Bela Gil fala sobre amor, política, sexo e finitude - Mina
 
Suas Emoções / Entrevista

Bela Gil: “Penso muito mais no futuro do mundo do que no meu”

Pouco preocupada com os julgamentos alheios, Bela vive agarrada a seus princípios. Expõe a família e sua intimidade quando é para ajudar a quebrar tabus e sacudir a mesa dos brasileiros. Apegada no que dá pra fazer hoje, a chef e apresentadora fala de amor, política, ultraprocessados, sexo e finitude

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Bela Gil não está muito interessada em pensar sobre seu futuro, o que lhe interessa é o futuro do planeta, da sociedade. Vamos conseguir inverter a lógica que beneficia a indústria dos ultraprocessados ao invés do pequeno produtor? Será que a política vai entregar tudo que precisa para garantir a saúde da população? Quando todas as famílias serão acolhedoras com seus filhos gays como ela foi com Flora? 

Não é exagero dizer que Bela não planeja o futuro, mas está sempre um passo à frente. Foi assim quando estreou em 2014 o Bela Cozinha, um programa sobre alimentação saudável, quando pouca gente ainda sabia o que era chia. Foi assim quando virou meme em tempos onde meme mal existia e foi pioneira em invencionices culinárias hoje tão comuns no feed do Instagram. Vocês não concordam que se a melancia grelhada aparecesse hoje, daria a mão pro sorvete de abacate e para o pirulito de maçã e seria apenas hit em salvamentos no Instagram?

“As pessoas ficam só esperando uma escorregada para meter aquele cancelamento digital”

Aos 36 anos, Bela coleciona desbravamentos, o último deles como apresentadora e comentarista de TV. Sim, porque enquanto todo mundo esperava que fosse assumir um cargo no governo, ela apareceu toda produzida falando de pum vaginal na telinha. “Gosto de me entregar às oportunidades. Claro que tem o bônus e o ônus, mas tá tudo bem. Pelo menos eu tô feliz comigo”, garante. 

Bela não faz nada na ânsia de surpreender, mas não está nem aí para aqueles que ainda se chocam com o que ela diz ou como leva a vida. E, depois de perceber que tudo pode (e muito provavelmente vai) virar notícia, ela bate no peito e aceita a missão: “jamais vou cair nesse lugar de ‘não vou dizer isso porque o povo vai falar’, até porque qualquer coisa hoje viraliza, para o bem ou para o mal. Muitas vezes as pessoas ficam só esperando uma escorregada para meter aquele cancelamento digital”. 

Empresária, mãe de dois, recém-saída de um casamento de 19 anos e sempre pronta para lutar por uma alimentação saudável na mesa de cada brasileiro, Bela Gil cita uma música do pai quando insistimos em perguntar o que vem pela frente: “o melhor lugar do mundo é aqui e agora”. E hoje, ela está aqui, numa entrevista exclusiva para Mina, onde muito nos interessa sua liberdade, sua maternidade, seu prazer, sua visão sobre alimentação e sobre o mundo. 

Você voltou ao Brasil num momento em que a gastronomia estava no auge e estreou um programa de TV com uma proposta diferente para a época. Como avalia sua trajetória e essa convergência entre o que você trazia e o que o mundo tá preparado para receber?
Bem pontuado. Há pouco mais de dez anos, as pessoas não estavam preparadas para o que eu fazia no Bela Cozinha, muitas vezes nunca nem tinham ouvido falar de certos ingredientes. Mas ao longo do tempo, fomos criando ferramentas para os espectadores conseguirem absorver informações e descobrirem como cuidar melhor da saúde através da alimentação. Hoje, está muito claro que a maior causa de mortes no Brasil é decorrente de doenças crônicas não transmissíveis, como câncer, diabetes e doenças do coração. Todas relacionadas ao nosso estilo de vida e isso inclui alimentação. Acho que tanto como sociedade quanto individualmente, a gente tem avançado nesse debate e isso se tornou uma pauta importante na vida de muita gente. Além disso, o mundo mudou muito. Hoje, além de encontrar leite vegetal na prateleira do supermercado, as pessoas também fazem o preparo em casa. Há debates sobre alimentação na pediatria, reuniões de pais sobre merenda escolar e chefs de cozinha fazendo melancia na brasa!

