Alimentos que contêm glúten e carboidrato - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

Sai o prazer, entra a culpa: conheça o ‘comer transtornado’

Não chega a ser um transtorno alimentar, mas a vilanização de alguns alimentos tem conturbado a nossa relação com a comida – e isso não faz nada bem

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Cada vez que aparece alguém alarmista dizendo que precisamos tirar alguma coisa do nosso cardápio, uma luz de alerta se acende na nossa cabeça. Carboidrato, gordura, lactose, glúten e açúcar são algumas das substâncias que vêm sendo transformadas em vilãs. E assim, com o tempo, o prazer e a naturalidade em comer dão lugar ao medo e à culpa, o que acaba criando uma relação conturbada com a comida.

Já tem especialistas falando até em relação abusiva com a comida e esse sentimento tem uma definição bem clara entre os profissionais da área: é o comer transtornado. “Assim como falar sobre sexualidade e prazer era um tabu até pouco tempo atrás, hoje em dia as pessoas sentem culpa por gostar de comer, como se fosse um pecado. Isso a gente classifica como um comer transtornado. Ninguém precisa dessa pressão, de controle com a comida, e sim de contexto. Em que contexto você quer comer esse alimento?”, conta. 

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Informação e contexto não tem nada a ver com a vilanização desses alimentos que vemos alguns haters palestrinha fazerem. E não se culpe (mais uma vez), é tanta gente nesse universo digital falando sobre os malefícios de alguns alimentos que a gente acaba ficando confusa mesmo. E neurótica. Quem nunca se pegou questionando “mas isso engorda?” ou “isso não faz bem?” antes de comer alguma coisa? A nutricionista Ariana Galhardi conta que muitas dessas neuras brotam de uma relação difícil que criamos com a alimentação, e pra mudar isso é preciso desmistificar algumas crenças.

Cortar totalmente a gordura impede a absorção de vitaminas e a produção de hormônios

Muita gente adora dividir o mundo entre vilão e mocinho e na alimentação não é diferente do que acontece na novela ou na política. Mas essa visão é simplista e não faz muito sentido. Se nem a gente é só do “bem” ou só do “mal”, quem dirá os alimentos. Para Ariana, essa enxurrada de informações equivocadas reforça o terrorismo alimentar, faz com que as pessoas acabem reduzindo o alimento às propriedades e isso pode ter um efeito rebote. 

“Ou ele é calórico, engorda ou tem muito açúcar. E no fim deixa de ser visto o todo do alimento. Muitos discursos criam essas dificuldades e transformam alguns alimentos em vilões para depois vender uma facilidade por meio de um serviço”, alerta.

Variar e não restringir!


Afinal, alimentação não precisa ser complicada. A nutricionista Isabela Quiroga explica que se tratando de alimentação saudável, o segredo é a variedade e não a restrição. “Parece coisa boba variar a alimentação, mas essa variedade serve como substrato para as bactérias que ficam no nosso intestino, que a gente chama de microbiota intestinal, e isso é fundamental para um viver bem”, conta.

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Mais do que vetar ou glorificar qualquer alimento é preciso entender a importância de cada um para o corpo e em que quantidade ele começa a ser prejudicial. 

Glúten – O pão e o macarrão são frequentemente alvos de críticas, mas estão liberadíssimos para fazer parte de uma alimentação balanceada. “O excesso sim é um desequilíbrio. A dica é fugir dos ultraprocessados, ter equilíbrio nas quantidades e combinar com outras fontes de nutrientes”, conta Ariana. Entre os benefícios do glúten: fonte de carboidratos e, portanto, de energia; promove a sensação de saciedade e ajuda na melhora da flora intestinal. A exceção fica para quem tem algum diagnóstico de intolerância ou doença celíaca. 

Lactose – O leite e seus derivados são uma das principais fontes de cálcio, fósforo e vitaminas do complexo B. “Quando a pessoa tira o leite do seu dia a dia e não pensa na substituição, isso pode virar um problema de falta de nutrientes. Destaque para o iogurte, que é um dos únicos alimentos com microrganismos vivos e ajuda em toda a flora intestinal”, conta Isabela. Portanto, leite liberado pra galera que não tem nenhuma intolerância.

Arroz – Seja ele branco ou integral, o queridinho do brasileiro faz parte do temido grupo de carboidratos, junto com o glúten. Só que ele também é uma fonte boa de energia. O segredo mais uma vez está na combinação e na quantidade. “O arroz pode estar presente diariamente no nosso prato, a questão é mais uma vez a combinação. Incluindo vegetais, a carga glicêmica do nosso prato fica controlada”, explica Isabela. 

Alimentação saudável também considera o contexto social, cultural e afetivo

Gordura – A gordura é precursora de alguns hormônios e é fundamental para que algumas vitaminas sejam dissolvidas no nosso corpo, já que algumas delas são lipossolúveis. “Ou seja, cortar totalmente a gordura não traz benefícios e pode impedir a absorção de vitaminas e a produção de hormônios”, conta Ariana. 

Açúcar da fruta – Não, o açúcar da fruta não faz mal. “A banana, por exemplo, tem potássio, energia, vitamina do complexo B, proporciona saciedade e é ótima para limpar o nosso intestino”, conta Ariana. Já Isabela lembra que mesmo uma fruta grande tem pouca caloria e ainda assim é uma importante fonte de fibra. “A fruta precisa estar inserida dentro de uma alimentação equilibrada, que tenha diversidade de alimentos e uma coisa é certa: o açúcar dela não faz mal”, conta. 

Doce de leite – Nutricionistas alertam que alimentação saudável também considera o contexto social, cultural e afetivo. Portanto, olha que boa notícia: “Para quem tem uma vida ativa, o doce de leite é um excelente pré-treino ou sobremesa”, conta Isabela. A nutricionista explica que dentro de um contexto de alimentação balanceada, se a escolha pela fonte de açúcar é o doce de leite, está tudo bem. É sempre importante ficar ligado na quantidade e na qualidade do doce, mas uma colher por dia não é um problema”, conta. 

Dentre as informações importantes que devemos ter sobre os alimentos estão quantidades, interações e complementações e também um pouco de política. Saber que ultraprocessados em excesso fazem mal não basta. É preciso questionar, por exemplo, por que a indústria que produz esse tipo de alimento têm mais benefícios que possibilitam preços ridiculamente baixos do que pequenos produtores de alimentos in natura. Porque sabemos que no contexto de um país que voltou para o mapa da fome, o preço é um fator fundamental na hora de decidir o cardápio da família.

E na hora que bater a dúvida, sempre recorra ao Guia Alimentar para a População Brasileira. Criado pelo do Ministério da Saúde, ele traz orientações detalhadas e muito bacanas para uma alimentação saudável, sem neura e sem culpa. 

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