Débora Falabella fala sobre maturidade, ansiedade e amor - Mina
 
Suas Emoções / Entrevista

Débora Falabella: “A passagem do tempo é difícil. Mas, para o trabalho que eu faço, é bonito ver a pele enrugar”

A atriz Débora Falabella coloca a maturidade na balança, fala sobre ansiedade, crise de pânico, celebra o lado bom de um relacionamento maduro e assume: "A endorfina virou a minha droga"

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Débora Falabella sempre manteve sua privacidade longe dos holofotes em mais de 20 anos de carreira. É reservada ao falar sobre relacionamentos, família, questões que tangem sua intimidade. Mas recentemente ela resolveu abrir uma frestinha da vida pessoal ao lançar sua conta no TikTok, onde publica bastidores de gravações, curiosidades da rotina e até dancinhas típicas da rede social – tudo divertido e bem-humorado. “Não faço porque amo, poderia estar fazendo outra coisa nesse tempo, mas entendo que é uma maneira da nova geração consumir audiovisual. Comecei a me sentir mais livre pra fazer esse tipo de postagem”, diz. 

“Se não fizer terapia, se não me cuidar física e emocionalmente, embarco fácil na da personagem”

A atriz notou que parte desse público, que não assiste televisão, chegou à novela por meio de seus vídeos. Em Terra e Paixão, folhetim das nove da Globo, ela interpreta Lucinda, uma mulher vítima de violência doméstica, papel que tem exigido muito de seu emocional. E Débora sabe que precisa se cuidar para não embarcar na da personagem. “Depois de uma cena, não consegui dormir, tive taquicardia. Me atinge pensar que estou sentindo algo que milhares de mulheres estão. É muito forte.”

Terapia, exercício físico, meditação, dança, leitura e cinema são escapes e atividades que a fortalecem física e mentalmente. Aos 44 anos, já sabe como cabeça e corpo funcionam, ainda mais se assumindo uma pessoa ansiosa e com crises de pânico na bagagem. 

Na entrevista que você acompanha a seguir, Débora coloca a passagem do tempo na balança, fala da beleza que é amadurecer e ver mais confiança chegar, da importância da amizade entre mulheres e das alegrias que um relacionamento maduro traz. 

Você interpreta a Lucinda na novela Terra e Paixão, uma mulher vítima de violência doméstica. De que forma essa personagem tem mexido com você? 
A minha preocupação era como contar essa história. E sinto até agora uma verdade muito grande na trajetória dessa personagem e no tempo que pode levar. Vejo uma ansiedade grande de muita gente que assiste e diz “por que essa mulher não larga dessa relação?”. Às vezes, culpabiliza ela. Li coisas muito difíceis na internet, mas acho que é o público reagindo a algo que talvez ainda não compreenda.

Que tipo de reações e mensagens você tem visto?
Pessoas chamando a personagem de burra, dizendo que ela deveria apanhar mais para aprender, porque não sai dessa relação. Muita gente ainda enxerga que uma mulher que passa por isso mereceu. É angustiante. Talvez o mais difícil dessa personagem seja viver isso o tempo todo. E por ter uma vida diferente da dela, tenho que tomar cuidado para não me envolver e não julgá-la. Por mais que isso aconteça em qualquer lugar do Brasil, e com pessoas esclarecidíssimas, ela tem uma fragilidade emocional em relação ao marido. Quando não julgo, consigo interpretá-la melhor. Mas não é fácil.

“As mulheres estão querendo mais amizades de outras mulheres, estamos precisando compartilhar as nossas vidas”

Ontem fiz uma cena muito pesada. E envolve todas as mulheres que estão no estúdio, a diretora, a preparadora de elenco. Depois da cena, saí para espairecer mas não consegui dormir. Tive taquicardia. Por mais que a cena seja feita para parecer que ela foi agredida, te atinge pensar que você está sentindo algo que milhares de mulheres estão. É muito forte. 

“Tenho que me policiar para não ficar remoendo as cenas.” | Foto: Jorge Bispo

O que faz para se recuperar de uma cena como essa? Qual é seu escape?