Hoje, vemos projetos muito bacanas como o Gastronomia Periférica e o Mais um Dia no Barraco. Dá pra dizer que a comida vegetariana e vegana se democratizaram ou as pessoas ainda associam a algo elitizado? 
Tem um pouco de tudo. Dá para termos uma alimentação vegana de maneira mais econômica e o trabalho dessas pessoas que você citou é fundamental para ajudar a popularizar esse pensamento. Porque o brasileiro entende como um prato completo, o prato que tem carne. É um item essencial tanto para o paladar, quanto para a saciedade e o prazer, mas a diversidade alimentar é muito importante. Pra uma comida ser saudável, depende muito do contexto: onde você está, em que clima, do tipo de cultivo e da região. Obviamente, essas coisas mudam, mas tenho esperança de que a gente possa migrar para uma cultura que enxergue o vegetarianismo e o veganismo não só como uma alternativa, mas como um padrão. Isso não significa necessariamente que todo mundo tem que deixar de comer carne, mas entender que não precisa ser sempre. Se a gente pensar: arroz e feijão é um prato vegano, vegetariano. É saudável? Se for comparado a um ultraprocessado, sim, mas, se a gente falar de uma alimentação agroecológica, orgânica, quanto de veneno tem ali? Então, essa é uma discussão que tem muitas camadas.

“Não aceitei o convite do presidente porque percebi que iria me frustrar mais do que qualquer coisa”

Falando de ultraprocessados: já estamos apavoradas? 
Muitos estudos vêm falando sobre alimentação e consumo de produtos ultraprocessados. Um deles mostrou a relação do consumo desses alimentos com 32 doenças e outro, feito em 2019, revelou que 57 mil brasileiros morrem por ano devido ao consumo direto de ultraprocessados. Veja, esse número é maior do que a quantidade de pessoas que morrem por homicídio por ano! Ou seja, esses produtos não podem ser propagados como a salvação de nada. O consumo de ultraprocessados começou porque mais mulheres estavam ingressando no mercado de trabalho e as empresas começaram a lançar produtos mais práticos, obviamente, com muita propaganda. Quando esses alimentos são instituídos o paladar vicia, não tem jeito. Na educação alimentar de uma criança, se você introduz um alimento ultraprocessado, como um achocolatado, por exemplo, muito dificilmente essa criança vai aceitar um produto in natura.

Você é a favor de algum tipo de proibição?
Não. Pelo menos não completamente, mas é preciso levar informação e fazer com que as pessoas saibam dos riscos. Está na hora da gente entender, como Estado, que tipo de comida a gente quer oferecer para o nosso povo. Nosso país, nosso governo e a nossa sociedade não podem compactuar com esse genocídio silencioso. Eu penso que dentro de uma alimentação saudável, cabe tudo. Se tiver um produto ultraprocessado que te traga uma memória afetiva e que ainda assim você queira consumir, tudo bem. Mas é preciso saber como encaixar ele na sua vida sem comprometer sua saúde. Acho que é por aí.

O Brasil é um dos maiores produtores de comida do mundo. Como você avalia termos voltado ao mapa da fome? 
É lamentável a forma como a fome foi restituída no Brasil. Uma das maneiras desolucionar esse problema é com vontade política, investindo em incentivo fiscal e apoio técnico para a agricultura familiar, que produz a maior parte dos alimentos que consumimos. E também ativando uma política rígida de reforma agrária, melhorando as compras públicas de alimentos e sua distribuição. E, por fim, é preciso tirar o povo da pobreza.

O que te fez recusar o convite do presidente Lula para comandar a Secretaria Especial de Alimentação Saudável? Muita gente te viu ali.
Falar sobre como a gente pode melhorar a saúde da população brasileira me entusiasma demais. Dar acesso a uma alimentação saudável, vislumbrar e fazer acontecer mudanças substanciais é a minha grande motivação. Individualmente, eu faço o que eu posso, mas não é o suficiente. Como que a gente ataca o coletivo? Com políticas públicas. E onde é que eu vou mexer em políticas públicas? Na política. O caminho parece muito lógico, mas não é tão fácil na prática. Recebi este convite do presidente sim, para um cargo que seria instituído. Poxa, simbolicamente, seria muito importante, maravilhoso! Mas desisti porque não me senti preparada, não tinha as ferramentas necessárias para poder realizar mudanças e percebi que iria me frustrar mais do que qualquer coisa… e eu não quero perder a esperança na política, sabe? Essa vontade não morreu em mim, ela só não está mais tão latente agora.

