a mãe dele tava com princípio de Alzheimer e que era difícil ver a memória indo embora e o amor ficando, tendo que se reencontrar. Aquele cara, que por anos foi o misterioso monossilábico, estava exalando a emoção pelos poros. Poucas coisas me excitam tanto quanto a vulnerabilidade compartilhada. E ouvir ele desfazendo a fantasia da vida de cineasta galã e se permitindo voltar a ser o menino confuso que estava com medo de ser esquecido pela mãe na porta da escola (ou da vida) fez com que eu me encontrasse com ele num outro lugar. Num lugar de mulher que nunca tinha me dado conta que já era. Muito provavelmente não uma Brigitte Bardot, mas uma misfit adoravelmente sedutora em todo seu caos e inadequação.

Fantasiei anos cada capítulo dessa história que eu queria que fosse um Grey’s Anatomy de 20 temporadas e, de repente, sentindo o gosto do gengibre na boca e minha nuca arrepiada com os lábios dele que passeavam suaves por ali, decidi que queria viver tudo aquilo num dia só. Eu, sempre tão preparada e comedida, me deixei improvisar e transbordar. Transformando a projeção num encontro deliciosamente possível. Chamei ele pra um café com cardamomo no meu ap.

Apertei o botão do elevador e ele beijou mais uma vez minha nuca enquanto sua mão passeava leve pela minha cintura. A gente entrou naquele quadrado e se encolheu num canto como dois gatos se acariciando. O elevador subindo e eu sentindo o tempo em suspensão. A boca dele na minha. Molhada. Eu matando a sede de anos não como alguém que sai do deserto, mas como quem se delicia e degusta a vida, o outro, o nós.

Não chegamos até o quarto. Acendi a chama pro café e, devagarzinho, desabotoei o shorts dele. Eu, que por anos esperei ele me querer, ele me escolher, ele me levar pra passear, estava conduzindo essa dança e me permitindo brincar ao invés de impressionar. Peguei o celular pra colocar Nina Simone mas mudei de ideia. Dei um beijo demorado nele e, sentindo meu peito junto ao dele, coloquei a playlist de Dirty Dancing e sorri. “Minha irmã me fazia dançar essa música com ela no natal” ele disse rindo. “Quer me ensinar?” perguntei enquanto tirava minha regata e rebolava debochando do meu próprio desejo.

Ele pegou minha cintura , me trouxe pra perto dele e, olhando nos meus olhos, começou a passear por mim. Sem pressa. Sem muitas palavras. 

O chão frio na minha sala contrastava com sua pele quente e nós dois, serpentes, tiramos a pele de tantos eus que quisermos ser para nos sentirmos um dentro do outro totalmente despidos, totalmente entregues. Gozei rindo como uma adolescente. Depois rindo como uma mulher bruxa. 

Vi o sol se pôr da janela da sala e a gente ali, se acariciando, e se descobrindo. Entre um sexo e outro, um gole de café e uma história de fracasso de uma das nossas fantasias. Nunca foi tão bom não ser suficiente. Nos nossos vazios criamos uma conexão potente. Não de quem supre os buracos do outro, mas de quem sustenta a falta, o abismo e se permite ter prazer desse desconhecido.

“Nunca me senti tão mulher transando com o cara que desejei transar quando menina”

A Carolina adolescente provavelmente ficaria com medo daquela Cinderella virar abóbora com o anoitecer. Tentaria trazer uma referência de filme Iraniano que está pra lançar no CineSala pra gente assistir depois… Mas surpreendentemente me mantive ali. Sentindo o silêncio e a presença. Aquilo ali já ia ficar pra sempre mesmo que fosse só aquele dia. Nunca me senti tão mulher transando com o cara que desejei transar quando menina.

E que delícia poder entender que o silêncio – se vier – não torna ele Lobo Mau nem eu Chapeuzinho. Existem muitos roteiros a serem escritos. Talvez a gente se encaixe depois de alguma outra yoga por aí… mas pela primeira vez senti o prazer de ter prazer só por aqueles momentos. Sem segurar ou esticar, acho que cresci.

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