Hoje consigo dormir melhor sem tomar remédio, mas na vida passei por momentos que não dormia bem. Você vai achando maneiras de se desligar. Como estou no Rio gravando [Débora mora em São Paulo com a filha Nina, de 14 anos], tenho que fazer isso sozinha. Quando você está com a família, tem milhares de pessoas pra cuidar, apesar de que continuo tendo que cuidar daqui [risos]. Tenho que me policiar para não ficar remoendo as cenas. Tenho que me cuidar para não pirar junto. Se não continuar a terapia, se não me cuidar fisicamente, emocionalmente, embarco na da personagem fácil.

Já viveu um relacionamento abusivo, com violência física, psicológica, moral?
Violência física não. Mas vi muitas amigas passarem por isso. E tem coisas que a gente descobre sobre a gente mesmo nos trabalhos. Acho que com essa nova onda feminista, que nos proporciona falar mais sobre as nossas dores, muitas vezes cavucando vou encontrar momentos abusivos ou de pressão psicológica em relacionamentos, óbvio. Ainda bem que hoje a gente consegue dar nome a isso. 

Você é ansiosa?
Sou e sempre fui. Só que comecei a dar nome a isso mais tarde. Hoje tudo é muito diagnosticado, então a gente consegue entender mais o que passa. Isso muitas vezes é bom, mas outras vezes é horrível porque existe uma tendência a se medicar por qualquer coisa. Já tomei remédio para ansiedade. Comecei a passar por isso com uns 35 anos, quando acho que a vida aparece na sua frente. Aí vem ansiedade, vem medo. E naquela época foi muito bom junto com a terapia. Mas a terapia foi melhor, porque o remédio só ameniza um sentimento que pode aflorar de uma forma ruim, e te causar pânico e crise de ansiedade. Hoje vejo penso que queria ter começado a terapia mais nova. Não sou uma pessoa tão aberta em relação aos meus sentimentos, então a terapia me ajuda muito, é minha aliada na vida. Faço há uns dez anos. 

O que te levou a buscar a terapia?
A primeira vez foi porque tive crise de pânico. Aparentemente, estava tudo certo na minha vida. Acho que tive dois episódios de uma ansiedade extrema, eu estava no cinema e comecei a passar mal. Depois disso, falei “tem alguma coisa errada”. Fui ao médico, não tinha nada, não era nada do coração, não tinha tido nenhuma discussão, estava tudo bem com os meus exames. E ele falou pela primeira vez “você teve uma crise de ansiedade”. E aí foi a primeira vez que comecei a buscar terapia, remédio. 

“Acho que o amor romântico, às vezes, nos confundem sobre o que é uma relação saudável”



Por quanto tempo tomou remédios?
Parei depois de seis meses. O problema do remédio pra ansiedade é que ele dá uma estacionada nas emoções. O ator tem que achar gatilhos e caminhos pra se emocionar e o remédio me deu uma anestesiada. Tive que achar outras maneiras e aí foi a terapia, a meditação, o exercício físico, que pra mim super funciona. Endorfina realmente é um benefício. Faço funcional, fazia ioga, montei uma pequena academia em casa, aluguei uma bicicleta de spinning. Sou uma pessoa melhor fazendo exercícios. Tem o benefício estético, mas faço pelo bem-estar, sinto menos dor. Eu gosto mesmo.

Como você vem lidando com a passagem do tempo?
Hoje me vejo e me sinto feliz com a imagem. Para a minha profissão, o tempo passar é muito benéfico, apesar de as pessoas dizerem que tenho cara de nova. A minha família tem uma fisionomia jovem. Mas acho harmônico a maneira como isso acontece. A gente precisa ter uma inteligência emocional para lidar com a passagem do tempo. O tempo é difícil, a pálpebra cai um pouco, tem questões. Mas, para o trabalho que eu faço, é tão bonito ver a pele enrugar, a expressão do rosto, ver um papinho que aparece com certo ângulo. Mas é a vida, né? Tenho gostado de me ver.

