A febre do preenchimento labial - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

De repente sua boca começou a parecer fina ou esquisita?

Bem-vinda ao incrível mundo das bocas de ácido hialurônico. Procedimentos estéticos mais baratos e os filtros das redes sociais popularizaram os lábios inchados e criaram uma nova insatisfação feminina.

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Nunca tive problema com a minha boca. Na verdade, ela sempre foi uma das partes que mais gostei do meu rosto. Tanto que sempre usei batom vermelho. Porém, alguns meses atrás, eu me peguei achando que tinha algo de errado com ela. Parecia pequena demais, quando comparada às bocas que via no Instagram. Talvez não estivesse “inchada” o bastante? 

Demorei um pouco a perceber que, na verdade, estava me comparando a lábios que haviam sido preenchidos por ácido hialurônico. E a exposição a esse tipo de imagem estava, na verdade, distorcendo a minha visão do que era uma boca considerada normal. 

Nós gastamos muito tempo rolando o feed das redes sociais. Segundo dados do relatório Digital 2022: Global Overview Report, o brasileiro passa, em média, 10 horas online. Tem que ter mente de titânio para não se deixar influenciar por todos os rostos perfeitos que vemos nas selfies no Instagram, concorda?

Os procedimentos mais buscados nas clínicas são aqueles valorizados por filtros do Insta e TikTok

Um outro levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Cirurgiões Plásticos mostra que os procedimentos mais buscados nos consultórios são, exatamente, os mais valorizados pelos filtros do Instagram e Tik Tok: preenchimento dos lábios, rinoplastia e aumento de volume nas maçãs do rosto e na mandíbula. 

Você sente que está em desvantagem?

A bem da verdade, no entanto, é que essa insatisfação corporal sempre existiu. A sociedade, em sua história, cria critérios específicos que tornam uma pessoa bonita ou não. “E se não estou dentro daquele padrão disseminado vou, consequentemente, ficar insatisfeita. É uma ideia de não pertencimento, porque também é veiculado que certos atributos são sinônimo de felicidade, alegria e sucesso. Assim, se não tenho os lábios inchados que todo mundo tem, estou em desvantagem”, explica Graziela Nogueira, psicóloga especializada em autoimagem. 

Hoje em dia, o tamanho das bocas cresceu. Mas, há algumas décadas, era a taça do sutiã. Essa massificação, junto com a pressão estética que sofremos, faz com que a gente esqueça como é um corpo sem intervenções. “O silicone, por exemplo, deixou todas as mulheres que não têm próteses com a ideia fixa de que o peito está caído, sendo que uma mama normal não faz aquela curva para cima”, explica a dermatologista Julia Cezar. 

O consumo indiscriminado de fotos editadas criam essa distorção da realidade

O barateamento dos preenchedores e a maior oferta de especialistas dispostos a vender os procedimentos estéticos em pacotes também contribuíram para a popularização. Entretanto, o consumo indiscriminado de fotografias editadas também criam essa distorção da realidade que faz a gente se questionar: as pessoas têm feito mais procedimentos por causa dos filtros ou os filtros estão mais comuns por causa dos procedimentos? 

Hora de parar de postar selfies?

Não ajuda nada o fato de que o comum é estar sempre publicando selfies na internet. “A gente olha o nosso próprio rosto o tempo todo. Quando éramos crianças, a gente não tirava tantas fotos e, quando fazia, demorava para ter acesso às imagens até revelar o filme”, comenta Julia Cezar. Os perfis de celebridades também entram na roda: há 15 anos precisaríamos correr semanalmente às bancas de revistas para ver o look de festa de uma famosa, mas agora é só acompanhar os stories para invejar o visual e as intervenções estéticas que ela faz regularmente.

“A rede social traz uma aceleração surreal. Tudo a gente sabe em tempo real. Estamos sempre bombardeados e estimulados a procurar um padrão. E são mensagens contraditórias: porque, se por um lado, vemos corpos que são o ideal de beleza, por outro recebemos propaganda de fast-food que acendem o nosso desejo”, afirma Graziela Nogueira. No fim, é tudo uma questão de lucro. Porque, se estamos infelizes, nós gastamos mais dinheiro com procedimentos estéticos e roupas. “É a cultura do eterno desconforto, porque ele vende mais”, finaliza Julia Cezar. 

Se tudo der certo, vamos envelhecer

Por isso, respire fundo. Não precisamos ter a boca da vez para sermos felizes. Nem os olhos e as maçãs prometidas pelo filtro Bold, do Tik Tok. A felicidade não está ligada à nossa estética. “É completamente possível ter uma boa autoimagem, se entender como um indivíduo de valor, mesmo não estando dentro dos padrões de beleza”, fala a psicóloga Graziela Nogueira. 

A dermatologista Julia Cezar brinca que, se tudo der certo, nós vamos envelhecer. Não deveríamos lutar contra os nossos traços naturais. Sempre podemos fazer procedimentos e intervenções, mas o risco é deixar isso pautar a nossa felicidade. “O ideal é que, mesmo que apliquemos botox ou preenchedores, nós fiquemos parecidos com nós mesmos.” E não com o rosto que você vê nos seus stories. 

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