O bem-estar das redes sociais não existe - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

Achou uma receitinha de bem-estar express: fuja!

Na tentativa de resolver tudo rapidinho para ter mais tempo e menos culpa, o exercício, a comida e a meditação express parecem a salvação. Entenda essa armadilha e troque a rapidez pela construção de algo mais duradouro

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Às vezes você só quer tomar um café preto em paz, abre o Instagram para fazer as atualizações, e dá de cara com aquela pessoa que fez uma pequena série de respiração profunda e bateu o suco verde que já estava semi-pronto no freezer. Sob as asas do “não leva tempo para se cuidar”, aquele post aparentemente inocente pode te fazer sentir para trás. Como você só está tentando reunir forças e seguir para mais um dia, enquanto o outro já fez tanto? E em tão pouco tempo?

A refeição saudável, o exercício intenso e o relaxamento necessário para seu bem-estar estão lá no seu feed em pequenos pacotes de três minutos. Parece irresistível, mas é igualmente ilusório. “Bem-estar é subjetivo e não pode ser pasteurizado. Na corrida contra o tempo, as pessoas querem algo imediato, mas ele é uma construção diária, nas áreas biológica, psicológica, social e espiritual.”, diz Ricardo Monezi, professor de Psicobiologia e membro do Núcleo de Práticas Integrativas da Unifesp. 

Cair no conto do rapidinho? Você já passou por isso! Resolver suas questões sem muito esforço parece o melhor dos mundos 

“O bem-estar expresso tem a ver com a lógica do tempo em que vivemos com uma cultura que tenta excluir o negativo da vida. Só que não há bem-estar sem mal estar”, diz André Alves, psicanalista e co-fundador da @floatvibes. “Há uma indústria do autocuidado que me lembra que estou mal o tempo todo e que é só comprar uma experiência ou visitar algum lugar que aquilo passa. Mas, na verdade, é preciso muita percepção e conhecimento para mudar algo dentro de nós”, fala. 

Sem deixar de lado seus momentinhos

Parar depois da reunião para tomar um chá enquanto faz carinho no seu gato, fazer uma caminhada a mais e pensar em sua respiração ao longo do dia são pílulas que têm seu valor. Os especialistas concordam que pequenas pausas na rotina são fundamentais para aguentar o tranco. Mas servem como um complemento de outras práticas mais profundas e constantes. 

Se você se estressa com o trânsito, vale mais meditar antes e todo dia para se preparar para aquele momento, do que rapidinho enquanto está parada. 

O tempo é necessário para que haja uma percepção psíquica de como lidar com os nossos desafios 

“Do ponto de vista biológico, quando passo a me sentir bem comigo, tenho liberação de substâncias que me dão contentamento e relaxamento e que me fazem pensar com mais clareza nos desafios do dia a dia”, fala Ricardo Monezi. Meditar, respirar profundamente, ouvir mantras no carro não adianta? “Adianta, como complemento.” 

Inclusive, se afastar só um pouquinho do scroll diário já pode trazer resultado: em um estudo publicado em fevereiro deste ano, pesquisadores da Universidade de Swansea (EUA) descobriram que reduzir o uso das mídias sociais em apenas 15 minutos por dia teve um impacto positivo no bem-estar dos participantes. Uma mudança na vida social e na vitalidade deles.

Como chegamos aqui?

A pandemia e o mergulho no virtual das redes sociais explicam bem. Por um bom tempo ali era o contato com o outro, com o mundo. E, apesar de a gente já falar com certo distanciamento do isolamento social, é ingenuidade pensar que os efeitos passaram ou não mudaram nosso comportamento. O relacionamento com o tempo está diferente. “Passamos a comprar facilitadores para ter mais tempo e recuperar o perdido. O boom dos aplicativos de comida é um bom exemplo: eu não gasto minha energia fazendo comida, mas invisto meu dinheiro para ter tempo. No fim, a gente acaba nem sabendo o que quer e o que fazer com o que sobra”, diz Monique Lemos, antropóloga e estrategista, fundadora e CEO da @topofutures, laboratório de futuros plurais. 

Para Monique, depois de tanto tempo off, em um contato aprofundado com o virtual, a dimensão do que é real mudou e às vezes optamos por fazer um exercício rapidinho em uma live no lugar de descer e dar uma volta na rua para ver gente. 

Já o trabalho trouxe o impacto de resolvermos tudo ali na sala, como as reuniões de trabalho intercaladas com um treino sem muito esforço do YouTube. Afinal, estamos na era do “está pago”, em segundos resolvemos a saúde. Ah, e se você não posta não faz efeito, dizem. “O fenômeno do lazy workout traduz isso: com ele é possível resolver sua rotina de exercício na cama, como se você não tivesse mais desculpa para não ser gostosa”, fala. 

Um caminho a seguir? Temos!

Como ter bem-estar duradouro sem soluções rápidas é a pergunta de milhões. A questão não é vilanizar somente o mundo virtual, o compartilhamento da sua vida, pois há um papel importante de comunicação e interação nas redes – eu e você, inclusive, somos parte disso. 

Será que não está na hora de pensar no papel que essa avalanche de dicas e soluções nos trazem? 

Acima de tudo, fazer escolhas, pois estas, sim, estão em nossas mãos. “Tem que diminuir o barulho, e se retirar dessa promessa ou desse delírio que nosso bem-estar está no vídeo de dois minutos ou em uma respiração de distância. O “vem aqui respirar comigo” não é dica de bem-estar, mas sim um gatilho de engajamento. Temos que conseguir interromper e estabelecer uma relação mais consciente com o bem-estar que é algo radicalmente individual, os caminhos que nos constituem são únicos”, conclui o psicanalista André Alves. 

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