Você se acha mais bonita hoje do que aos 20 anos? 
Ah, me acho. Mas acho que aos 20 eu me achava bonita de um jeito diferente. Talvez hoje esteja mais confiante. A idade traz um relaxar mesmo… De entender que não tem o que fazer. Não estou dizendo que lido muito fácil. Tem horas que olho e falo “poxa”… mas estou mais tranquila. Eu acho que essa tranquilidade a gente consegue enxergar na cara, no espírito, na vibração, sabe? E aí, a gente se torna mais bonita. Vejo isso em muitas mulheres.

Ter um rosto jovem te atrapalhou em algum momento da vida?
Eu nunca fazia o papel de mãe. Eu falava “está na hora de fazer uma mãe” e continuava fazendo sempre personagens mais novas. Não me incomodava, mas estava com vontade de fazer personagens da minha idade. E consegui esse salto dos 35 para os 40 anos. 

Você citou muito seus 35 anos. Muitas coisas aconteceram nessa idade?
Sim, porque foi final de Avenida Brasil, uma novela que tinha tido um reconhecimento muito grande, relacionamentos acontecendo, talvez isso tenha sido forte para mim. Foi uma fase boa, mas conturbada. Agora, estou numa fase onde estou muito tranquila com a minha vida pessoal, com meu casamento, com a minha vida íntima, comigo mesma, com as minhas amizades. Acho que é algo que cultivei muito mais depois dos 35. Hoje encontro mais amigas do na juventude, isso é muito bonito. Pude perceber como essas amizades me fazem bem.

“Acho que fazendo amizade depois de mais velha, vejo que as mulheres estão muito mais unidas, mais comparsas” | Foto: Jorge Bispo

Quem são suas amigas?
Tenho grandes amigas de infância, minha irmã é uma das minhas melhores amigas, a minha sócia na companhia de teatro, tenho amigas mães de escola. Amigas de trabalho tenho feito mais agora. Acho que as mulheres estão querendo mais amizades de outras mulheres, estamos precisando compartilhar muito as nossas vidas. Por um bom tempo aprendemos que tinha que existir rivalidade. Acho que fazendo amizade depois de mais velha, vejo que as mulheres estão muito mais unidas, mais comparsas. Eu me abro muito mais, tem sido bom. 

Você se casou no fim do ano passado com o produtor de cinema Fernando Fraiha. Qual é a importância do amor na sua vida?
Acho que ainda flerto com o romantismo. Hoje fico muito feliz de ter uma pessoa que está caminhando comigo, sabe? E isso talvez eu ainda não tivesse sentido. Porque acho que o amor romântico, a paixão, às vezes nos confunde sobre o que é uma relação saudável. Eu e o Fernando nos encontramos em momentos parecidos da vida, nos admiramos e isso é algo importantíssimo numa relação. Mesmo nesse momento que estamos distantes fisicamente, porque ele está fazendo um filme no interior de São Paulo, é uma sensação muito boa, segura, saber que qualquer coisa ele está ali. Então, celebro mesmo esse amor. Acho que as palavras são: carinho, respeito, admiração, humor e diversão. E o mais interessante é que somos casados, compartilhamos projetos de vida, mas não moramos juntos.

“A idade traz um relaxar. Ver o tempo passando na sua frente é muito bonito” 

Morar em casas separadas foi uma decisão conjunta? 
Foi. Eu tenho achado muito saudável cada um ter seu espaço. O mais lindo de você casar depois de um tempo é inventar a sua história com a outra pessoa. E a gente tem tido mais liberdade pra fazer isso. Talvez um tempo atrás achássemos que só tinha uma fórmula. E essa nossa fórmula tem funcionado muito. Eu não deixo de me sentir casada com ele, nem ele comigo. É um ganho de um relacionamento maduro. 

