Em uma noite de março de 2021, não consegui mais dormir. Estava no primeiro trimestre da gravidez, naquelas semanas em que o sono era capaz de me derrubar no meio de uma reunião. Mas, naquela madrugada, não preguei mais os olhos – e precisei de meses para retomar o meu sono.
Não sabia que estava caindo numa crise de burnout. A pandemia estava no auge, não havia vacina à vista e a minha gravidez me transformou em uma mulher à beira de mais uma crise de ansiedade. Me vi dentro de uma queda de dominós: primeiro, o sono. Depois, a estabilidade emocional. Por fim, o meu trabalho.
Cada reunião era o passaporte para mais um ataque de ansiedade. O coração disparava, o mundo inteiro tremia e eu sentia a minha bebê pulando na minha barriga. Precisava parar. Decidi tirar uma licença para me recuperar – mal imaginava que não iria mais voltar para o negócio que eu havia passado uma década inteira construindo.
“Comecei a conseguir sair do meu próprio umbigo para mergulhar nas histórias e problemas dos outros”
Os primeiros dias passaram como um borrão até que resolvi pegar um livro. Nada pretensioso ou literário. A única leitura que eu dava conta naquele momento era um best-seller tipo Asiáticos podres de ricos, de Kevin Kwan. Ainda assim, naquele momento, algo mudou dentro de mim: comecei a conseguir sair do meu próprio umbigo para mergulhar nas histórias e problemas dos outros.
A leitura sempre teve um papel fundamental na minha vida. Aprendi a amar os livros desde pequena e virei a rata da biblioteca da escola e do clube. Matava aula para ler os mistérios de Agatha Cristie atrás do ginásio. O dia em que ganhei da minha mãe uma edição de Mulherzinhas, de Louisa May Alcott, foi também o dia em que descobri que podia sonhar em ser uma escritora assim como a Jo March, a protagonista.
Desde então, não parei mais de ler. No entanto, quando comecei a trabalhar, a leitura por prazer acabou se tornando a última das prioridades. Até que o burnout abriu um espaço na minha vida para redescobrir o prazer da literatura e definiu o meu novo caminho profissional.Fui atrás de um mestrado na área e comecei a escrever, como colunista de livros e na minha newsletter Vou te falar. Entendi que a literatura nos ajuda a entender melhor quem somos, ao mesmo tempo em que descortina a experiência do outro e mergulhei nisso.
Com todo esse histórico por trás, separei aqui sete títulos que vivem na minha caixa de primeiros socorros literários. Minha vontade é que eles sirvam de remédio para você também.
Para ajudar a desbloquear a criatividade:
O caminho do artista, de Julia Cameron
Esse é menos um livro e mais um processo de recuperação da criatividade. O método nasceu nas aulas de criatividade que Julia Cameron, autora de mais de 40 livros, dava em Nova York para seus amigos e já ajudou milhões de pessoas. Elizabeth Gilbert, por exemplo, credita a ele o livro Comer, rezar, amar. Resolvi tentar no meu burnout.
Deu certo. Ao longo de doze semanas, segui as atividades propostas por Cameron à risca. A base do método são as páginas matinais, um exercício de escrita diário. Aos poucos, fui reencontrando desejos antigos e aspirações que nunca havia ousado correr atrás. Fechei meu negócio, cortei o cabelo e comecei uma newsletter. O livro me ajudou a me reencontrar.
“Aprendi que a minha ansiedade apontava para o fato de que estava num caminho que não era o meu”
Para entender se entender melhor:
A vida secreta das emoções, de Ilaria Gaspari
A filósofa italiana Ilaria Gaspari escreveu esse livro como uma proposta de educação emocional. As emoções são tratadas como uma fraqueza e algo exclusivo à mulher na nossa sociedade. No entanto, ela defende que o único caminho para a felicidade é o autoconhecimento emocional. Ao longo do livro, Ilaria nos guia através das nossas emoções: nostalgia, arrependimento, remorso, ansiedade, compaixão, antipatia, inveja, ciúme, felicidade e gratidão.
