Dira Paes fala sobre idade, ativismo, casamento e maternidade - Mina
 
Suas Emoções / Entrevista

Dira Paes: “Nós, mulheres, não vamos recuar nos nossos direitos”

Desde cedo, a atriz abraçou seu ativismo pelos direitos das mulheres e pela Amazônia. Nesse contexto, ela fala sobre o impacto de perder a mãe, o equilíbrio entre carreira e maternidade e da tranquilidade com o envelhecimento

Créditos: Leo Aversa
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11 minutos |

Aos 54 anos, Dira Paes diz que a maturidade lhe trouxe a certeza de ser dona de si. Mas esta entrevista mostra que convicção foi uma palavra que a acompanhou desde sempre. A atriz foi uma criança revolucionária, como ela mesma diz, que enxergou desde cedo que não podia ficar calada diante das tantas diferenças do mundo. Garante que vai sempre fazer questão de transmitir a diversidade que está aí fora para os filhos, para os sets de filmagem e para as histórias que ainda pretende contar.

Seu enredo teve origem em Abaetetuba, no Pará, e depois se espalhou para Belém, onde foi criada e aprendeu a amar e defender sua floresta. Na família de sete irmãos, em que se começava o batismo com a letra E, houve um momento em que Ecleida (nome da sua irmã) se juntou a Edir (nome do seu pai) para formar Ecleidira. Um nome único, criado especialmente para ela, a Dira. 

Além das inúmeras aparições na TV em horário nobre, a atriz também seguiu de maneira brilhante no cinema brasileiro, colecionando mais de quarenta filmes no currículo. Pausa aqui para celebrar o último: Pureza lhe rendeu o troféu Grande Otelo como Melhor atriz em agosto deste ano. 

“As coisas só vão mudar socialmente quando tivermos mulheres protagonistas”

O longa conta a história real de uma mulher que vai atrás do filho em um esquema de trabalho escravo. Pureza virou ativista, assim como Dira, e recebeu reconhecimento internacional. E logo mais chega Pasárgada, que a atriz dirige e atua ao lado do marido. Na pele de Irene, ela conta a história de uma bióloga que estuda pássaros e se vê diante do tráfico de animais. 

Apesar de dizer que nada tem a ver com a personagem, foi um beija-flor que anunciou à atriz que sua mãe, Flor, partiria no começo do ano, como conta a seguir. Dira também conversou sobre envelhecimento, carreira, maternidade, a paixão pelo marido e a importância de se manter ativista. Vem ler.

Você está finalizando seu primeiro filme como diretora, Pasárgada, e ainda assina o script e faz a protagonista. Como foi esse triplo desafio?
Foi uma experiência fantástica. Como comecei a filmar na segunda onda da pandemia, tivemos que ficar reclusos em uma fazenda com o mínimo de pessoas possível. Isso me levou a decidir fazer a protagonista, Irene, para ganhar tempo, espaço e segurança. Eu tinha desejo de passar por todas as etapas. O processo todo aconteceu na pandemia, quando ela se estendeu, e tive aquela fase de entender meus desejos e colocar em prática, de revalidar os valores e caminhos. Quando vi que o tempo de isolamento seria maior, quis me alimentar de criatividade e essa experiência cinematográfica já estava no meu subconsciente de alguma forma. Faço o filme junto com meu marido (Pablo Baião), que assina fotografia e fiquei muito contente com esta parceria no processo.

Como seu protagonismo em várias frentes no longa pode ajudar no protagonismo feminino no audiovisual? 
Acho que nós estamos em um momento em que não vamos dar nenhum passo atrás. Não vamos recuar nos nossos direitos, nas nossas conquistas, nos propósitos. As coisas só vão mudar socialmente quando tivermos mulheres protagonistas, em cargos de chefia, e eu faço coro para isto. Nesse sentido, se a gente fizer uma análise do mundo cinematográfico, eu diria que há bastante mulheres, mas não como chefes. A quantidade de produtoras, figurinistas é enorme, porém de diretoras não. Geralmente não tem no set a diversidade que há na vida e isto não é saudável. E essa foi uma preocupação clara e objetiva com a equipe do filme, desde a segurança. Tento dar uma educação feminista ao meus filhos, pois acredito que não pode partir somente da mulher, é preciso saber se comportar socialmente tendo em mente a igualdade de gênero. Trago isso para dentro de casa, na escola já vejo isso sendo plantado. E, como artista, preciso dar visibilidade a estas causas.

