O comeback do relacionamento sério  - Mina
 
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O comeback do relacionamento sério 

Parece que agora todo mundo quer namorar e, pra isso, muita gente está correndo atrás de headhunters ou seitas em busca do par ideal. Será que vale a pena?

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Se você anda exausta dessas relações sem rótulos, sem constância, sem certezas e muitas vezes sem respeito… trago boas novas: junto com o revival da cintura baixa, 2024 promete trazer o comeback do relacionamento sério. Alguns acreditam que isso se deu pois Plutão, planeta das transformações, entrou em aquário esse ano e esse movimento inicia importantes progressos sociais. Outros, acham que é cansaço da pegação e dos apps mesmo. O que sabemos é que finalmente vamos voltar a entender que se comprometer com alguém não é uma prisão, uma caretice ou uma castração. É simplesmente a vontade de, ao criar contornos e confortos na relação.

Segundo o relatório global de tendências sobre amor 2024 feito pelo Happn, 86% dos solteiros querem oficializar as relações e já não aguentam mais a dinâmica dos rolos. A vontade dos aspirantes à conchinha-fixa é que o nível de compromisso, os desejos e as expectativas sejam decididos e comunicados de maneira clara e o mais rápido possível – e é aí que mora o perigo. 

Existe um anseio por um parceiro certo em tempo recorde, mas a que custo?

Sim, estamos todos exaustos. O cansaço é sintoma de época e efeito colateral de uma cultura que romantizou os excessos (de trabalho e também de contatinhos). Vivemos um momento de burn out afetivo que, como a síndrome de Burnout, traz em seu pacote sintomas como tensão emocional, estresse, exaustão extrema e esgotamento provocados por condições desgastantes. Estamos agora sofrendo com a fadiga crônica das relações que nos machucam, não aprofundam e não vão pra frente e, nessa UTI emocional buscamos desesperadamente o tal relacionamento sério antes que nosso coração pare de bater.

Este esgotamento emocional faz com que as pessoas se sintam sem energia nem autoestima para procurar novas relações mas, ao invés de descansarem e investirem na terapia, grande parte dos corações solitários têm recorrido a meios controversos em busca da tal “alma gêmea” (sim, é sério: esse termo voltou a circular).

Os headhunters do amor e o boom dos matchmakers 

Gostos e opiniões à parte, a questão não é o desejo, e sim a forma como as pessoas querem chegar a esse relacionamento mais estável. Duas tendências crescentes – a dos headhunters e das seitas – chamam nossa atenção nessa busca por soluções rápidas e que se vendem como eficientes e definitivas. Ambas têm em comum uma necessidade de terceirização da responsabilidade de encontrar um parceiro ou parceira e um anseio por respostas em tempo recorde. Ao invés de aprendermos a sustentar a dúvida, os desencaixes e desencontros as pessoas estão buscando profissionais que produzam uma espécie de amor 3.0. A que custo? E com que efeitos colaterais?


Quanto você pagaria pelo amor? 

Segundo matéria da Forbes, os casamenteiros modernos mantêm uma taxa de sucesso de 95% e cobram de 5 mil a 250 mil dólares nos EUA pelos pacotes para te achar um namorado ou namorada. Na pesquisa do happn vemos que essa tendência vem ganhando o mundo: na Índia, cerca de 60% buscam ajuda externa para aumentar suas chances de encontrar um amor. Já no Brasil, quase 1⁄3 dos solteiros afirma recorrer a cupidos para otimizar a busca.

Entrevistei Hunt Ethridge, famoso matchmaker de NY e ele afirmou que seus clientes são pessoas bem-sucedidas, com carreiras frenéticas e amplo repertório cultural. São pessoas pragmáticas, que sabem o que querem e entenderam que no “time sheet” do amor, é mais barato pagar um casamenteiro do que gastar centenas de dólares e de horas em encontros ruins até achar alguém. Além de te apresentarem pretendentes, esses headhunters do amor também dão feedbacks sobre os encontros (sim, eles fazem uma pesquisinha de satisfação com as pessoas com quem você saiu) e guiança sobre como se vestir, se portar e o que conversar. 

