A psicanálise é a liberdade de não ser quem você é - Mina
 
Colunistas

A psicanálise é a liberdade de não ser quem você é

Sessão por sessão, nos debruçamos sobre a nossa própria vida. Narramos para o analista detalhes que nem mesmo a gente se lembrava e a cada revelação a cura pela fala acontece.

Por:
6 minutos |

Comecei a fazer psicanálise aos sete anos de idade. Cedo, minha mãe teve essa sacada. De lá para cá, fiz longos períodos, de 8 anos em média com cada analista, e fiquei outros (curtos períodos) sem fazer. Hoje, tenho 45 anos, isso quer dizer que vivo em análise, de forma ativa ou embutida (por um certo vício de olhar analítico) há 38 anos. E das poucas certezas que sobraram, a maior é que jamais abrirei mão da eficiente ferramenta que é a psicanálise. 

Análise, para mim, não serve para resolver problemas ou traumas, quem está aqui para falar de seus traumas já pode dizer que é mais forte graças a eles. O que não mata, fortalece (e se não fortaleceu, é porque o trauma foi desperdiçado). E a psicanálise não tapa buraco, não muda os outros e não resolve exatamente nada. É um tratamento de questões simbólicas, sem cura e sem alta. E também não é barato… Mas então, para que diabos deitar nesse divã? 

A psicanálise é a maior (e talvez única) chance de liberdade

Quando crescemos, aprendemos conceitos, valores e caminhos que não necessariamente são os nossos ou, ainda, são os que queremos para nós. Desde definições simples como: isso é azul. Até conceitos muito complexos como: isso é o amor, isso é o certo, isso é uma relação… (E nesse processo muitos conceitos tortos são passados adiante, relações abusivas, preconceitos estruturais, sonhos que não são os nossos.) 

Desde o nascimento, adquirimos diversas maneiras de nomear e de se apropriar do mundo, do que acontece e do que estamos sentindo. Nossa mãe, pai, avós, amigos, amores, professores… todas pessoas e, portanto, (ainda bem) imperfeitas, passam adiante seus conceitos (também machucados, também traumatizados). Sem outra fonte mais idônea ou confiável, nos apropriamos da oferta que está na mesa. E seguimos adiante chamando isso ou aquilo de amor, estabelecendo como meta de vida um emprego, um casamento, filhos… E é aí que entra a psicanálise. 

+ Leia mais: Quer resolver um problema? Pense como um personagem
+ Leia mais: As lições que nunca quero aprender 

E veja que curioso o processo de análise. Quando falamos, por exemplo, para ser bem clichê, sobre a nossa mãe, o analista não busca conhecer nossa mãe e averiguar se o que estamos narrando aconteceu daquela forma. E por quê? Porque a realidade objetiva (se é que ela existe) não importa. O que importa é o que vivemos e como nós absorvemos aquelas experiências e aqueles “conceitos”. 

O que importa é a realidade subjetiva. Como essa absorção nos modifica ou pode modificar? Ou, mais ainda, como nós queremos que isso aconteça? Uma mesma experiência pode nos modificar de diversas formas. Mesmo que não sejamos capazes de intervir nessa codificação da experiência na hora que ela acontece, a psicanálise nos dá a possibilidade de relacionar aqueles momentos, de reviver, repensar e, finalmente, ressignificar de forma mais consciente a forma como a vida vai nos fazer ser de um jeito ou outro. 

Sessão por sessão, nessa cura pela fala, ao nos ouvirmos falar da nossa própria vida, acontece uma certa mágica de revelação. E a química que catalisa essa revelação é a ação, muitas vezes pontual, do analista. Certamente não vamos mudar o passado, mas não precisamos importar um conceito que nos foi gravado na pele sobre o que é o amor. É possível escolher um outro amor, em outro formato, seja qual for… contanto que seja aquele que te faz mais realizado naquele momento. Família, objetivos de vida, relação com a morte, nada disso precisa ser pré-cozido para o nosso consumo imediato. 

O que é família para você? Ou ainda, qual a constituição de família que melhor vai te acompanhar na jornada entre tudo isso que você é agora e quem você prefere ser amanhã. E o amor? Qual preço existencial você está pagando para se enquadrar no formato de amor previamente definido pela sociedade? (Sobretudo se você for mulher?). Se não existe ao seu redor um formato de amor que te complete, não tem problema. Você pode inventar o seu próprio formato… casas separadas, quartos separados, vizinhos, cidades próximas, países distantes, aberto ou fechado ou depende, mais novo ou mais velho, de noite ou de dia? Ou quem sabe tudo isso, em momentos variados? Com tanto que seja de maneira consentida, tudo é possível. Quanto mais você se conhecer a ponto de se aceitar no que for preciso e se transformar no que tiver vontade… Mais encontrará formatos de vida que se encaixam na sua.


+ Leia também: Terapia não é tudo igual. Saiba qual tipo mais adequado pra você 
+ Leia também: Serviços terapêuticos de baixo custo? Existem!

Agora, aos 45 anos, com muitos anticorpos desenvolvidos pela alta exposição ao processo analítico, me encontro mergulhada em plena crise. Será que a vida é sobre conquistas? Essa lista de metas está mesmo em ordem progressiva? E o tempo fora das conquistas? Onde ele foi parar? O tempo passa tão rápido que é impossível não se questionar sobre o discurso do desempenho. Para onde está nos levando tanto desempenho? É claro que tem a vida e a vida tem contas a pagar, muitas contas. Mas nem todas as contas são pagas em dinheiro… Nem todas as frentes são pagas em boletos, mas todas são pagas com o nosso tempo. Não é uma questão de em que gastar o nosso tempo, mas de como investi-lo. Quanto tempo tentando ganhar dinheiro e construir alguma estabilidade? Quanto tempo com o pé na terra? Quanto tempo para saber o que fazer com o meu tempo? Tempo para ler mais. Ter tempo. A ponto de ter tempo para ver o tempo passar. E, assim, quem sabe, eu possa apenas ser, sem desempenho.  

Sexta feira começo com meu novo analista. 

Mais lidas

Veja também