Samara Felippo: "Imagina quando todas as mulheres acordarem se amando?" - Mina
 
Seu Corpo / Arquivo Pessoal

Samara Felippo: “Imagina quando todas as mulheres acordarem se amando?”

Gostar de si é um ato político, para quem trabalha na televisão é também uma corrida com barreiras. Ancorada em seis fotos de diferentes períodos, a atriz conta sua trajetória que começa nas dietas, passa pelas cirurgias plásticas e segue rumo à libertação

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Atriz, produtora cultural e mãe, Samara Felippo, de 43 anos, é o que a gente pode chamar de uma mulher bem sucedida. Mas isso não impediu que ela sofresse as pressões estéticas a que são expostas todas as brasileiras. Hoje, mais madura e em um processo contínuo de aceitação, ela gosta do título de “mulher real” e usa seus aprendizados para encorajar outras mulheres. Ao reconhecer que desde cedo somos ensinadas a agradar mais os outros do que a nós mesmas, Samara pontua sua jornada de amor próprio perpassada por machismo, gordofobia e crueldade. 

Bora nesse passeio fotográfico:

Samara criança, antes de entrar pra tv, quando já se cobrava estar no padrão | arquivo pessoal

“Tenho 10 anos, sou baixinha, branca e um pouco gordinha”

Mesmo antes de começar a vida artística, Samara já sofria com a pressão estética para se encaixar no tal padrão da “mulher perfeita”. Ainda aos 10 anos, lembra de ter escrito em seu diário: “Oi, eu sou a Samara. Tenho 10 anos, sou baixinha, branca e um pouco gordinha”. Hoje, a atriz reconhece que aquela era uma forma muito distorcida de olhar para a realidade – mas, ela faz questão de frisar que eram também outros tempos. “Lembro da gente se comparando às capas de revistas e modelos de passarela, sabe? Isso já vem impregnado na criança que cresce na obrigação de estar sempre magra”, diz.

Foto feita para Malhação, quando se achava gorda | Arquivo pessoal

“Na primeira novela a produção já me pediu para perder dois quilos”

Na televisão, onde sempre se cobrou muito sobre os corpos das mulheres, as distorções só se acentuaram. “Essa foto é da época da Érica em Malhação. Lembro que foi muito difícil posar assim, porque eu me achava gorda. Achava que precisava estar ainda mais magra”. Muito mais madura, a atriz enxerga o quanto aquilo era violento. Na época, no entanto, ela nem sentia o peso da pressão, estava, em suas próprias palavras, “encaixotada no protocolo da dieta”. E ela fica indignada com a lembrança: “o mais louco é que mesmo estando dentro dos padrões exigidos para uma mulher, eu não me enxergava dentro dele”. E ela lembra como a pressão era naturalizada: “Comecei na TV com 18 anos e na primeira novela a produção já me pediu para perder dois quilos. Aí já veio um registro do que esperavam, eu precisava estar sempre magra, então controlavam até minha sobremesa no almoço, como se isso fosse muito natural”.

Hoje, Samara perdoa aquela que foi no passado: “Eu não tinha referência” | Arquivo pessoal

“Entrei no mundo das cirurgias plástica, cedi a essa indústria”

Quando engordou um pouco, optou por uma lipoaspiração. “Entrei nesse mundo da cirurgia plástica, cedi a essa indústria. Era novíssima e me arrependi bastante. Fiz muita maluquice para estar dentro do peso que a televisão pedia. Se não estivesse, era a revista que não ia me chamar para a capa, era a marca de roupa que não ia me cotar para o desfile…”. Hoje ela se perdoa por tudo, mas faz questão de ser atuante com suas filhas: “Minha mãe não conversava comigo sobre isso, sabe? É por isso que converso o tempo todo com as minhas filhas tanto sobre estética como sobre machismo, racismo, gordofobia e homofobia”, conta.