O desejo agora é pegar o “fastpass” do amor e ter um pretendente customizado

O valor nesse mercado, segundo Hunt, está em sua base de dados. Isso porque ninguém mais quer ver 382 rostinhos no Tinder pra encontrar alguém nota 6,5. O desejo agora é pegar o “fastpass” do amor e ter acesso a nosso pretendente customizado. Vem aqui a pergunta psicanalítica: por mais que o tal matchmaker te apresente uma pessoa que corresponde a todos os seus requisitos, você sabe o que você deseja? Freud, Lacan e a turma toda do divã te comprovam que não. Há algo do enlace amoroso que escapa o consciente e a lista de características enumerativas. 

Achamos que sabemos o que queremos, mas na verdade somos péssimos em avaliar o que nos fará felizes. Além disso, há também o tempo. “Há que se comer 1kg de sal para conhecer alguém”, já dizia minha avó. Amor não é algo otimizável. Intimidade e afinidade se constroem com tempo, com apostas, com tentativas. Vale então você se perguntar: o que nas relações você tem perdido ao não querer perder tempo?

E quem não recorre ao business, recorre aos místicos

Outro movimento assustadoramente crescente na busca por essa relação séria são as seitas que te prometem o par perfeito. Twin Flames é a mais famosa delas. Dois documentários (um na Netflix e outro na Prime Video) retratam a promessa de união equilibrada e amor verdadeiro que esconde manipulação, controle, abuso e esquema de pirâmide conduzidas pelo casal Jeff e Sheyla. Mesmo com denúncias, a seita não para de crescer e tem feito vítimas também aqui no Brasil.

Seitas captam pessoas e incentivam a stalkear. Isso é bom pra quem?

É importante prestar atenção porque tudo começa com uma cara de grupo de autoconhecimento e acolhimento. A Twin Flames promete te guiar rumo ao caminho do amor eterno, para que você tenha um relacionamento bonito, leve e saudável e entenda o segredo da felicidade, abundância e prosperidade (parece muito? pois é o que eles dizem). O truque dessa mágica é que a seita trabalha exatamente na fragilidade de seus participantes: eles captam pessoas que estão obcecadas com paixões que não foram pra frente e, justificam essa obsessão dizendo que aquelas são suas chamas gêmeas. Sabe aquele cara com quem você saiu 3 vezes e não consegue parar de pensar? Pois é… suas amigas falarão: ‘Supera!’, Twin Flames falará: ‘Ele é sua chama gêmea! Vá atrás, stalkeie, insista, persista…’. 

Comportamentos invasivos e obsessivos

De uma maneira bem perversa, eles falam exatamente o que os corações apaixonados querem ouvir e estimulam comportamentos invasivos e obsessivos que fazem mal para quem persegue e para quem é perseguido. Para que a relação vire casamento, os participantes passam por cursos caros, mentorias, insistências e invasão da privacidade do possível parceiro. Jeff e Sheyla chegam a sugerir mudança de sexo.

Quando descrevemos resumidamente tudo parece absurdo, mas é importante perceber o quanto evitamos lidar com frustração, luto, ambivalência e também com o bancar nossos próprios desejos para procurar saídas mágicas.

Desconfie de quem promete simplificar demais o processo

Todos temos o direito de querer relações sérias e o comeback do namoro, mas podemos escolher caminhos mais adultos (ainda que tortuosos) para chegar aos mesmos. É preciso sustentar a angústia do não saber onde isso vai dar, elaborar a frustração do desencontro, lidar com as próprias dúvidas e incertezas, bem como com as do possível parceiro. Ninguém disse que ia ser fácil. Desconfie de quem te prometer simplificar demais o processo. Os americanos já dizem “there is no free lunch” (não existe almoço de graça) e, de certa forma, isso pode ser maravilhoso: se deliciar em um banquete amoroso cozinhado em conjunto parece mais saboroso do que engolir um amor de ilusão e projeção, não acha?

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