Por outro lado, você se revelou uma apresentadora provocadora no Saia Justa, do GNT. Como você lida com as oportunidades que aparecem na tua vida?
Eu me contento. Todas as críticas que já sofri me fizeram entender que eu gosto de questionar o status quo e que tudo bem eu ter ideias não convencionais. Por outro lado, sou uma pessoa muito aberta, gosto muito de ouvir, me questiono. E mudo de opinião também. Gosto de aprender, compartilhar ideias. A única coisa que não vou é me tolher ou me calar, não funciona pra mim. Se me chamaram para um programa de debate e de opinião como o Saia, as pessoas vão ter uma ideia de como a minha cabeça funciona. No geral, acho que isso acaba sendo interessante, porque traz uma diversidade e faz as pessoas enxergarem as coisas por outros ângulos. Enfim, se entregar às oportunidades tem o bônus e o ônus. E tudo bem. Pelo menos eu tô feliz comigo, sabe? 

“Há um moralismo institucionalizado que precisa ser questionado. Sexo não deve ser tabu”


Tudo que você disse foi parar na mídia, tipo “Bela Gil diz que o pum vaginal tem que ser naturalizado”, “Bela Gil se declara sapiosexual”. A exposição que o programa trouxe te incomoda? 
Tento não cair nesse lugar de ‘não vou dizer isso porque o povo vai falar’, até porque qualquer coisa hoje vira notícia ou viraliza, para o bem ou para o mal. Muitas vezes as pessoas ficam só esperando uma escorregada para meter aquele cancelamento digital. Acontece que, quando a gente gosta muito de uma coisa ou algo nos faz muito bem, a gente gosta de compartilhar. Obviamente não vou levantar discussões que não me cabem. Mas nesse caso específico, a pauta era sobre como você se comportaria em certas situações. Para mim, falar de pum vaginal foi uma libertação! É sobre uma relação íntima, gostosa e de confiança da gente com o nosso próprio corpo. E gente, é uma coisa que acontece. Inclusive comigo. Temos que tirar esses assuntos do pedestal dos tabus, sabe? Vamos naturalizar, gente.

Qual a importância do sexo na sua vida?
Grande. Eu gosto muito de fazer sexo, me traz uma potência criativa enorme, e, para além disso, eu gosto de transar, do encontro. Mas acredito que são fases. Nem sempre estou nesse ritmo, com essa libido toda. A função do sexo na minha vida está muito relacionada ao autoconhecimento. Me conhecer, saber do que eu gosto, conseguir me colocar. E quanto mais a gente se conhece, mais gostoso fica. O autoconhecimento tira a imoralidade do ato e também de um objeto como o vibrador, por exemplo. Tudo isso me trouxe muito do entendimento da opressão do patriarcado na vida das mulheres. Há muito moralismo institucionalizado por uma catequização que precisa ser questionada. Se você sente desejo, não deve ser ruim, imoral. Não deve ser tabu. Porque, gente, é maravilhoso! 

Conta sua relação com vibrador pra gente?
Tive meu primeiro com uns 17 anos. Acho que o vibrador funciona como um instrumento que pode potencializar o nosso prazer, o nosso gozo e consequentemente o nosso bem-estar. Aliás, a Angélica quando foi ao Saia Justa levou um sugador de presente pra gente, que pela-mor! Eu amo! [Bela se refere ao Match, que é sugador e bullet ao mesmo tempo]

Há alguns anos seu pai ficou bastante doente e, no ano passado, a Preta passou por um câncer. Vocês conversam sobre isso? Como você encara a ideia de finitude?
Voltei dos Estados Unidos muito por conta da doença do meu pai, queria ficar mais próxima. E, quanto à Preta, meu pai perdeu um filho [o baterista Pedro Gil, que faleceu depois de sofrer um acidente de carro, em 1990] então eu imagino que tenha sido muito doloroso se deparar com essa ameaça com outra filha. Mas meu pai, tanto no processo dele quanto no da minha irmã, foi de uma serenidade sem igual. A gente conversa bastante sobre a relação dele com o mistério da vida, com essa questão da finitude. Aliás esse é um dos seus assuntos prediletos. Quando ouvi pela primeira vez a música Não Tenho Medo da Morte, eu pensei: “Como é que alguém consegue colocar em palavras toda essa angústia, essa mistura de sentimentos em relação à morte?” Ao contrário de muitas pessoas da sua geração, meu pai é uma pessoa que gosta da velhice, ele abraça e aceita o fato de estar mais próximo da morte. Ele me deu muitas ferramentas para lidar com esse assunto. Com as práticas de yoga e as teorias e filosofias orientais que falam muito sobre a morte, meu pai foi um dos canais para o desenvolvimento da minha espiritualidade.

