Vamos logo pro papo reto? É preciso trazer os homens para a conversa sobre questões de gênero se quisermos avançar no que nos diz respeito. Sim, mesmo você aí que está exausta dos esquerdomachos, dos desavisados e já se intitula uma heteropessimista, vai o alerta: se não tivermos os homens como aliados, não vamos progredir no empoderamento e na inclusão feminina.
“O efeito positivo desse esforço conjunto é aumentar o rendimento da família, melhorar o desenvolvimento social das comunidades, melhorar a saúde e o bem-estar”, avisa a diretora do UNICEF, Urmila Sakar, em uma conversa em Nova York, durante o CSW, Commission on the Status of Women.
Aliás, a ‘força dos aliados’ foi um conceito repetido em diversas falas ao longo dessa 68ª edição da Comissão sobre a Situação da Mulher, um dos mais importantes fóruns globais sobre direito das mulheres, realizado em março na sede da ONU.
Quem manda aqui?
Quando falamos de opressões ou quando falamos em avançar nas questões sociais é fundamental incluirmos as forças de quem as tem também num mundo estruturado capitalista, machista, heterossexual e branco. Do contrário, a gente vai continuar remando contra a maré.
Se a gente busca espaços em conjunto, a tendência de permanecermos nele é muito maior
“Os homens precisam entender que diversidade não é ser bacana, mas é o necessário a fazer. Diversidade tem que entrar dentro da estratégia de qualquer empresa”, reforça Ana Fontes, vice-presidente do Conselho de Administração do Pacto Global. “Se a gente busca esses espaços em conjunto, esse espaço é ocupado e a tendência de que a gente permaneça neles é muito maior”, complementa Tarciana Medeiros, presidenta do Banco do Brasil.
E é ‘presidenta’ mesmo. E não por acaso: em mais de dois séculos de existência do banco, ela é a primeira mulher a ocupar o cargo e ainda está entre uma minoria de mulheres no alto escalão no setor bancário e financeiro.
Aliados, não protagonistas
Os meninos de hoje serão os nossos homens do futuro num amanhã não muito distante. Então, incluir os garotos nessa discussão também e prepará-los para que sejam aliados mais ativos nessa corrida pela equidade de gênero. “Se não formos capazes de sonhar visões transformadoras de futuro para os meninos, estaremos lidando com os mesmos problemas de equidade de gênero daqui a 20 ou 30 anos”, afirma Guilherme Nascimento Valadares, fundador e diretor de pesquisa do Instituto PDH/PapodeHomem
Guilherme também acredita em transformar o ativismo passivo num aliado ativo. Mas avisa: “se tornar um aliado ativo não é achar que é o protagonista, o salvador da pátria. É começar escutando, prestando atenção, tomando consciência sobre si”. Para ele, cultivar homens mais responsáveis, emocionalmente equilibrados e com a coragem necessária, também vai ajudar a construir um mundo livre de assédio, opressão e todas as formas de preconceito.
Antes de tudo, o Brasil precisa discutir o problema de forma aberta e pragmática
Basicamente o papo é esse mesmo: precisamos reconhecer que puxar os homens pra conversa é um passo importante para desestruturar um pouco o ambiente no qual o mundo capitalista foi criado – e que ainda impera no mundo dos negócios, onde tanto queremos assumir as cadeiras da liderança.
Porém, para que isso aconteça, ainda existem alguns muros que temos que derrubar. “É impossível negar a resistência à presença de mulheres em cargos de liderança”, diz Gilberto Costa, Diretor Executivo do Pacto de Promoção da Equidade Racial. “Apesar de várias empresas brasileiras terem feito ações voltadas para o combate à discriminação de gênero, ainda existem muitas que não estão ajudando em nada. Aliás, no Brasil, antes de tudo seria preciso discutir esse problema de forma mais aberta e pragmática.”
Ninguém solta a mão de ninguém: uma sobe e puxa a outra
Para além da quebra dos muros da masculinidade tóxica e de incluir os homens como aliados nessa maratona em busca da igualdade de gênero, de nada adianta se não tivermos também sororidade. Isso mesmo, se ninguém soltar a mão da coleguinha. E, se possível, que quem subir siga puxando as demais. Isso é sororidade. Algo que a sociedade patriarcal tentou tirar de nós mas, que ainda em tempo, temos recuperado numa velocidade importante.
“Levava colegas mulheres pra qualquer reunião, só pra fazer número mesmo”
“Sim, é preciso apoiar, mas a gente também precisa de apoio”, diz Tarciana Medeiros. “Uma das estratégias que adotei era levar colegas mulheres para qualquer reunião, mesmo que elas não tivessem nada a ver com a pauta. Isso porque a maioria das reuniões era sempre dominada por homens. Era pra gente povoar o ambiente mesmo.”
Hora de falar de interseccionalidade
Rachel Maia, Presidente do Conselho de Administração do Pacto Global da ONU, faz coro: “Não basta ser uma apoiadora de mulheres, tem que trazer as mulheres pra roda. Aliás, eu falo muito dos pretos, mas eu quero também aliados brancos, porque hoje eles fazem a maioria das cadeiras de executivos”.
Aliados, no caso, são homens e mulheres, já que Rachel defende que as profissionais brancas também abram espaços e oportunidade para as profissionais pretas. “Quando essas oportunidades nos são oferecidas, aí nós mostramos a que viemos”, complementa. Ela, aliás, foi a primeira mulher negra a ocupar um cargo de CEO no Brasil, num seleto e quase invisível grupo de 3% de mulheres negras em cargos de liderança, de acordo com uma pesquisa da Gestão Kairós.
E aqui, outra pausa importante: é preciso incluir interseccionalidade no discurso em prol da igualdade e equidade de gênero. E sabe por que? 61% dos cargos C-Level são ocupados por homens brancos; 21% por mulheres brancas e, no último degrau, com apenas 5% dos cargos executivos C-Level, estariam as mulheres negras. Os dados são do relatório Women in the Workplace, da consultoria McKinsey.
Um mundo melhor para as mulheres e meninas é um mundo melhor para todo mundo
Para falarmos de avanços da sociedade, de nada adianta mulheres lutarem e gritarem sozinhas. A força será sempre maior se colocarmos mais gente nessa luta. Pessoas, homens e mulheres, que nos ajudem a pensar nos desafios, e mais do que isso, se comprometam em implementar as soluções. Afinal, isso não é uma disputa: um mundo melhor para as mulheres e meninas é um mundo melhor para todo mundo.
Avançar na igualdade de gênero ainda pode até ser um desafio mas, há muito tempo, deixou de ser uma utopia. E foguete não dá ré! Avante, girls!