Como realizar fantasias sexuais - Mina
 
Seus Relacionamentos / Reportagem

Quando as fantasias se tornam abusivas?

Realizar um fetiche alheio nem sempre pode jogar a favor do seu bem-estar. É importante saber os seus limites e deixar isso claro

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Fantasia não teria esse nome se não fosse pelos desejos mais intrínsecos da nossa mente: afinal, é o ato de criar através da imaginação e, acredite, quando falamos da mente humana não há limites, pelo menos não para quem tem liberdade emocional. 

Sabemos que as repressões da sociedade conseguem até nos afastar de nossas fantasias mais íntimas, contudo, como psicanalista, sei bem que todas essas criações, quando reprimidas, ficam como água represada em um cano enferrujado: uma hora vai rachar e o conserto vai dar trabalho. A frustração acumulada vem arrebentando relacionamentos, destruindo nossa auto-estima e a das pessoas ao nosso redor.

Pessoalmente, acredito que as pessoas têm o direito de realizar suas fantasias, desde que sejam consensuais, éticas e lícitas. Quando pessoas se unem com um objetivo em comum, tudo deveria entrar no seu devido lugar, mas nem sempre isso acontece e é nesses desencontros que aquilo que parece uma inocente fantasia se torna o mais profundo dos abusos, capaz de destruir não só os relacionamentos como modificar a vida e a personalidade de uma pessoa.

Fantasias sexuais precisam ser consensuais, éticas e lícitas

De acordo com a ginecologista, obstetra e terapeuta sexual Ana Dias, o que diferencia uma fantasia de abuso é a coação para realizá-la, e que pode acontecer de diversas maneiras: “Usar de chantagem dizendo que irá procurar outra pessoa para realizar, que vai deixar de pagar as contas, ou que se a pessoa não realiza a fantasia é porque não ama mais”.

Será que em nome do amor temos que nos submeter a realizar fetiches alheios que não temos a menor vontade? Não estou falando somente daquelas fantasias que achamos uma verdadeira “loucura moderna”. Falo também daquelas que parecem direito concedido, como sexo anal – será que o fato de algumas pessoas gostarem, faz com que todo mundo tenha que gostar?

Quando meu marido (que hoje se identifica como panssexual) e eu começamos a nos entregar sexualmente um para o outro, tentamos algumas vezes descobrir se ele sentia prazer anal e, de fato, foi algo que ele não gostou. Tivemos uma conversa certa vez que me fez refletir: 

– Eu sinto dor, não gosto! (Ele)

– Talvez não fizemos do jeito certo. (Eu)

– Mas não podemos normalizar que talvez eu realmente não goste? Se você não gosta sempre, por qual motivo eu tenho que gostar?”. (Ele)

Isso me fez pensar o quanto é bom me sentir respeitada sem aquela cobrança de termos que realizar as fantasias um do outro para que a relação seja completa e, de fato, senti alívio por não precisar fazer sexo anal sempre só porque isso faz parte do imaginário dele. 

Já que falamos sobre as fantasias que parecem direito concedido, que tal abordarmos sobre as fantasias que surgem através de uma “moeda de troca”? Júlia*, de 30 anos, passou por isso com o parceiro. Ela descobriu, já durante o relacionamento, que ele  tinha vivido um relacionamento não-monogâmico e logo os assuntos como ménage, o famoso sexo à três, ou troca de casal passaram a ser frequentes.

“Após tanta pressão acabei cedendo, mas com o tempo isso virou uma moeda de troca”,conta. “Ele me ‘empurrava’ em situações com mulheres, dizendo que também queria ‘se divertir’, já que começamos saindo com um outro homem’”. As tentativas nunca passaram de “beijos e amassos”, e ela diz que a maioria era sem vontade. “Quando passei de beijos com uma mulher para algo ‘mais quente’, além de ter sido muito forçado, me senti num espetáculo, e depois, falei que tinha gostado só para não decepcioná-lo.”

