Pai solo: o que aprendi depois que me vi nessa missão - Mina
 
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5 coisas que aprendi depois de virar pai solo – e o que isso tem a ver com o bem-estar feminino

Ton Kohler perdeu a esposa há 5 anos e, desde então, abraçou o cuidado integral dos filhos pequenos. Foi só aí que entendeu o quanto ajudar a trocar a fralda e dividir as contas não é nem metade do que as mulheres fazem na criação das crianças.

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Era uma sexta-feira à noite quando o curitibano Ton Kohler, do perfil Papai em Dobro, recebeu o telefonema que transformou a sua vida. Era a academia na qual sua esposa treinava muay thai pedindo que ele fosse para lá. Ao chegar, se deparou com ela sem vida em decorrência de uma parada cardíaca fulminante. O pai de Pedro e Mariana, à época com 3 anos e 1, respectivamente, se viu sozinho. “Me tornei pai solo por uma questão do destino. Tivemos que ser fortes e nos reinventarmos para seguir com as nossas vidas”, relembra. 

A sociedade desencoraja o pai a assumir seu papel pelo mito da incapacidade paterna

A partir daquele momento, Ton não só precisaria lidar com a paternidade solo – juntamente ao seu luto e ao das crianças – como também enfrentaria uma jornada de dificuldades, preconceitos e julgamentos. Nesse caminho, porém, também se deparou com muitas descobertas. “Ninguém nunca está preparado para enfrentar uma situação dessas e muitas camadas se abrem quando um homem assume o papel integral dos cuidados dos filhos: o lar, a educação, o afeto, as finanças…”. 

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Agora, cinco anos depois, com as crianças já com 8 e 6 anos, ele divide com a Mina suas percepções sobre o que acontece quando um homem vira pai solo – e o que isso tem a ver (e muito!) com o bem-estar feminino, das crianças e da sociedade como um todo. 

1. Percebi o quanto a sociedade é machista 

“Nos primeiros anos, meus filhos queriam estar sempre grudados no meu peito, enrolados nos meus braços, abraçados às minhas pernas. Quando eu chegava em algum lugar carregando eles – as bolsas, os carrinhos, os brinquedos –, fosse em um restaurante, buffet infantil, uma loja de roupa ou até em uma clínicas médica, a pergunta inconveniente que sempre ouvia era: ‘Cadê a mãe dessas crianças?’. Muita gente também me dizia: ‘Ton, você precisa casar de novo e dar uma mãe para elas’. Cheguei a escutar: ‘Ton porque você não deixa um filho com cada avó e vai cuidar da sua carreira?’. Foi quando comecei a me perguntar: mas, eu ouviria essas frases se eu fosse mulher?” 

“Fui me dando conta do quanto a comunidade é machista e nem sempre recebe bem um homem que cria sozinho seus filhos. As pessoas sempre ficam procurando uma mulher em volta para justificar crianças limpinhas e educadas. A sociedade desencoraja o pai a assumir seu papel pelo mito da incapacidade paterna em vez de acolhê-los e não duvidar de suas capacidades. Precisamos aceitar mais homens cuidadores para o bem-estar das mulheres, incentivar esses pais a tomarem essa responsabilidade para si, que é a mesma que uma mãe tem para com seus filhos.”

2. Entendi, enfim, o que é a carga mental

“Eu me achava um excelente pai. Quando era casado, limpava, cozinhava, dava jantar, banho, trocava fralda, fazia a limpeza da casa e tudo mais – o que nunca foi um problema para mim. Só que não abria a agenda da escola, não marcava as consultas da pediatra, não pensava na roupa do balé, não me preocupava em saber se havia cuecas e calcinhas nas gavetas, não acompanhava o calendário de vacinas, não cortava as unhas, não levava ao cabeleireiro… Essas funções e mais um monte de outras coisas estavam somente na cabeça da minha esposa. Então, quando comecei a fazer absolutamente tudo, conheci verdadeiramente a carga mental que ela carregava. Percebi que, sim, eu até era um bom executor de tarefas, mas não ocupava meu tempo com a gestão do lar e estava longe de dividir igualmente as tarefas da casa e das crianças. Foi aí que passei a viver a carga mental e entender que, nesse aspecto, eu era um pai ausente. É urgente falarmos a respeito da sobrecarga materna. Por mais que um pai divida (e aqui o verbo é dividir mesmo, não ajudar) as tarefas práticas, se ele não se der conta e não compartilhar essa função de planejar e gerir a vida dos filhos de forma plena, de nada vai adiantar.”

3. Me dei conta de que o homem pode fazer tudo o que a mulher faz

“Os pais têm total capacidade de cuidar dos filhos da mesma maneira que as mães. Fora que há um enorme prazer e muitos benefícios nisso. Basta querer e deixar as muletas sociais de ‘nunca aprendi’ ou ‘isso é coisa que mulher faz’. Quando me vi sozinho, tendo que aprender a vestir e a fazer chuquinhas na minha filha, me apavorei. Passar sozinho pelas fases do desfralde, do terrible two, ser colo, desfazer brigas, acolher as birras em meio a uma pia cheia de louça para lavar, resolver o jantar… Mas, com o tempo e prática, tudo se torna possível. Tenho prazer em fazer parte do grupo de WhatsApp da escola, saber tudo sobre vacinas e a saúde deles. Independentemente de enfrentar e viver cada fase, minha principal conquista é encontrar prazer e ser feliz cumprindo o papel de pai de maneira profunda, tentando suprir a ausência da mãe.”

“Que nenhum pai se sinta menos homem por participar mais dos cuidados”

“E falo dessa conquista porque, quando somos homens, não encontramos esses valores, tudo isso é trabalho, é chato, é cansativo, ‘é coisa de mulher’. Para que nossas filhas possam viver futuramente a equidade parental, precisamos ensinar nossos meninos a importância disso, que prover financeiramente é apenas uma parte da paternidade. Porém, é necessário que haja espaço para que se experimente, sem julgamento, e que nenhum pai se sinta menos homem por participar mais dos cuidados. Esse mito precisa ser derrubado.”

4. Ganhei muito ao assumir o papel de pai em tempo integral 

“Eu não fazia ideia de que a sociedade não estava pronta para ver um homem vestindo bem sua filha, cuidando da casa, da alimentação, da educação e todo o resto e, o mais importante, encontrando alegria e felicidade nisso. Perdi muito tempo, pois, se eu soubesse dos benefícios de vivenciar a paternidade profunda e integralmente, teria aprendido a vestir minha filha desde bebê, teria os levado mais às festinhas infantis, teria entrado antes no grupo de WhatsApp da escola. Enfim, pais participativos têm mais autoestima, melhor desempenho profissional, passam a viver mais tempo e com mais qualidade – isso tudo já foi provado cientificamente. Assumir esse papel não só alivia a carga e a responsabilidade das mães, como melhora a qualidade de vida dessas mulheres, que tiram um peso das costas – e tudo isso é benefício bem-estar da família.”

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5. Nenhum homem precisa ficar viúvo para se dar conta disso 

“Os homens são muito resistentes em mudar seu estilo de vida. Ninguém precisa esperar viver uma situação extrema como a que aconteceu comigo para perceber e compreender o quanto todo mundo ganha com pais e homens mais participativos. Vejo que alguns amigos mais próximos se tornaram mais presentes para família pelo choque de me ver perder minha esposa e depois criar os dois sozinho. Isso gerou uma transformação no meu entorno. Mas ninguém precisa se tornar viúvo para entender o que falta ser feito para o bem-estar feminino em relação à equidade parental. O bem-estar familiar exige igualdade no todo e de todos. Bora praticar?”

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