5 vezes que o patriarcado atrapalhou o nosso bem-estar - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

5 vezes que o patriarcado atrapalhou o nosso bem-estar

Nossa relação pouco íntima com a menstruação, a vulva e o clitóris é reflexo de uma sociedade que nos afasta do nosso próprio corpo, como Luisa Micheletti mostra na peça "A origem do mundo"

Por:
5 minutos |

Vulva. Quantas vezes você usou essa palavra no seu vocabulário corriqueiro? Sabe a que parte do corpo ela se refere? Qual é o tamanho do clitóris? É clitóris ou clítoris? Como a ciência tratou e retratou o corpo da mulher ao longo dos séculos? 

A atriz e dramaturga Luisa Micheletti percebeu que desconhecia a resposta para várias dessas perguntas quando, em 2020, atraída pela capa, leu a história em quadrinhos A origem do mundo (Cia das Letras), da escritora sueca Liv Strömquist – e ficou chocada com o possível tamanho da nossa ignorância sobre o próprio corpo. 

+ Leia também: Ser mãe é uma possibilidade transformadora, mas não é a única 
+ Leia também: Pelo direito das mulheres descerem do salto e usarem tênis

A HQ tem um humor ótimo e narra fatos históricos sobre como a medicina, a psicanálise, a filosofia e a ciência inviabilizaram o corpo e a representação do corpo da mulher ao longo dos séculos, sobretudo a vulva. E, dessa forma, nos privaram de conhecimentos importantes. “É por isso que me tocou tanto. O feminino é o meu assunto para a arte e eu não sabia que o meu clitóris tem dez centímetros. Pelo amor de Deus, onde estamos?”

Obcecada pelo que tinha lido, Luisa se juntou à atriz e roteirista Julia Tavares para transformar a HQ em peça de teatro (que está em cartaz no Sesc Ipiranga, com direção de Maria Helena Chira). O desafio era contar uma história muito narrativa, cheia de dados e informação, sem deixar a apresentação enfadonha. 

“É como se o prazer da mulher não fosse necessário, nem importante”

A solução foi uma montagem intimista, em que duas atrizes contam essas histórias para o público, brincando com as linguagens e gêneros da dramaturgia, entrando e saindo de personagens diferentes em diversas cenas e provocando gargalhadas deliciosas (em mim e em grande parte dos meus 31 companheiros de platéia). 

A partir do mergulho que a atriz fez na história, pedi à Luisa que enumerasse cinco vezes em que o patriarcado atrapalhou o nosso bem-estar: 

1. O clitóris 

“O prazer feminino é o maior bem-estar que a gente pode ter fisicamente. Essa desinformação histórica em relação ao órgão é um grande desserviço, porque a única função do clitóris é nos dar prazer. Ele não é apenas aquele pontinho, ele tem até 10 centímetros. E talvez, por isso, tenha sido tão negligenciado. É como se o prazer da mulher não fosse necessário, nem importante. Então, para mim, o primeiro ponto é esse: o patriarcado nos tirou a consciência de que o clitóris existe única e exclusivamente para que a gente tenha prazer. E passamos o século XX inteiro (sim!) sem olhar para o clitóris na anatomia humana. Seu tamanho só foi descoberto em 1998”.

+ Leia também: Mulheres 50+ e vibradores: o match perfeito
+ Leia também: A importância do tesão

2. Orgasmo clitoriano x orgasmo vaginal

“Está claro que Freud é maravilhoso e tem imensas contribuições para a humanidade. Mas essa fase em que ele resolveu falar sobre o orgasmo feminino como se mulheres imaturas tivessem orgasmos clitorianos e as maduras vaginais confundiu todo mundo. Isso está a serviço de uma dependência do falo, sabe? Como se uma mulher só fosse validada se ela tem um pênis ali para complementá-la na sua maturidade. Essa ideia foi derrubada a partir do momento em que o clitóris foi entendido como um órgão maior, que é capaz de te dar prazer de várias formas.”

3. Jean Paul Sartre e o buraco

“No livro O Ser e o Nada, Sartre diz assim sobre a genitália feminina: antes de tudo, o sexo é um buraco. Ele fala que a mulher tem crise de autoestima porque precisa de uma carne que a penetre para só assim ser um ser integral. Quer dizer, quando chama a nossa genitália de buraco, ele nos faz acreditar que esse buraco precisa ser completado. Se você levar isso às máximas consequências emocionais e sociais, é a mulher sempre precisando de um cara. É uma ideia muito limitada do que a gente pode ser. E digo limitada para não dizer agressiva.”

 A ignorância sobre a vulva fez com que a gente a achasse a meio feia

4. Vulva x vagina

“Quando li o livro, não sabia a diferença. Hoje já está mais difundido, mas essa ignorância sobre a parte externa do órgão feminino fez com que a gente achasse a nossa vulva meio feia, né? Muitas mulheres têm crise, o Brasil é campeão em cirurgia plástica de vulva para mudar a estética, porque a gente não se aceita. Isso também se deve à falta de representação dela. Por exemplo, a Nasa mandou para o espaço o desenho de uma mulher nua e ela não tem o risco no meio da vulva: assim como bonecas, assim como vários desenhos, têm só um triângulo. O risquinho é o sinal de que existem coisas fora, os lábios”. 

5. Menstruação

“A menstruação ser tratada como tabu é puramente patriarcal. Em sociedades mais antigas, em que a mulher tinha um status mais elevado de poder e de influência, ela era mais normalizada. A minha geração, pelo menos, cresceu com muita vergonha, com muita necessidade de esconder o absorvente, de não poder falar sobre isso. As meninas mais novas já estão tirando de letra isso, muito melhor. Mas, de alguma maneira, a gente carrega essa vergonha, um medo de vazar, de alguém ver uma mancha vermelha. Isso para mim, quando garota, era o pior pesadelo.”

Mais lidas

Veja também