“Me sentia manipulada, mas ao mesmo tempo achava que deveria ser mais aberta”

A história de Júlia é mais comum do que se imagina e a maioria das queixas que recebo em minhas redes sociais, vindas de mulheres, são que seus parceiros tentam forçá-las a aceitar uma experiência liberal. Adivinha qual a maior reclamação dos homens quando me enviam mensagens? “Minha mulher não aceita”. Pois é.

“Me sentia manipulada, mas ao mesmo tempo me sentia muito chata e achava que deveria ser mais aberta, quebrar tabus e me esforçar”, lembra Julia. Ela, no entanto, colocou um basta nas manipulações e terminou o relacionamento quando descobriu que o marido estava saindo com outras mulheres escondido.

Tem até quem tenta realizar as próprias fantasias com alguém que sequer tem relacionamento afetivo. Ana Claúdia, de 34 anos, é secretária e já foi assediada diversas vezes por homens que visitam ou são funcionários da empresa onde ela trabalha. Usa sempre vestidos e saias sociais e por também usar óculos é comum escutar que fica com cara de “secretária safada”.

A fantasia sexual com a mulher secretária é claramente uma visão machista e está vinculada à ideia de mulheres servirem os homens; aquela relação de estar a disposição para alguém que esteja ‘acima de nós’. Secretárias passam horas exaustivas organizando, planejando e coordenando agendas e os projetos de uma pessoa, e relacionar a função de uma secretária à palavra “safada”, não só é crime de assédio sexual como desmerece toda uma categoria de profissionais, passando a idéia de que algumas delas gostam de ser subserviventes no trabalho e no sexo.

Ana Claudia costuma escutar que tem cara de “secretária safada”

Ana Claudia disse que aprendeu que cabia a ela a postura de “cortar pela raiz” os assédios disfarçados de brincadeira. Hoje, uma singela levantada de sobrancelha deixa claro seu descontentamento, coisa que não fazia antes por medo de perder seu emprego.

“Vamos lembrar que no Brasil o assédio sexual não é mais de ação privada”, deixa claro o advogado Marcelo Parra Manzano quando o consultei. “Antes, somente a vítima poderia dar início a uma ação penal através de um advogado. Hoje, é uma ação pública incondicionada, e pode acontecer sem que a parte ofendida demonstre qualquer desejo de denunciar, o que torna imprescindível que os profissionais de todas as áreas estejam sempre atentos ao seu redor.”

Perguntei se precisava ser no ambiente da empresa ou até mesmo apenas entre o status “superior versus subordinado”, e ele respondeu que não precisa acontecer no ambiente físico da empresa, mas que as pessoas devem ter relação através do trabalho, e lembrou que é assédio sexual mesmo que seja de funcionários para funcionários. “Hoje todos os crimes contra a dignidade sexual podem ser denunciados por quem os presencia.”

Até mesmo a Dra. Ana Dias, que nos falou sobre coação no começo da matéria, disse ter se sentido constrangida com piadas por ser ginecologista e sexóloga: “Alguns amigos já perguntaram quando eu ia ensiná-los a fazer sexo anal sem dor”.

“Mas Camila, você começou dizendo que todas as pessoas têm direito de realizar suas fantasias”. Eu continuo acreditando nisso, mas precisamos entender que quando precisamos de outras pessoas para realizar nossos desejos, o bem-estar, o respeito e o consenso devem estar sempre em primeiro lugar.

Muitas relações são perdidas, mas não vou lamentar por isso. Em alguns casos, a fantasia vira insistência, que vira abuso, então ainda bem que essas relações acabam. Também não acredito que todas as relações com fantasias incompatíveis não tenham solução. Sentimentos podem ser ressignificados, coisas podem ser ajustadas e o sexo pode ser apimentado de outras formas, mesmo que disfarçado daquela fantasia. Se eu tenho desejo de ver meu marido com outra mulher e ele jamais se imaginaria nessa situação, talvez ele aceite fantasiar comigo falando em meu ouvido sobre, e isso seja o suficiente.

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