Essa leitura me mostrou que não dá para eliminar a ansiedade, mas que podemos aprender a lidar com ela e tentar ouvir o que quer nos dizer. Aprendi que a minha ansiedade apontava para o fato de que eu estava num caminho que não era o meu.
Para me mostrar que não existe um jeito único de ser mãe:
As nove vidas de Rose Napolitano, de Donna Freitas
Rose Napolitano, protagonista dessa história, é uma mulher que não quer engravidar, mas sofre com as pressões do seu parceiro. Na obra, descortinam-se nove possibilidades diferentes: o que aconteceria se ela tentasse? E se ela não cedesse?
No meio da leitura, encontrei um alento para as minhas próprias dificuldades com a maternidade. Em uma certa passagem, ela fala sobre não gostar da maternidade, mas amar a filha que tem. Foi uma ficha que caiu: a maternidade pode mesmo ser dura. O medo e preocupações infinitos, a falta de tempo para todo o resto, o eterno ficar em segundo lugar nas suas prioridades… Assumir isso para mim mesma foi uma revelação.
Para aprender que a sorte é uma questão de perspectiva:
A boa sorte, de Rosa Montero
Raluca não é a protagonista do mais novo livro da autora espanhola Rosa Montero, mas ela rouba a cena. Ela é vizinha de Pablo, um homem que decide sair do trem e comprar um apartamento na frente da rodovia no que parece ser a cidade mais feia da Espanha. Por que alguém faria isso? A premissa do livro já me interessou de cara.
Mas como disse, quem brilha mesmo na obra é a tal da Raluca, uma mulher que decide encarar a vida com um olhar mais generoso do que a maior parte das pessoas lhe daria. Não à toa, ela tem um olho de vidro. Enxerga cada revés como um golpe de sorte, e me ensinou que a forma como penso sobre minha vida a determina muito mais do que poderia imaginar.
Para ficar claro que o que o mundo precisa é do feminino:
A parábola do semeador, de Octavia E. Butler
Marco da ficção científica, esse é o primeiro livro do gênero em que o herói não é um homem branco, mas, sim, uma adolescente negra. Butler cresceu apaixonada pelo gênero literário, mas inconformada por nunca conseguir encontrar um protagonista que refletisse a sua própria experiência de mulher negra, resolveu se escrever dentro de uma história.
Lauren é uma jovem que vive em um Estados Unidos distópico, quebrado pela polarização política e pela crise ambiental (o livro, que hoje é visto como profético, foi publicado em 1992). Para sobreviver, ela recorre ao espírito de comunidade e à sua própria vulnerabilidade, desenvolvendo um olhar mais empático para o outro. É o lado feminino dela que nos salva.
“Quão honestos somos com nós mesmos?”
Para entender o poder da amizade:
As inseparáveis, de Simone de Beauvoir
Escrito 20 anos antes de ser cunhado o termo autoficção, a classificação cai como uma luva nesse livro. Nele, Beauvoir narra a história da sua amizade com Élizabeth ‘Zaza’ Lacoin – mas nos livros elas são Sylvie e Andrée, respectivamente.
Elas se conhecem na escola durante a Primeira Guerra Mundial, e Andrée se torna uma influência enorme para Sylvie. É belíssimo ver como a experiência de Zaza ajudou a moldar a visão de mundo e a própria filosofia de Beauvoir. Um livro que me fez olhar para as minhas próprias amizades com ainda mais amor.
Para olhar para o selvagem dentro de si:
Escute as feras, de Nastassja Martin
A antropóloga Nastassja Martin narra uma experiência que viveu enquanto estudava o povo even na Rússia: ela foi atacada por um urso, que mordeu o seu rosto. No entanto, Nastassja não encara o acontecimento como um ataque, mas, sim, como um encontro. A mordida é, para ela, um beijo.
O livro é vertiginoso e nos convida a pensar sobre nosso próprio senso de identidade. Quem realmente somos? Quanto um encontro pode mudar nossa vida? O que fazer quando o chamado interno vai contra todas as vozes que vêm de fora? A obra de Nastassja funciona como uma provocação: quão honestos somos com nós mesmos?