Quinta-feira à noite, você marcou com seu namorado de irem num show de uma cantora Argentina que você ama. Convite comprado com 3 meses de antecedência – show intimista, lugar charmoso, um dia antes do aniversário de namoro de vocês. Seria uma sincronia cósmica? Até poderia ter sido… não fosse pelo fato dele ter chegado 22 minutos atrasado e não ter saído do celular durante toda a apresentação.
O fim da noite supostamente romântica se transforma numa volta silenciosa rumo à casa dele. Você, passivo-agressiva, responde monossilabicamente. Até que ele se incomoda com seu incômodo e te ataca dizendo que você está fazendo tempestade num copo d’água… Pronto: toda raiva contida irrompe em pranto e você transborda todas as queixas em uma briga no puro clima “livre-associação”, que vai do incômodo pelo descaso no show à irritação pela forma como ele não coloca limites na própria mãe.
Incômodo, irritação, frustração, raiva, tristeza ou desapontamento? O que exatamente você que me lê sentiria se estivesse passando por isso? “Mas faz diferença?”, você pode estar se perguntando… De acordo com a psicologia e a neurociência, faz.
Quem falou em controlar suas emoções?
Mais do que entrar em contato com nossas emoções, precisamos aprender a nomeá-las para melhor entendê-las. Isso nos ajuda também a desenvolver ferramentas para lidar com todos os turbilhões que passam dentro de nós e também com as emoções dos outros. A questão é que nos falta vocabulário e ambientes seguros para falarmos de sentimentos sem sermos corrigidos ou repreendidos. Nos falta letramento afetivo.
Letramento afetivo é um conceito cada vez mais abordado pelas ciências humanas, que busca ampliar nosso repertório de palavras para nomear nossas emoções e também nossas ferramentas para lidar com cada uma delas. E lidar, é bem diferente do que “resolver”. Aponto isso pois a maioria de nós aprendeu que existem emoções boas e emoções ruins, sendo que as desse segundo grupo devem ser evitadas, contidas, controladas ou superadas o mais rápido possível.
“Podemos lidar com emoções desconfortáveis de uma forma construtiva ou destrutiva”
Quem nunca sentiu vergonha de ter ciúmes da amiga ou medo da própria angústia em meio à uma madrugada de insônia? A falsa ideia de que ser maduro no trabalho, com os filhos e família é conter as emoções faz com que neguemos processos que são inteiramente humanos. Não existe vida sem frustração, medo, raiva, desapontamento…
Paul Ekman, psicólogo americano pioneiro no estudo das emoções, defende que “as emoções não são por si destrutivas, e sim a forma como a gente lida com elas. Podemos lidar com emoções desconfortáveis de uma forma construtiva ou destrutiva. Essa lógica nos ajuda a parar de vilanizar algumas emoções”.
Cuidado com os gatilhos
Para nos ajudar nesse processo de entrar em contato com as emoções e suas reverberações em nós, Paul Ekman e Dalai Lama criaram o Atlas of Emotions uma interface simples, didática e interativa que nos ajuda a mapear as emoções que estão dentro de grandes grupos de emoções; identificar os gatilhos que nos levam a elas e suas reações mais comuns.
O trabalho mapeou 5 emoções universais: alegria, tristeza, medo, raiva e nojo. Cada um dos grupos funciona como uma espécie de “continente sentimental” que é ativado por gatilhos similares e gera estados físicos, psicológicos e reações também parecidas.
Não queremos nos livrar das emoções e sim responder a elas de maneira mais útil
O interessante da proposta é que, ao adentrar em cada um dos continentes, descobrimos seus países – que são nossas nuances emocionais. Na raiva, por exemplo, temos a irritação, a frustração, exasperação, propensão à discutir, rancor, sentimento de vingança e fúria. “Nossas emoções se desenrolam em uma linha do tempo. Tal linha começa com um gatilho que leva a uma experiência emocional, e por fim resulta em uma resposta.” explica Ekman.
O mesmo gatilho pode levar a diferentes respostas, dependendo da emoção que sentimos e, saber nomear a emoção com mais assertividade nos ajuda também a descobrir quais são as reações mais comuns e quais poderiam ser escolhas mais construtivas para nós e para nossas relações. “Não queremos nos livrar de nossas emoções, e sim ter estratégias que nos ajudem a responder a elas de maneiras úteis, construtivas.” defende Ekman.
A história por trás do sentimento de agora
Dentro desse processo de educação emocional vale começar a desenhar sua própria “cartografia sentimental” para descobrir que pensamentos, condições e crenças têm interferido na forma como você se sente e age hoje. Aqui vale olhar:
A pré-condição: como você chega nessa situação-gatilho? Está num dia atarefado? acabou de discutir com alguém? Está cansada? Tudo isso interfere na forma com que você sente e reage e deve ser levado em consideração.
Banco de dados emocional: quais histórias do passado criaram traumas e crenças em você? Será que a irritação com o tal namorado que não saiu do celular pela 1a vez é pelo tal show da argentina ou será que é eco do seu último relacionamento, em que seu ex passou os 2 anos de amor dividindo a atenção entre você e o microsoft teams do celular? Catalogar nosso banco nos ajuda a identificar experiências anteriores, traumas, valores e visões de mundo herdadas, que condicionam e influenciam seu momento presente.
O contexto: em que momento ou local esse gatilho aconteceu? Você estava num ambiente em que se sente à vontade? Já estava num lugar estressor? Era um espaço onde você podia se expressar livremente ou que pedia contenção?
Estado emocional e físico: quais são as reações que cada gatilho gera? A desatenção do namorado te faz tensionar as mãos? Te deixa tensa? Cansada? Frustrada? Comece a entender seu modus operandi.
Você vai se irritar e explodir ou aceitar e aproveitar o que é possível?
Na maior parte do tempo agimos numa lógica “estímulo-resposta” com reações cada vez mais rápidas e contaminadas por tensões e traumas do passado. Fazer essa sua “cartografia emocional” te ajuda a ser menos dominada por emoções e reações e, aos poucos, escolher com presença e consciência a forma como responder às situações do cotidiano. O convite é prestar atenção no fluxo de como você pensa, sente e se comporta e, aos poucos, ir ampliando o repertório, vocabulário e os caminhos possíveis para te tirar de reações automáticas. Assim, ao invés de tentar controlar ou negar as emoções, vamos aos poucos encontrando nossas próprias ferramentas para navegá-las.
Por que não, não vai dar pra controlar a tempestade que deixa SP sem luz por 5 dias nem o chefe controlador do seu namorado. Mas você pode escolher se vai se irritar e explodir ou se vai aceitar e aproveitar o que é possível. “À medida que o tempo passa, ganhamos alguma clareza e a habilidade de fazer escolhas conscientes. Com consciência, podemos parar antes de reagir e escolher a resposta que melhor se aplica a nossos objetivos.” explica Ekman
Além do Atlas of emotions, vale conferir o Atlas do coração – livro e série de Brené Brown que também ajuda a mapear nossas conexões e emoções