Morar em casas separadas funciona? - Mina
 
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Só é casamento se dividir o mesmo teto?

Morar em casas separadas é uma realidade ainda incompreendida por muita gente. Três mulheres que vivem esse modelo de relacionamento falam sobre o que muda em relação à individualidade, autonomia e liberdade. Mas será que funciona para todo mundo?

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Até pouco tempo, morar em casas separadas era algo impensável quando se falava em casamento. Não importa o quão tradicional ou moderno seja o casal, dividir o mesmo teto sempre foi o caminho “natural” para selar um compromisso – de papel passado ou não – com alguém. Mas muitos casais já não enxergam esta como a única opção para viver uma relação e vêm descobrindo que morar cada um no seu canto pode ser o modelo ideal de relacionamento – e tem até um nome, Living Apart Together, em tradução livre, “vivendo separados, mas juntos”.

“Eu não queria mais a responsabilidade do dia a dia. O cotidiano é muito destruidor”

De empregos em cidades ou países diferentes à necessidade de manter a individualidade, os motivos para essa nova configuração variam. Qualquer que seja a escolha, porém, muita gente não só adora viver assim, como acha que este é o segredo para relações mais duradouras e felizes. “Estamos aprisionados nesta ideia do matrimônio clássico, onde você ama alguém, se casa e tem de morar com a pessoa. O casamento diz quem nós somos para a sociedade. E eu vejo esse modelo como uma modernização dessa instituição”, diz a psicóloga carioca Cíntia Aleixo.

“Mas antes de pensar se é saudável ou não ou se este é o segredo para dar certo, é preciso questionar: será que funciona para todo mundo?”, provoca. “Não podemos afirmar, uma vez que cada um de nós têm vivências distintas. E também não dá para colocar todo mundo na mesma caixinha, inclusive porque, a união tradicional também não funciona para muita gente”, analisa.

É o caso da paulistana Flavia Pommianosky, 55 anos, cujo casamento de 20 aconteceu, desde o início, na ponte aérea. Stylist renomada, ela fez sua vida profissional em São Paulo e percebeu que seria complicado se mudar para o Rio de Janeiro, cidade do marido. “Quando nos apaixonamos, ficamos grudados”, relembra. “Mas eu já tinha uma carreira estabelecida, não fazia sentido me mudar. Não teve crise, e as coisas foram se desenhando naturalmente”, conta.

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O casal segue se encontrando toda semana e gosta de viver exatamente assim. Claro que a rotina menos rígida de Flávia ajuda – e muito. “Como tenho um trabalho mais flexível, consigo dar umas escapadas mais longas. Isso me fez ter uma vida no Rio também.” Flavia vê aí outro ponto que, para ela, é importantíssimo: preservar a individualidade. “Neste tipo de relação, a troca é muito rica. Você tem tanto tempo para seus projetos e relações, que quando encontra o outro traz sempre uma novidade, um frescor. Além disso, faz com que você não dependa do outro para existir como potência e construir a sua jornada”, completa.

Exercitar a liberdade

Para a médica Isabelle Dossa, 62, escolher não morar junto faz parte de um propósito de vida. Depois de oito anos solteira – ela foi casada por 26 anos e teve dois filhos –, reencontrou Sérgio, de quem já era amiga há três décadas. A paixão foi instantânea: os dois estão juntos há quatro anos e casados há um. “Quando nos reencontramos, logo entendemos que a gente queria viver essa história para o resto de nossas vidas. Mas eu não queria mais uma relação tradicional: morar junto, cuidar da casa e a responsabilidade do dia a dia. O cotidiano é muito destruidor”, reflete.

O jeito de levar adiante a vontade de ficar junto foi morar cada um no seu apartamento, a 150 metros de distância um do outro. Apenas uma janela, pela qual eles se veem, os separa. “O início não foi fácil. Com o tempo e a terapia, percebi que isso permite um exercício de liberdade, não só do outro, mas minha também, que é renovada a cada semana e exercida com responsabilidade, já que tudo é conversado”, reflete.

 “Dormir ou jantar com meu marido agora é estimulante para o sexo e para o companheirismo”

Neste sentido, se encontrar todos os dias para ela não é uma possibilidade, inclusive porque muitas vezes o trabalho não permite. “Dormir ou jantar com meu marido é uma escolha que acaba sendo estimulante para o sexo, para o carinho e para o companheirismo. A possibilidade de sentir saudade é muito boa”, acredita. 

Flávia partilha do mesmo pensamento. “Tem gente que abre mão da individualidade e do estilo de vida por causa de um casamento. Gosto de ter autonomia e acho que neste tipo de configuração a gente se acomoda menos e se preserva mais como indivíduo. Fora que sentir saudade mantém a chama. Toda vez que vou encontrar meu marido ou sei que ele está para chegar, corro para me arrumar.”

