Como é ter filho autista - Mina
 
Nosso Mundo / Reportagem

“Por favor, não me chame de guerreira”

Onde mora o bem-estar da mãe atípica? Tenho me feito esta pergunta - e ido atrás de soluções - há cinco anos, desde que meu filho foi diagnosticado com autismo

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Quando sentei para escrever este texto, achei que seria difícil colocar em palavras a gincana que é minha vida e como arrumo algumas brechas. Muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e aquela sensação de que a semana me atropelou sempre. Mas percebi quando fiz a estrutura da minha escrita, que muitas decisões da minha vida foram para facilitar minha rotina, dar mais atenção para mim e ter o que todo mundo quer, o tal do tempo para si. 

Bem, voltando um pouquinho. Meu filho Thomás, de 8 anos, foi diagnosticado com autismo aos três. Ele é uma criança autista nível 2 de suporte, o que significa que ele precisa de ajuda para muitas atividades de sua vidinha. Ele não tem uma linguagem funcional, só fala algumas palavras e usa um aplicativo de comunicação alternativa para se expressar. Nunca teve um diálogo comigo, eu nunca soube, por ele, como foi o dia na escola. Quando ele está com dor, fica difícil saber exatamente a intensidade e onde ela ocorre. Mas não precisa ter pena de mim, sou bem feliz ao lado dele. Obrigada, existência.

O mundo onde estão as pessoas com deficiência

Também não precisa achar que sou guerreira, a fortona, abençoada por Deus ou a escolhida nesta encarnação para evoluir com ele. Sou mais uma mãe tentando dar conta de tudo, nem especial nem de vento, como o pastel da feira. Claro que o diagnóstico do Toto me colocou em outro mundo que eu não conhecia, um mundo onde estão as pessoas com deficiência, aquela com as quais muitos de vocês provavelmente não convive. A partir do laudo passei a fazer mudanças na minha vida para que ficássemos bem. 

Primeiro, decidi (fiz isso pois podia) que não trabalharia mais em horário fixo em uma redação, já que estava perdendo todo acompanhamento das terapias dele. E achava que aquele ser, daquele tamanho, precisava da ajuda dos pais e apoio. Acredito ter sido a minha primeira decisão de bem-estar. 

“Defumar o ambiente, acender vela e todo ritual que é o puro suco do Brasil: esta é minha meditação” 

Passei a trabalhar menos, a ganhar menos, mas conseguia estar ao lado na rotina puxada de horas e horas de terapia por dia, como é indicado no começo. Ficar mais em casa, onde me encontro até hoje, me permitiu ter uma rotina de rituais que me fazem muito bem. A reza e salmos da manhã. Defumar o ambiente, acender vela e todo aquele ritual que é o puro suco do Brasil. Esta é minha meditação. 

Saúde boa, fé e pique para correr atrás do meu filho

Como o filhote toma café da manhã e almoça na escola, consigo fazer com calma estas primeiras refeições. Cozinhar para mim, colocar a mesa mesmo que de maneira desajeitada na cozinha ou comer em pé olhando a rua, é de um prazer que nem sei descrever. Me tornei vegetariana (de origem animal, só queijo) o que me trouxe outra disposição e vontade de comer receitas novas e estudar os benefícios dos alimentos. Voltei para o kung fu depois de oito anos longe. 

Ter a saúde boa, fé e pique para correr atrás do meu filho (ele sai correndo do nada muitas vezes) também me ajudam a enfrentar o capacitismo. E não é exagero dizer que é diário. Difícil haver um dia em que não tenhamos alguma situação na escola, na fila do mercado, para sentar no preferencial do metrô. Fora os olhares. Sempre tenho que explicar algo para alguém ou subir no palanque para dizer que aquilo é um direito, que está na lei, que capacitismo é crime.

Como é bom fazer…nada

Eu e o pai do Thomás nos separamos e temos guarda compartilhada. Aí, tenho metade da semana para mim. Mentira. Trabalho em dobro nestes dias para compensar os outros. Mas tenho três dias off total a cada quinze dias. E não é bom demais? Passei a curtir coisas que há muito tempo não fazia, como ler vários livros, sair para almoçar e ficar horas na mesa, tomar sol sem ficar de olho na piscina. E nada. Como é bom fazer nada, tinha me esquecido. 

“Não há a menor condição de brigar com uma condição. Se Toto não fosse autista, seria outra pessoa”

Morro de saudades do meu grudinho. Amo aquele moleque. Do jeito que ele é. Não tenho questões com o diagnóstico dele e esta foi uma decisão prática também que tomei em nome da minha paz interna. Não há a menor condição de brigar com uma condição. E se ele não fosse autista, não seria ele, seria outra pessoa. Simples assim. Que ele evolua em muitos aspectos, tomara que os esforços tenham frutos, só que sempre será autista. Tá lá no laudo de 2018: “Thomás Aquino/CID F84”. Na linguagem do amor significa “Toto/meu amor revolucionário” com a prescrição de que sigamos bem. 

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