Burnout racial: como o racismo leva trabalhadores ao esgotamento - Mina
 
Seu Trabalho / Reportagem

Precisamos falar sobre burnout racial

O racismo não pode ficar de fora da discussão sobre os problemas que levam os trabalhadores ao esgotamento, destaca a psicóloga Shenia Karlsson. A seguir, ela fala o que deve ser feito para mudar essa realidade

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O burnout está na boca do povo. Infelizmente, pelo número alto de pessoas impactadas: 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a Síndrome de Burnout do Esgotamento Profissional, segundo pesquisa de 2021 da International Stress Management Association (Isma). Ainda assim, pouco se fala do burnout racial – um recorte necessário para pensar os impactos do ambiente de trabalho na saúde da população preta. 

Para efeito de comparação: nos Estados Unidos, 30% dos médicos, estudantes e professores de Medicina pretos sofrem de burnout, enquanto a taxa entre os brancos é de 18%, como mostra uma revisão científica de mais de 160 estudos sobre burnout feita pela Universidade Harvard em 2022.  Conversamos com a psicóloga Shenia Karlsson, especialista em diversidade, para entender melhor o assunto.

O que é burnout racial?
Burnout racial é uma condição muito semelhante ao burnout, mas tem como base a questão racial. Não é o trabalho que adoece a pessoa, mas a experiência do racismo no ambiente de trabalho. Os sintomas são os mesmos, mas a causa não é o trabalho. 

“Os ambientes de trabalho não estão preparados para receber a diversidade que prometem”

Por que é importante diferenciar o racial do burnout geral?
Falar de burnout racial é uma forma de denunciar o quanto as pessoas negras adoecem no trabalho e como as empresas se articulam para não resolver a questão racial, de forma que o problema não é enfrentado e, sim, amenizado.  Os ambientes de trabalho não estão preparados para receber a diversidade que prometem, porque têm questões basilares que dão trabalho de resolver, os programas de diversidade e inclusão são falhos, recebem pouco recurso, não é visto como uma prioridade e a estrutura não muda.

Qual é a relação entre burnout racial e racismo institucional?
O racismo institucional é um conjunto de práticas que têm como base o racismo para estabelecer posições e hierarquias em qualquer lugar. O burnout racial é uma das consequências do racismo institucional. Como exemplo concreto, podemos falar de uma equipe de maioria branca em que exista uma ou duas pessoas negras nessa equipe que estão qualificadas tanto quanto as pessoas brancas. Mas, na hora de uma promoção, elas não são consideradas. Isso é uma queixa muito frequente. Então, o racismo institucional é a causa e o burnout racial é o efeito. 

O que é preciso ser feito para reduzir o burnout racial?
Muitas coisas devem ser feitas. Primeiro que os programas de diversidade e inclusão, na grande maioria, contemplam gênero e não raça. Geralmente, vemos lideranças de mulheres brancas. Não adianta construir esses programas se não houver diversidade em suas equipes. Ao fazer esses programas, as empresas precisam estar alinhadas com a área de recursos humanos e, quando acontecem casos de racismo, precisam ser resolvidos. Elas estão mais preocupadas em se dizerem antirracistas do que realmente em trazer soluções efetivas – e principalmente criar ambientes seguros para pessoas pretas. O que acontece com frequência, é elas entrarem em negação porque não é trabalhado coisas basilares, como contratos inconscientes do coletivo. 

O que cada pessoa pode fazer para se cuidar?
Ele precisa se preservar. O que tento trabalhar sempre é a relação que essa pessoa têm com o trabalho. Pessoas negras não podem ter a mesma relação que as pessoas brancas têm, porque a experiência do trabalho para elas é diferente. Essa relação não pode ser totalmente afetiva, justamente porque ela vai ser desamparada. A base do burnout racial é o desamparo, porque, quando ela passa por situação de racismo, não tem suporte. Não tem apoio do chefe, dos colegas, se vê sozinha. Então, no processo psicoterapêutico, mudar essa relação é um resguardo para que ela não crie expectativas que não serão entregues. Ao invés de se criar uma relação afetiva com trabalho, a pessoa preta precisa criar uma relação pragmática. 

“Temos que sair do discurso e ir para prática”

Como os colegas que estão em volta podem auxiliar a pessoa que está nesse burnout?
É nesse momento que entra a real prova do antirracismo. A gente sabe que individualmente é muito difícil o enfrentamento, mas é fato que a transformação só pode acontecer no coletivo. Negligência é violência. Se você testemunhar algo que não condiz com seu conjunto de ética e se isentar, isso também é violência. Primeiro que a empresa precisa ter um canal que receba essas questões e elas devem de fato serem encaminhadas para que as pessoas se sintam seguras e respaldadas para fazer as denúncias. Nossos pares têm que se comprometer tanto quanto quem recebe a violência, porque isso condiz com o espaço. Inclusive, a denúncia é um espaço de reflexão para a empresa, para que ela possa repensar as suas práticas. A responsabilidade de erradicar o racismo não é só de pessoas pretas, ela é coletiva – e principalmente de pessoas brancas. Não adianta chegar em novembro, nos chamar para fazer palestra, se a atitude diária não é condizente. Temos que sair do discurso e ir para prática. 

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