Como lidar com a ansiedade de separação do seu cachorro - Mina
 
Seus Relacionamentos / Reportagem

Cães aflitos, tutores desesperados: como lidar com a ansiedade animal

A necessidade do home office na pandemia foi pura alegria para os nossos amigos peludos. Agora, com o retorno aos escritórios, muitos cachorros sofrem de ansiedade de separação, o que causa transtorno e sofrimento também nos humanos. Mas há saída

Por: e
11 minutos |

A pandemia chacoalhou a rotina de geral. Trabalho virando remoto, crianças sem ir à escola, namorados decidindo morar juntos e muito, mas muito tempo em casa. Para a turma dos que tem cachorro de estimação, ficar na companhia deles em tempo integral pareceu um alento no primeiro momento, mas acabou virando um pesadelo quando chegou a hora de voltar a circular. Esse grude todo fez com que os pets desacostumassem a ficar sozinhos e desenvolvessem uma coisa chamada ansiedade de separação. 

+ Leia também: 7 plantas que você não vai conseguir matar 
+ Leia também: 5 iniciativas que promovem o bem-estar na cidade 

Sim, os cães também sofrem de problemas psicológicos. E esse em específico se dá quando o cachorro apresenta um desconforto emocional persistente e intenso ao ficar afastado da pessoa a que ele tem apego, ou quando percebe que estão prestes a se separar, explica Thais Vaz Oliveira, veterinária e cofundadora do Porakaá, canal especializado em comportamento e bem-estar animal. Choros, uivos e arranhões em portas e janelas são alguns dos sinais. “Isso pode acontecer quando o tutor sai de casa e deixa o bicho, ou em períodos menores, quando entra em um estabelecimento comercial e prende o cão do lado de fora”, diz.

“Adotamos a Stella aos 4 meses, no início da pandemia, época em que ficávamos 24 horas em casa. Logo depois eu engravidei, então eu já estava mais maternal e cuidava dela literalmente como um bebê”, relata a empresária Vanessa Araujo, de São Paulo. Atualmente com quase dois anos, a vira-lata sofre mesmo quando fica sozinha por períodos curtos ou com outras pessoas. “Ela acaba destruindo coisas de casa”, conta.

A vira-lata Brenda, de 14 anos, de Larissa Souza, desacostumou a ficar ela na pandemia, mesmo tendo a companhia do shit-tzu Barthô

Esse tipo de relato tem sido comum entre quem tem cachorro. A convivência intensa deixou os bichos mal acostumados –  mesmo os que já tinham o hábito de passar horas a fio sozinhos antes da pandemia. A profissional de marketing e passeadora de cães Larissa Souza, de São Paulo, diz que a sua vira-lata Brenda mudou totalmente de comportamento após o dia a dia de home office.  “Ela já tem 14 anos e nunca foi muito de carinho e nem demandava tanta atenção. Agora, com esses dois anos de atenção intensa, passou a sofrer quando saímos.”

Não importa se a tutora vai até a portaria buscar uma encomenda ou se sai para um evento de 5 horas, o efeito é o mesmo. “Ela arregala muito os olhos e demonstra desespero quando estamos saindo. Além disso, faz xixi no tapete 100% das vezes, algo que não acontecia antes”, conta Larissa. Ela também tem um shit-tzu de 4 anos, que não foi afetado pelo mesmo problema. Mesmo tendo a companhia dele, Brenda sofre sem os donos.

Sofrimento externalizado

Quem não tem bicho pode até pensar que basta ignorar essa situação e esperar pacientemente que o cachorro se adeque à nova realidade, mas é difícil acompanhar esse sofrimento de perto. A ansiedade de separação leva os animaizinhos à latidos excessivos, uivos intensos e choros estridentes – o que também acaba causando problemas com os vizinhos. Outros comportamentos são ainda mais preocupantes: destruição de móveis e objetos pessoais dos moradores da casa, urinar e defecar em lugares errados (mesmo quando já são treinados para fazer no lugar certo) e falta de apetite (alguns ficam inclusive sem beber água até que os donos cheguem). “Tudo isso é uma forma de canalizar essa carência e falta de atenção. Mas os cãezinhos fazem inconscientemente e jamais devemos dar broncas, pois isso pode criar traumas ainda maiores”, ensina o adestrador Oliveira, colaborador da ONG LatiCão.