Qual a dimensão da família na sua vida? 
Eu cresci com uma família muito grande e unida, todo domingo tinha almoço com a família de sangue, a estendida e os agregados, então cresci gostando e entendendo a importância da socialização. Mas passei quase 12 anos da minha vida fora do Brasil, formei a minha própria família, então posso dizer que tive uma relação muito saudável, não tem aquela dependência emocional. Mas, filosoficamente falando, talvez a gente dê um peso muito grande para essa família nuclear de pai, mãe e filho. Aliás, eu questiono muito esse modelo que foi institucionalizado na nossa sociedade de que só um casal hétero com um filho pode ser visto como uma família do bem. Acho interessante enxergarmos outros modelos de família.

No ano passado, você se separou do JP Demasi, com quem ficou casada por 19 anos. Conta um pouco da história de vocês. 
Sim, quando a gente se conheceu eu era ainda adolescente e era aquele namoro maravilhoso, mudamos juntos para a França, depois para os Estados Unidos e tivemos nossos filhos. O JP sempre foi muito parceiro, é uma pessoa que eu achei na vida. Sou sonhadora, com mil ideias e ele sempre embarcou. JP é um realizador, sempre me botou para frente, a gente tem muita troca, então, posso dizer que tive um casamento muito feliz. Também nunca me importei com a vida dele fora de casa, se ia pegar alguém ou não. Quando a gente se separou, foi uma decisão difícil, porque eu tinha aquela pressão do ideal de família e de mulher: bem-sucedida, mãe de um casal, com um marido lindo. Claro que veio o questionamento: ‘Você vai botar tudo isso a perder?’. Mas foi importante. Estou num momento de transição, de me entender profissionalmente, onde eu quero estar, com ideias e pensamentos mudando. Queria um tempo para mim, sozinha. Mas a gente se dá bem e tem uma relação muito boa porque esse encontro é pra além da paixão, do tal do amor romântico. A parceria profissional não morreu, somos sócios no nosso restaurante, no Camélia Ododó, e ele ainda é meu empresário. Está tudo certo.

“Ser mãe da Flor é o maior presente que eu posso ter na minha vida”


No ano passado, você compartilhou uma conversa que teve com sua filha Flor onde ela contou que é gay. Depois, falou no Saia Justa que ela tinha saído de casa pra morar no Rio. Como é que é para você ser essa mãe?
A distância não é a coisa mais agradável, porque a gente sente saudade, tanto eu quanto ela. Mas a Flor é uma menina muito madura, talentosa, responsável. Essa escolha cabia na nossa realidade e foi muito importante para ela. É uma menina que cresceu num ambiente muito respeitoso, que não tem julgamentos morais. A questão da sexualidade acho que representa muito essa nova geração que não coloca peso ou culpa nas suas escolhas e nos seus desejos, principalmente os sexuais. É uma geração que questiona muita coisa que precisa ser desmantelada para ter mais liberdade. Compartilhei aquela troca de mensagens porque achei que pudesse ser inspirador para outras pessoas. O objetivo, tanto meu quanto dela, foi mostrar uma conversa natural sobre isso. A gente recebeu muitas mensagens tipo ‘Ai, quem me dera se a minha família fosse assim’, ‘Tive que esconder por não sei quanto tempo’, enfim. Ser mãe da Flor é o maior presente que eu posso ter na minha vida.

Como é que você lida com a passagem do tempo? E como é que você se vê daqui a 20 anos?
Penso pouco sobre o meu futuro, penso muito mais no futuro do mundo do que no meu. Como é que o mundo vai estar? Acho que sou meio como meu pai nesse sentido. Ele sempre foi meio tipo “vou fazer desse limão uma limonada”, ou seja, se é o que a vida está me dando agora, é o que eu vou fazer. É bem aquela música dele: “O melhor lugar do mundo é aqui e agora”. 

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