Qual é a sua relação com os vibradores?
Eu acho importantíssimo as mulheres estarem falando sobre isso, mas tem uma parte da minha intimidade que não falo publicamente. Acho bom segurar um pouco, a nossa vida, nosso corpo, nossa voz já são tão expostos. As pessoas conhecem nossas rugas, a nossa pele. Mas esse assunto nunca foi um tabu para mim, talvez porque tenha irmãs mais velhas. Eu sempre tive conhecimento do meu corpo desde muito nova. Acho maravilhoso hoje termos brinquedos para todos os gostos e ver que estão mais fáceis de comprar. E tem histórias interessantíssimas de amigas que estão dando vibradores para as tias, para as mães e para as avós. Eu acho lindo isso. 

Aqui na Mina, a gente trabalha muito para naturalizar a masturbação feminina, mas é uma luta!
Os homens sempre falaram disso com muito mais liberdade, até com certo humor, e as mulheres, não. Até hoje vejo o pudor de se falar, por exemplo, que você está menstruada. Outro dia entrei no estúdio e disse “gente, desculpa, demorei porque acabei de ficar menstruada”. E vi que rolou um constrangimento. Mas acho que a minha geração ainda ainda está vendo “nossa, posso falar sobre masturbação, posso comprar um vibrador, posso falar disso abertamente com minhas amigas”. Para as meninas jovens não é questão nenhuma. 

Um segredo de bem-estar?
Eu acho que o prazer está ligado a sexo, à comida, à diversão. O prazer com o trabalho, o prazer de fazer uma cena boa e se sentir bem. E a endorfina, que virou a minha droga.

Como é ser mãe de um adolescente, mexeu com você? 
A minha dificuldade hoje é entender como dar autonomia, porque acho que essa é uma geração que super protege os filhos. Não existia grupo de mães, né? Minha mãe fala, não tinha essa quantidade de gente discutindo a vida dos seus filhos. Então, tem que ter um equilíbrio de deixar essa pessoa viver, lidar com as frustrações do mundo. E é muito angustiante. Eu acho que tem uma supervalorização da maternidade, no mau sentido. E estou me incluindo. Tem uma preocupação com tudo, que nos impede de deixar aquela pessoa ir. E a pandemia ainda deu uma segurada nisso. Meu desafio é entender como amar incondicionalmente, mas deixar com que esse amor também deixe essa pessoa ser livre.

Por que você decidiu entrar no TikTok?
Sempre tive resistência, não conseguia ter naturalidade para postar. Mas vi que a rede social funcionaria como uma forma de divulgação de trabalhos, onde colocaria momentos da minha vida, bastidores, preparação do personagem. Quando entendi que é uma maneira da nova geração consumir o audiovisual, me senti mais livre pra fazer esse tipo de postagem. Não faço porque amo, poderia estar fazendo outra coisa nesse tempo. Mas acho interessante acompanhar a vida de um ator, é isso que quero mostrar. A [cantora e artista] Luísa Matsushita, mulher do meu ex-marido [Chuck Hipolitho], ficou minha amiga e é quem me ajuda, mostra como faz. 

Está trabalhando em algum novo projeto?
Estou desenvolvendo o roteiro de um longa que quero dirigir. Durante muito tempo eu quis, mas a minha síndrome de impostora me impedia. Comecei a ver vários atores dirigindo seus filmes e pensava “por que também não vou?” “Eu acho que não consigo.” Aí resolvi botar esse projeto adiante. Esse roteiro é de uma peça que fiz, que se chama Mantenha Fora do Alcance do Bebê, e fala sobre relações de trabalho, sobre a pressão da maternidade em cima da mulher, sobre a supercapitalização da maternidade e como elas lidam com isso. 


A síndrome de impostora é um tema que você leva para a terapia?
Sim. Acho que hoje tenho menos isso com a minha profissão. Mas com coisas que nunca fiz, que vou me arriscar pela primeira vez, eu tenho. Principalmente as que acho que ainda não sou capaz de realizar. Porque queria ter estudado mais. Às vezes, eu sei que sei como os outros, ou até mais, e vejo pessoas dirigindo, criando, e falo, “por que eu não vou?” Dessa vez, resolvi dar esse passo.

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