Prateleira do amor, dispositivo amoroso e outros ensinamentos de Valeska Zanello - Mina
 
Seus Relacionamentos / Reportagem

Valeska Zanello e o glossário do amor contemporâneo

A hiper valorização dos relacionamentos faz parte da nossa fundação como mulher, explica a psicóloga Valeska Zanello. Mas como não deixar que isso atrapalhe o nosso caminho para a felicidade e para o amor?

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O quanto a felicidade no amor interfere na sua percepção de satisfação com a vida como um todo? Pode ser sincera. Afinal, você não é a única mulher que ainda amarga a incômoda sensação de que o par romântico (ou a falta dele) ocupa mais tempo na pauta da sua terapia e nas noites insones do que gostaria.

“Na nossa cultura, os homens aprendem a amar muitas coisas e as mulheres aprendem a amar os homens” 

Por mais independentes, cultas e articuladas que a gente seja, a maioria de nós ainda vislumbra uma vida feliz ao lado de um certo alguém especial. Como explica a psicóloga Valeska Zanello, pesquisadora na área de Saúde Mental e Gênero, a hipervalorização do romance e o desejo de ser desejado são construções sociais e fazem parte da identidade feminina. 

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E tudo bem querer casar e formar uma família. Mas repensar nossa relação com o amor romântico e com o amor-próprio pode fazer toda a diferença na forma como embarcamos nos relacionamentos e, consequentemente, na felicidade que encontramos neles. 

A seguir, a autora de livros como A Prateleira do Amor: Sobre Mulheres, Homens e Relações e Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação traz um verdadeiro glossário do amor contemporâneo e algumas provocações para que possamos construir novas narrativas. Confira aqui: 

O amor identitário

“Na nossa cultura, os homens aprendem a amar muitas coisas e as mulheres aprendem a amar os homens.” A frase célebre de Valeska ajuda a entender o quanto o amor romântico é estruturante para nós mulheres. Amar um parceiro é a espinha dorsal de nossa identidade, que nos educa à base de contos de fada e comédias românticas. 

É como se a infelicidade no amor romântico fosse mais desestruturante do que as demais, porque coloca em risco nossa percepção de valor de uma forma mais profunda do que nossa relação com a carreira ou com a estabilidade financeira, por exemplo.

O dispositivo amoroso

“O dispositivo amoroso significa que nós mulheres nos subjetivamos na relação com nós mesmas mediadas pelo olhar do homem que nos escolhe”, explica Valeska. Isso aponta para a terceirização da nossa autoestima: aprendemos que só temos valor se um ou mais homens nos desejam. “É como se validássemos uma dinâmica em que eles têm o papel de serem avaliadores das mulheres: quem está escolhendo é quem diz o que vale e o que não vale”. 

A prateleira do amor 

Metáfora criada por Valeska para explicar a dinâmica, os valores e costumes que determinam a forma com que homens e mulheres se relacionam com o escolher e com o ser escolhido. Como na prateleira do supermercado, o bom lugar é aquele que está mais à frente, que tendem a ser os objetos que a gente escolhe primeiro.

“No amor, essa prateleira é mediada por um ideal estético que é branco, louro, magro e jovem. Então, quanto mais distante desse ideal, pior o lugar na prateleira”, afirma Valeska. “Quanto pior lugar, maior objetificação que a mulher sofre, sendo vista como alguém transar apenas no sexo casual, mas não alguém para ter um compromisso afetivo.”

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Casando com o casamento

A vontade de sair da prateleira é tanta que, muitas vezes, a vontade de ter um namorado ou um marido é maior do que a de namorar ou casar com aquele cara especificamente, como explica a especialista: “É muito comum que as mulheres se casem com casamento e não com o marido, principalmente quando sentem que estão migrando para trás da prateleira. E aí o discurso ideológico na cultura é o relógio biológico. Quando você sente que as amigas todas estão se casando, vai dando aquele desespero. O primeiro perebado que der bom dia acaba apertando esse botãozinho de vulnerabilidade”, destaca.

“É muito comum mulheres transformarem o perebado em príncipe encantado”

O “perebado”

Esse é o apelido carinhoso dado por Valeska a todos aqueles sapos que a gente insiste em ver como príncipe. “Ao longo de muitos anos de experiência clínica, vejo o quanto é comum mulheres transformarem o perebado em príncipe encantado. É como se elas se sentissem encantadas por terem sido escolhidas e, ao se sentirem especiais, conferem ao homem essa aura especial”. 

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A síndrome da Bela e a Fera 

“A gente aprende que o sucesso de uma relação e a mudança daquele companheiro dependem do nosso esforço e dedicação. Um bom exemplo é a Bela e a Fera: a menina linda que se envolve com a besta e o transforma num príncipe encantado”, exemplifica Valeska.  Assim, num misto de projeção e narcisismo – por que existe um prazer em ser “a mulher” que vai mudar esse homem – nos mantemos machucadas e culpadas nessas relações com “feras”, afinal de contas, se eles ainda não mudaram, foi por que nós não fizemos o suficiente…. Até quando vamos carregar esse fardo?

A emancipação amorosa

Assim como queimamos sutiãs, está na hora de queimar as prateleiras e desconstruir a lógica do consumismo afetivo. “Emancipação é não aceitar as regras desse jogo e querer transformá-lo. E parte essencial desse processo é aprender a se nutrir de outras fontes afetivas. Descentralizar a felicidade no par romântico e diversificar as fontes de afeto. Isso não quer dizer desistir do amor. É entender que o amor com um parceiro romântico tem que ser um plus e não pré-requisito para você usufruir da sua vida”, defende. Conta pra gente, quais desses termos do glossário mais afetam sua vida e quais deles você quer desaprender? Que possamos nos emancipar juntas.

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