Você abraça muitas causas e se posiciona politicamente. Fez isso durante a epidemia, eleições e outras questões. Como nasceu isso em você?
Muito antes de ser atriz, ainda pequena, tive um despertar para o mundo social e para as políticas públicas. E olha só como uma criança pode ser revolucionária. Eu olhava ao meu redor (Dira foi criada em Belém) e perguntava ‘por que estamos em um lugar tão rico em recursos naturais com tantas mazelas sociais?’. Era uma conta que não fechava, nada explicava. Depois, mais pra frente, fui pioneira nas causas da floresta. Como amazônida, já era uma pessoa preocupada com meu território, o lugar mais lindo do mundo. E a gente só cuida do que a gente conhece, do que ama, e as pessoas não conhecem e não amam a Amazônia. Quando vieram as eleições, polarizados como estávamos, não tinha como eu não me posicionar. Não tenho partido, mas sou uma pessoa conectada com os Direitos Humanos. Essa é a causa fundamental, todo mundo tem que se posicionar. Não entendo quem não faz algo. Hoje é muito mais fácil participar, dar um clique , ajudar em uma campanha, mandar um e-mail para pressionar. 

Acredita que só existe bem-estar se for coletivo?
Sem dúvida. Não quer dizer que eu seja deprimida. Sou aguerrida, acredito nas boas almas e na construção do bem. Não me sinto bem indo em um restaurante e vendo as pessoas do lado de fora. É difícil de explicar, difícil para caramba de digerir. Como você vai ignorar quem está ali? Pois pedir é o último recurso. O que você quer para você, é para o próximo, independentemente de religião.

Segue alguma? Como anda sua espiritualidade?
Gosto mais das ciências do que das religiões. Estreito minha relação, vamos dizer, com “essa energia maior” através da ciência, me referindo a filosofia, biologia, química, física. São coisas concretas, que a gente deveria usar só para fazer o bem, mas sei que isso é muito poliano da minha parte. Fui criada no catolicismo, conheci e estudei amplamente as religiões por curiosidade. Hoje não estou conectada com nenhuma religião, a não ser o amor mesmo. 

“Crescer em um ambiente sem a sensação de exclusividade me fortaleceu”

Na premiação do Grande Otelo de Melhor Atriz por Pureza, em agosto deste ano, você agradeceu sua mãe e suas irmãs. Qual a importância dessas figuras femininas na sua vida?
Uma mulher puxa a outra. Sempre foi a dinâmica lá em casa. Somos quatro homens e três mulheres. Minha mãe foi embora este ano, assim, quis mostrar que o alicerce do mundo é feminino. É melhor para o mundo que seja assim e minhas irmãs naturalmente abraçaram este papel na família, promovendo encontro, nos alimentando em todos os sentidos, deixando os laços de afeto mais atados. Admiro muito minhas irmãs, elas absorveram as coisas maravilhosas da minha mãe. Amo muito também meus irmãos e ter uma família grande, cheia de gente, me fez muito bem. Crescer em um ambiente sem a sensação de exclusividade me fortaleceu.

