“A velhice nunca esteve tão na moda como agora”, dispara a antropóloga, pesquisadora e escritora Mirian Goldenberg. Expert no tema, ela estuda e convive com idosos há 30 anos, portanto fala com conhecimento de causa. Na luta para desmistificar o temido envelhecimento e dar voz às mulheres de 60+, Mirian acaba de lançar o livro A Arte de Gozar – Amor, Sexo e Tesão na Maturidade (Editora Record), que é, segundo ela, um manifesto pela “bela velhice”: “Temos que falar das nossas vergonhas para as pessoas escutarem e para transformarmos a realidade da velhice. Porque é óbvio que quando envelhecemos temos muitas perdas, mas se ficarmos escondidas vai ser pior para nós e para os outros”.
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Se assim, a ordem é dar um chega pra lá no preconceito e gozar no sentido mais amplo da palavra. “Muita gente, quando envelhece, se aposenta da vida. Não só do sexo, dos prazeres. Principalmente as mulheres, que sofrem com a invisibilidade social, a decadência do corpo, a falta de liberdade. Com as pessoas vivendo mais e melhor, é chegada a hora de dar um basta nesse estigma”, acredita antropóloga.
Para gozar a maturidade precisamos aprender a rir muito mais.
Na entrevista jogo rápido que você lê a seguir, Mirian ainda explica o que é o movimento “velha sem vergonha”, fala do momento da mulher ligar o foda-se e diz o quanto é possível envelhecer gozando a maturidade.
Prazer, gozo e tesão têm lugar na velhice?
São coisas que aprendemos a valorizar na maturidade e descobrir o que é mais verdadeiro para cada uma de nós. O que é único, singular. Esse trio mora na nossa singularidade quando começamos a respeitar nossas diferenças, quando paramos de nos comparar a outras mulheres e passamos a rir de nossas vergonhas. Pelo menos, para mim, depois de 30 anos de pesquisas, esse é o grande segredo do gozo da maturidade. E para isso temos que aprender a dizer ‘não’.
O que escutou de mais curioso sobre sexo entre a turma de 60+?
Estou adorando saber que mulheres de 78, 80, 81 anos encontraram namorados em aplicativos de relacionamento, na maior parte das vezes, bem mais jovens, e estão felizes pela primeira vez na vida. Outras ganharam o primeiro vibrador da neta. É difícil ter um relacionamento amoroso e sexual quando somos mais velhas. Mas essas mulheres estão provando que é possível descobrir um mundo de prazer, companheirismo e alegria. É fascinante porque mostra que dá para envelhecer gozando a maturidade.
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Sexo casual e aplicativos da paquera são coisas de jovem?
Vejo que as mulheres não buscam sexo casual, o flerte e a paquera sem pretensão, mas uma pessoa para rir, conversar, sair, ter uma companhia agradável é prioridade. O sexo vem junto, mas não é o principal. Se não for para isso, elas preferem ficar sozinhas, com suas amigas, que têm papel importantíssimo na velhice.
Tem idade para se tornar livre?
É muito difícil ser livre quando se é muito jovem, inexperiente, insegura, sem autonomia financeira nem psicológica. Com a maturidade, é mais fácil se tornar livre.
E por quê?
Você não aceita desperdiçar seu tempo com o que não é prioritário. Aprende a dizer não, fica mais corajosa e autoconfiante. E não quer ser prisioneira das mesmas coisas que foi a vida toda. Eu diria que liberdade rima mais com maturidade.
“Muita gente, quando envelhece, se aposenta da vida. Não só do sexo, dos prazeres”
Qual é a hora de ligar o foda-se?
É quando você não quer mais viver para agradar os outros, cuidar de todo mundo, se colocar em último lugar, fazer coisas que odeia para satisfazer as pessoas. E isso acontece conforme ficamos mais velhas
Com que idade chega esse momento?
Pelas minhas pesquisas, até os 40, 45 anos, as mulheres ainda estão muito preocupadas em serem aceitas. Depois disso, querem viver bem suas vidas, o tempo que lhe resta, que pode ser muito, ou não. A hora de ligar o foda-se é quando você descobre que o tempo é seu maior capital, que não pode ser desperdiçado com vampiros emocionais, pessoas tóxicas e coisas que você odeia.
Por que as mulheres têm tanto medo de envelhecer no Brasil?
Aqui o corpo é um capital – e não é um corpo qualquer. É um corpo jovem, magro, sensual e, apesar de termos outros capitais, ainda somos prisioneiras dessa crença, dessa mulher idealizada. Envelhecer no Brasil é perder esse capital.
O que elas mais temem?
Ficar velha é um estigma. Você tem que ser jovem até morrer, o que é impossível. Por isso, temos pânico de envelhecer, medo de ficarmos invisíveis, desvalorizadas, silenciadas, criticadas, estigmatizadas, com a decadência do corpo e com a falta de liberdade. Por outro lado, muitas de nós podem conquistar tudo aquilo que é mais valorizado em todas as fases da vida, que é a liberdade de ser você mesma.
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O movimento ageless está na moda. Isso é um bom sinal?
Não diria que é o movimento ageless. O que está na moda é enxergar a beleza da velhice, ou a beleza de todas as fases da vida. Ageless é sem idade e o momento é de ter orgulho da própria idade, de todas as conquistas tenha você 60, 80 ou 90 anos. Por isso, prefiro dizer que o velho está na moda. Aliás, que a velha nunca esteve tão na moda como agora. É a grande revolução da bela velhice.
O que é ser uma “velha sem vergonha”?
A “velha sem vergonha” é um movimento lúdico e libertário que criei para perdemos a vergonha de envelhecer, de sermos nós mesmas, do nosso corpo, dos nossos desejos… Ser uma velha sem vergonha é não ter medo de ser xingada de ridícula porque descobrimos que é uma delícia ser ridícula. Ser uma velha sem vergonha é saber rir das inseguranças e dos medos, ser mais livre, mais feliz e, principalmente, saber gozar a maturidade, em todos os sentidos, não só sexualmente. Para gozar a maturidade precisamos aprender a rir muito mais.