“Eu ficava muito nervosa toda vez que ia sair porque sempre que voltava era uma surpresa”

Um dos níveis mais graves do transtorno é quando os animais acabam se automutilando, alguns se mordem, outros lambem exageradamente as patas. Foi o que aconteceu com Nino, o cavalier da administradora de empresas Rachel Daré, de São Paulo. “Eu fiquei muito preocupada porque demorei a descobrir o que era. Saía e quando voltávamos, ele tinha se lambido todo. Esse comportamento começou a machucar, levamos ao veterinário, fizemos diversos exames e não foi detectada nenhuma doença, era totalmente emocional”, relata.

Os donos também sofrem

Acompanhar o sofrimento dos bichinhos é duro para os tutores, que querem vê-los sempre calmos e felizes, mas o emocional dos humanos fica ainda mais abalado quando são impedidos de fazer o que gostam por causa desse cenário. É o caso da publicitária Luciane Trentin e seu marido Rodolfo, que vivem em Itacaré, na Bahia. Eles amam viajar, ir à praia e fazer trilhas. Incluem suas companheiras (a vira-lata Odara, de 2 anos, e a rotweiller Tieta, de 4 anos) sempre que possível, mas volta e meia precisam ir sozinhos – o que se complicou após a convivência na pandemia. 

“A gota d ‘água foi quando viajamos por quinze dias, no réveillon, e deixamos as duas cachorras com uma amiga, que ficou 100% do tempo disponível para cuidar delas. Mesmo assim, não foi o suficiente”, conta Luciane. Durante uma explosão de fogos de artifício, Odara fugiu e só foi encontrada 48 horas depois. “Desde então, ela tem tido comportamentos muito difíceis, principalmente conflitos com Tieta, com quem sempre brincou e se dava bem”.

“É angustiante não ter uma solução rápida, mas temos confiança de que conseguiremos”

Deixar a cachorra sozinha em casa se tornou missão impossível, fazendo com que o casal se sentisse refém dessa situação. “Estamos tentando nos libertar um pouco disso, pois é algo que nos gera muita ansiedade. É angustiante não ter uma solução rápida, mas temos confiança de que conseguiremos.” Eles buscaram ajuda de especialistas em comportamento canino e, embora já tenham notado melhoras em duas semanas de treino, sabem que a solução não vem de uma hora para a outra.

Como resolver o problema?

A situação é dramática, mas tem solução. No entanto, como apontou Luciene, não existem milagres nesse caso. O caminho é longo e desgastante para todos os envolvidos. É preciso ter paciência – e, na maioria das vezes, dinheiro. Uma hora de treino com um adestrador ou especialista em comportamento animal varia entre cem e trezentos reais, dependendo da região. Para ver resultados em casos de ansiedade de separação, é necessário de mais de um encontro semanal por um período que pode chegar a até 6 meses, de acordo com os especialistas. E os tutores ainda precisam arranjar tempo para treinar o cãozinho por conta própria nos outros dias.

Fazer o peludo se exercitar e interagir com outros bichos é uma das formas de aliviar a ansiedade de separação, mas por sentirem a necessidade de ficar grudados nos donos o tempo todo, muitos evitam brincar quando são soltos nos parcões ou cachorródromos, como são chamadas as áreas dedicadas a eles nos parques e praças. Uma solução nesses casos é deixá-los em uma creche canina, o que também é útil para quem precisa trabalhar fora por longas horas. Sabe quanto sai essa brincadeira? De quatrocentos a mil reais por mês, dependendo da frequência. 

Rachel Daré encontrou em blogs e no Youtube formas de tratar a ansiedade de separação de Nino

Mas ter o combo tempo + disposição + dinheiro não é uma realidade para todo mundo que passa por esse problema. O que fazer nesses casos? “Pesquisei e encontrei muita informação boa na internet. Blogs explicativos e vídeos no YouTube que ajudam de forma prática e educativa”, conta Rachel. Quando o Nino vai ficar em casa sozinho por um tempo, ela sai com ele para uma longa caminhada e depois capricha no enriquecimento ambiental, espalhando brinquedos e petiscos pelos cômodos. “Foram as formas que encontrei para amenizar esse sofrimento”, diz.  