“Quero chegar em um momento em que eu não precise mais dizer para mim mesma que tudo bem ter a barriga flácida” | Arquivo pessoal

“Essas varizes aqui na minha perna me pertencem”

Apesar de agora estar com 43 anos e com uma cabeça muito diferente, Samara confessa que ainda se pega repetindo alguns padrões. “Ainda me vejo olhando no espelho e falando que preciso perder algo. Mas vou dialogando comigo mesma”, revela. Hoje são as questões relacionadas ao envelhecimento que a visitam com mais frequência. “Está tudo bem oscilar, só devemos tomar cuidado com o querer estar perfeita, afinal, o que é o corpo perfeito? O processo de desconstrução é contínuo e tá tudo bem essas varizes aqui na minha perna, elas me pertencem! Sei que não sou a única que passa por isso, então acho muito importante a troca, uma mulher dar a mão para a outra, para seguirmos como mulheres reais”.

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Hoje, a atriz se vê num momento de autoconhecimento, vive ponderando se algum dia vai conseguir de fato “virar a chavinha”, como ela diz. “É quase o clichê da plenitude, né? Mas quero chegar em um momento em que eu não precise mais dizer para mim mesma que está tudo bem ter uma barriga flácida”.

As marcas do parto foram muito além da cicatriz | Arquivo pessoal

“Me senti pressionada a voltar a ter um corpo que fosse aceitável socialmente!”

A gestação foi um período que mexeu muito com Samara e o impacto da pressão para que voltasse a ter um corpo “perfeito”, não passou batido. Ela se lembra de uma matéria: “O texto começava dizendo ‘cheinha, Samara Felippo almoça com marido e amigos’. Nem cheinha eu estava… e foram mais longe, disseram que para a alegria deles eu tinha ficado só na saladinha. Era um ano após o nascimento da minha filha e comparavam meu braço a uma bisnaga, isso é muito cruel! Eu ainda estava em processo de desconstrução e esse tipo de coisa vai minando a autoestima da mulher. Me senti pressionada a voltar logo a ter um corpo que fosse aceitável socialmente. Se fosse hoje, tenho certeza que seria diferente, mas ali, naquele momento, voltei na marra a me exercitar”. Samara pontua que o momento de puerpério e de amamentação não deve incluir esse tipo de preocupação.  

A atriz lida também com as marcas do parto, mas não exatamente com as cicatrizes físicas: “A cesária para mim foi uma reprodução de ceder a uma indústria do capitalismo selvagem, de não dar o protagonismo para a mulher em seu próprio parto. Eu me culpei durante muitos anos. Descobri que faz parte do processo ir falando, falando até curar”.

O processo de desapego é contínuo e envolve o apoio de outras mulheres | Foto: Juliana Coutinho

“Me questionei muito porque o homem grisalho é um galã e a mulher é relaxada”

Relaxada e envelhecida: foi isso que muita gente viu quando Samara optou por deixar os cabelos naturais, grisalhos. O período foi muito marcante e ela classifica como “bizarro”. “Eu me perguntava que buraco é esse? Que loucura é essa de não poder nem deixar o cabelo branco? Me questionei muito porque o homem grisalho é considerado um galã e a mulher ‘relaxada’? Por isso, Deixar os cabelos brancos acabou sendo um processo bastante político.” E teve um lado bacana: ela pôde contar com o apoio de muitas outras mulheres, e assim, conseguiu continuar sonhando: “Imagina quando todas as mulheres acordarem se amando? Vai ter indústria que vai falir”.

Samara faz questão de destacar que está em um processo contínuo de desapego, mas curte o sentimento libertador. Não nega que vivemos em um mundo de aparências, principalmente com as redes sociais, e assume que gosta de se maquiar e produzir, mas gosta mais ainda de se sentir confortável em seu próprio corpo. “Não podemos esquecer que a mulher é livre para escolher, né? É lógico que preciso me colocar em um lugar de muito privilégio, mas conquistar essa liberdade e romper com esses padrões que me foram ensinados é realmente libertador”.

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