Você passa ainda pelo luto, pois é recente a partida da sua mãe. Pode contar um pouco sobre esse processo?
Minha mãe veio para o Rio de Janeiro (Flor, de 90 anos, faleceu em fevereiro), receber a família inteira que estava voltando de viagem. Ela sempre vinha passar dois, três meses, mas desta vez ia ficar pouco. Quando cheguei, ela estava linda, sorrindo. No terceiro dia, não estava bem. Fomos para Belém e ela foi internada, pois estava com uma insuficiência no fígado. Era um câncer avançado. Os médicos conseguiram prever o passo a passo daqueles dias que iriam vir, em torno de quinze dias. Avisaram quando a mamãe provavelmente pararia de falar. Então, deu tempo, antes de ela parar de se expressar, de todos da família falarem, agradecerem. Toda família merecia uma despedida assim. Eu pude estar ao lado dela no momento em que deu seu último suspiro e foi um presente. Estava ao telefone, fui para a janela e vi um beija-flor. Ele ficou me encarando e entendi que era um aceno. O luto é difícil, não estou em um momento traumático, mas tenho impulso de telefonar, no domingo sempre falta algo. A gente é feito de mãe, é uma matéria que fica na gente. 

Pergunta de milhões: qual é o segredo de um casamento de quase vinte anos?
Eu sou cúmplice do meu marido, no sentido de estar sempre junto, do companheirismo em que é possível se entender sem palavras. A gente briga a bessa, claro. Toda vez em que isso acontece eu penso que eu gosto muito dele. E eu pergunto ‘você gosta de mim?’. É uma relação quase que de namorados, uma sensação de que há o olhar de admiração. Tive filhos com diferença de sete anos (Inácio tem 15 e Martin faz 8 em outubro) e isso trouxe um novo ciclo para a gente, uma renovação. Na verdade, são segredos a serem desvendados, mas se eu me pergunto “com quem eu quero fazer uma viagem hoje?”, vai ser com ele, uma vontade de compartilhar tudo. Isso é um termômetro. 

Com a rotina de gravações, qual foi seu esquema com os meninos? Em algum momento sentiu culpa pela ausência durante alguns meses?
Não tenho culpa, me dei um tempo. Quando não tinha filhos, me entregava totalmente às produções, batia a porta de casa e tchau. Na época de Pantanal, ficava no máximo duas semanas longe. Eu vinha para o Rio, passava três, quatro dias, e voltava, aproveitava os finais de semana. Em Pureza, não tinha como sair e eles foram me visitar. Estava no contrato que eu teria minha família lá nos meus cinquenta anos. Fico tranquila quando estão aqui com pai e sogra, não é muito tempo de ausência. Explico para eles que é legal eu trabalhar, que tenho que aproveitar o momento e como são os altos e baixos da profissão. 

“Acho bobo a gente reclamar de uma coisa que vai acontecer”

Um dos assuntos que temos falado muito em Mina é sobre amadurecimento e etarismo. Qual sua percepção sobre o envelhecer?
Não posso reclamar. Acho bobo a gente reclamar de uma coisa que vai acontecer. Quero ir além, ter outras preocupações e assuntos. Quero essa máscara transformada em muitos personagens incríveis. Sofrer não é a palavra, penso em aproveitar este corpo, cuidar dele, estar em paz. Quero ter gás.

O que a maturidade te trouxe de bom?
Em primeiro lugar, a certeza que eu sou dona de mim. Vejo que acontece com a maioria das mulheres, não só comigo. E isso dá uma certa empáfia. Para fazer essa transição, tem que acreditar no seu elã, na capacidade de ouvir e ser ouvida. Hoje, por exemplo, choro muito menos do que chorava, sou menos emotiva. Sendo atriz, o tempo para mim tem outro atravessamento, como se fosse um revezamento entre personagem e Dira. Passei mais de um ano como Filó em uma co-existência, isso dá um frescor. Quero manter na maturidade este frescor e ter paciência. 

Você passa a sensação de ser uma pessoa calma, plena. Confere?
Não. Nada… sou a cubana no vôlei, entende? Fico encarando na rede. Tento alinhar meu dia para poder equilibrar as coisas. Separo a manhã para cuidar de mim, do meu bem-estar, faço musculação e pilates. À tarde, fico com os filhos e trabalho. Tento me organizar nesta equação para ter mais tempo para mim, inclusive para ter tempo de não fazer nada, o que é bom também.

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