Ao contrário do que a maioria pensa, não é preciso estar fora de casa para treinar seu companheiro. “O melhor é ensinar ele a se divertir sozinho antes de precisar, de fato, se ausentar. Quanto antes começar a prepará-lo para essa separação melhor”, diz o adestrador Rafael Velozo, fundador da Cão+Saudável. Um dos comportamentos mais importantes, e que pouca gente sabe, é não fazer da sua saída de casa uma grande questão. Isto é: evite longas e carinhosas despedidas. Você pode até achar que isso é uma forma de carinho, mas só deixará o seu cão mais ansioso. Da mesma forma, não faça muita festa quando voltar. Espere ele se acalmar para interagir. Isso ajuda que o seu pet enxergue essas situações de idas e vindas com mais naturalidade.

Os cães necessitam de regras e de alguém que mostre como lidar com estímulos

A forma como os tutores se comportam também influenciam nas atitudes e na tranquilidade dos animais. “Cachorros precisam de pessoas fortes, seguras, capazes de tomar decisões, das mais simples às mais desafiadoras”, destaca Raquel Campo, psicóloga e especialista em comportamento canino e fundadora do Centro de Psicologia Canina, em São Paulo. “Eles necessitam de regras, disciplina e de alguém que mostre como o universo funciona e como lidar com os estímulos, distrações e elementos de forma justa”, explica. 

Observe se, por acaso, você não está passando o seu medo e a sua fragilidade para o cãozinho. Avalie também a qualidade do tempo que passam juntos e não apenas a quantidade de horas. Você está aproveitando 100% os momentos ao lado do seu cachorro? Ensinando truques, brincando, levando para passear… Esse é um dos passos mais importantes no processo de recuperação.

+ Veja  Também: O poder dos exercícios de respiração 
+ Veja também: Aromaterapia: os benefícios dos óleos essenciais

E se é dica que vocês querem, aqui vai: Uma das coisas que mais funciona é criar uma espécie de “caça ao tesouro” espalhando biscoitinhos caninos pela casa. O animal será atiçado pelo cheiro e se sentirá desafiado a encontrar os prêmios. A atividade o deixará distraído por um bom tempo enquanto estiver sozinho – mas também é uma brincadeira legal quando você está em casa com o foco em outra coisa. Outra coisa bacana é investir em brinquedos que podem ser recheados por comida. Aos poucos, conforme o  bicho vai movimentando o acessório, ele vai liberando petiscos ou ração, tornando o momento da alimentação muito mais desafiador e interessante. Também vale investir em brinquedos mordedores dos mais diversos formatos. Mas lembre: é preciso variar todos os dias, pois os cachorros cansam de ficar roendo a mesma coisa. Guarde os que ele largou que mais tarde o interesse volta.

Quando possível, aja rápido

Quanto mais tempo deixarmos os cães praticarem esses comportamentos, mais difícil ficará de resolver. “É normal eles sentirem a separação, nós também sentimos, né? Mas um dos primeiros sinais de que há um problema maior é quando eles ficam ansiosos só de ver o tutor fechar uma porta em casa – mesmo sem sair, como quando vai tomar banho, por exemplo”, destaca a veterinária Thais. Cães que ficam muito tempo apáticos e esperam os donos voltarem para casa para se levantar, beber água, comer ou fazer xixi também precisam de ajuda. Ao perceber esses sinais, busque treinamentos que exercitem a mente do bicho e prolongue os passeios. 

Já quem está pensando em adotar um cãozinho, deve aproveitar o período de adaptação para prevenir esse problema. “O animal precisa ser ensinado desde filhote a ter sua independência emocional. Treinar o cachorro antes que ele tenha a necessidade de passar por esse stress ajuda muito”, ensina Raquel.

Ajuda profissional acessível

Passar por tudo isso sem orientação é muito mais complicado. A sorte é que existem muitos conteúdos relevantes e, inclusive, gratuitos disponíveis online. O importante é se certificar de que há profissionais por trás, ok? Thais criou a Porakaá com Guilherme Maino de Azevedo, ambos pós-graduados em bem-estar animal. No perfil do Instagram você encontra vários vídeos com treinamentos e dicas. A Tudo de Cão, especializada em comportamento e adestramento, tem um canal no YouTube e um perfil no Instagram recheados de treinos e conselhos profissionais, como os calming signals e o enriquecimento ambiental ajuda a deixá-lo distraído quando está sozinho. O Portal Dog possui vários artigos sobre o tema, desde pesquisas científicas até dicas de treinamento. E o Tudo Sobre Cachorros traz ótimas dicas e vídeos. Com um pouco de paciência e dedicação tudo se resolve.

Mais lidas

Veja também