Uma dose de surpresa, por favor

Ambas também destacam que em nossa sociedade é intrínseco pensar que a casa é responsabilidade da mulher. “Muitas vezes, quando moram juntos, as pessoas acabam se moldando ao parceiro, se anulam para o outro brilhar ou ficam competitivos”, analisa Flávia. “O patriarcado faz com que você perca a voz. Viver em casas separadas faz com que o outro respeite sua carga diária, porque ele vive o mesmo”, reconhece Isabelle. “Um dos meus aprendizados é saber que, apesar de ter um grande amor na minha vida, isso não muda quem eu sou. Ter uma relação assim me empodera.”

Assim como Flávia, Isabelle também acha que a chama entre o casal permanece acesa porque há certo mistério em relação ao outro. “Saber tudo sobre o outro, decifrar cada olhar ou como ele vai agir em determinadas situações acaba matando o amor. É preciso uma dose de surpresa. Ter uma distância ajuda. Inclusive porque tem dias que você ou a pessoa não está afim de se encontrar. Quando você mora junto, isso não existe.”

Adriana Lago, diretora de arte de 48 anos, sente isso após ter percorrido o caminho inverso: depois de 12 anos casada, ela se separou e há alguns meses retomou o relacionamento, desta vez, cada um em sua casa. “A rotina acabou nos desconectando”, conta. “Mesmo assim, continuamos olhando para este casamento, e tempos depois, ficamos juntos novamente. Foi um reencontro inesperado, que fez a gente falar de outras coisas que não casa, família, filho… É como se a relação tivesse amadurecido”, reconhece. “Sem dúvida, uma das maiores lições foi não deixar as coisas debaixo do tapete. Aprendemos a falar tudo o que incomoda, sempre com cuidado e respeito”, analisa Adriana.

Mas será que tudo são flores? Este tipo de arranjo, infelizmente, não se encaixa para todo mundo e tem seus desafios. Afinal, nem só de bem-querer vive o amor – ter este tipo de relação requer uma situação financeira confortável.

“Não digo que seja ruim, mas seria mais econômico dividir uma casa”, aponta Isabelle. “Pagamos nossas próprias contas, mas quando vamos a um restaurante ou fazer compras de Natal, por exemplo, é tudo junto.”

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“Morar em casas separadas é mais caro, e a organização fica mais complicada quando se tem filhos. Mesmo assim, para mim foi um ganho. No início da separação, apesar da dor, eu sentia uma alegria de vê-lo na casa dele, se responsabilizando por um lar. Vi como uma possibilidade de crescimento”, reforça Adriana. Para Flávia isso também é bem definido. “Se em algum mês eu precisar de uma força ou vice-versa, a gente resolve.”, conta.

Para a psicóloga Cíntia Aleixo, o caminho para este entendimento é deixar tudo às claras. “Como é uma dinâmica diferente, os envolvidos precisam lidar com essa logística, o que não é fácil”, aconselha. “Para que seja saudável, as duas partes devem conseguir se relacionar nesta configuração. E isso só é possível vivenciando o dia a dia, pois são as situações – e as dificuldades – do cotidiano que vão ajudar a entender se funciona ou não”, completa.

Relação aberta?

Agora, se tem outro grande desafio que permeia a vida destas três mulheres, é ter de lidar com a pressão dos amigos e da família por uma definição para seus relacionamentos. “Não tem um mês em que eu não responda à pergunta: ‘Vocês não pensam em morar juntos?’.

Eu que o diga. Ouço esse mesmo questionamento há 12 anos, desde que comecei a namorar meu hoje marido, um holandês que vive em Amsterdã enquanto eu ainda me mantenho em São Paulo. Não foram poucas as vezes em que deixei uma conversa no vácuo, usando o famoso “estamos vendo” ou até – em momentos mais radicais – parei de encontrar pessoas para não ter de responder questões para as quais muitas vezes não tinha respostas.

“É preciso tomar cuidado com as cobranças das pessoas e o que elas esperam. Mesmo a sociedade tendo avançado, ainda existe o apego aos valores tradicionais. Muita gente acha que temos uma relação aberta. Nem acho que seja certo ou errado, existem várias formas de se relacionar, mas eu não sinto vontade”, opina Flávia. Adriana concorda: “Tudo o que foge aos padrões parece não ser legítimo. No meu caso, estou tentando sair deste julgamento e da obrigação de deixar os outros confortáveis. Só falamos sobre isso para dar um nome ao nosso filho, percebemos que era importante para ele. No início ele estranhou, mas hoje ama ter duas casas”, diz. “No fim, é algo que só diz respeito à gente.”

Cintia endossa. “Vivemos em uma sociedade coletiva, onde ainda damos importância para o que o outro pensa. A única forma de lidar com essa cobrança é tentar equilibrar o peso dela sobre a gente. Precisamos nos questionar sobre a opinião alheia e que tipo de influência elas terão sobre a sua vida. É esse pensamento que vai nos salvar da grande armadilha de ficar questionando as próprias decisões”, explica.

Ao fim dessa conversa, uma coisa é certa: estar junto com um parceiro ou parceira não tem muita fórmula. Aliás, tem sim: a que funciona para você.

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