Inveja: por que sentimos e como lidar - Mina
 
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Bateu a inveja? Como fazer esse sentimento trabalhar a seu favor

Você pode até negar, mas é fato que todo mundo sente inveja, seja em menor ou maior grau. Conversamos com especialistas para entender o que causa esse sentimento – e descobrimos que ele não tem só seu lado ruim

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Ela pode chegar de mansinho, sem a gente perceber, ou de forma arrebatadora, tomando conta da nossa cabeça e dos nossos sentidos – e, às vezes, pode demorar a ir embora. A inveja não tem manual e aparece quando você menos espera: assistindo a vida “perfeita” daquela influencer, ao saber do novo cargo que sua cunhada conquistou no trabalho ou vendo a disposição que a sua melhor amiga tem para os esportes. 

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Ninguém fala muito sobre esse sentimento – você já viu por aí a frase “calado, vence”? Ela viralizou na internet, insinuando que as conquistas só devem ser divididas depois de realizadas, para evitar o mau olhado. Todo mundo foge da inveja alheia e sabe também que não é legal de sentir –, mas é um tema que precisa ser discutido. 

A inveja é uma forma do inconsciente expressar um desejo oculto

E por que, afinal, nós sentimos inveja?

Segundo Tiago Ravanello, doutor em teoria psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a inveja é uma forma do inconsciente expressar um desejo oculto. É um sentimento de angústia que expõe a falta de algo que o outro tem.. “Buscamos algo que o outro tem, algo que o outro é, algo em que o outro pareça como uma tentativa de encontrar um novo ideal que pode organizar uma forma de ser”, afirma. 

Fato é que a inveja é inerente à existência humana. Ou seja, está posta e será sentida quer você queira ou não. “Inicialmente, podemos fazer uma ligação com o narcisismo: ‘preciso de um reconhecimento do outro e toda vez que o outro tem algo a mais que eu, parece que eu tenho menos’”, explica a psicanalista Gleisciane Oliveira.

Não fuja, ela existe 

Fingir que esse sentimento não existe não vai diminuí-lo. Para ela, a melhor saída é entender sempre que nos falta algo e que está tudo bem ser assim. “Nas relações humanas, parece que o outro sempre tem algo da qual eu não tenho e para poder lidar com essa questão que suponho que o outro tenha mais do que eu, precisamos aceitar que não somos seres humanos completos e que sempre vai faltar algo.” 

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Ao assumir que não temos tudo, não reprimir a inveja também é importante para entender o que queremos da vida ao ver a grama do vizinho mais verde que a nossa – e não ter angústia por a sua não ser igual ou melhor. O ponto é olhar o que temos e entender os próprios processos e progressos. 

Ao reconhecer a inveja, fica mais fácil de trabalhar esse sentimento ao partilhar da vitória do outro em vez de se sentir angustiado, diminuído ou, ainda, diminuir as conquistas alheias. “O movimento da inveja se torna mais interessante quando vira um movimento de partilha dessas felicidades. A pessoa consegue compartilhar esse sentimento com o outro, mas reconhece que não é o momento dela ainda de conquistar tal coisa. Chegar nesse ponto de partilha é reconhecer o próprio tamanho”, explica Tiago. 

Não reprimir a inveja é importante para entender o que queremos da vida

Mesmo que alguns tenham dificuldade de validar esse sentimento, escondê-lo também pode ser prejudicial. De acordo com o psicanalista, esse movimento pode levar a quadros mais graves de doenças. “Cuidar tanto da grama do vizinho faz com que esqueçamos de olhar a nossa, porque não atingimos aquele ideal. Mesmo os relacionamentos supostamente ideais também têm as suas fraturas, seus limites e precisa de rega. Não tem grama que floresça sem cuidado”, reforça Thiago. Às vezes, a pessoa coloca um ideal tão irreal que se torna difícil viver. Ela vai perdendo os interesses do mundo e fica depressiva.” 

Tô on

E as redes sociais são um verdadeiro potencializador da inveja. Ao nos tornarmos espectadores da vida alheia, mesmo que seja televisionado somente uma parcela, é justamente nela que a vida do vizinho parece sempre melhor, mais divertida e produtiva. “É uma rede construída para o outro. Ver a fotografia de uma mulher magra, que é tida como bonita, e eu não sou aquilo, causa efeitos graves na vida das pessoas”, diz a psicanalista Gleisciane Oliveira.

Uma pesquisa de 2017 realizada pela American Journal of Preventive Medicine, em parceria com a Universidade de Pittsburgh, mostra que o uso frequente das redes está relacionado ao sentimento de inveja. O estudo ouviu 1.787 pessoas, entre 19 e 32 anos, usuárias das principais redes sociais, como Twitter, Facebook e Instagram.

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Para Tiago, as redes sociais monetizam um ideal, como uma cena perfeita, e o efeito disso pode ser devastador. “Quando as pessoas intocáveis se tornam uma projeção ideal de um ‘eu incansável’, podem causar culpa e angústia. Até o BeReal não é real, tem sempre um ângulo, uma luz que encoberta um ideal.”

Assim como vem, vai

A notícia boa é que o sentimento não é permanente; ninguém sente inveja de forma fixa por alguém ou dada situação. Uma hora ele vai, outra hora ele volta. “A inveja não é necessariamente ruim, muitos dos nossos progressos, dos avanços têm a ver com o projetar um ideal a partir de uma vitória de alguém que eu possa me tornar”, acrescenta Tiago. 

Ao repensar e vasculhar nossos sentimentos, pode ser saudável reconhecer que nem mesmo a inveja tem só seu lado ruim.

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