Os malefícios dos filtros das redes sociais - Mina
 
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Das capas de revista aos filtros: um rolê pela indústria da insatisfação

Uma linha tempo mostra que somos ao mesmo tempo vítimas e vilãs e desenha (para quem ainda não entendeu) os riscos das alterações de imagens

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Tenho más notícias. Depois de ler essa frase, tenho certeza que você já está esperando o pior. Pois, de forma bem resumida, é assim que o cérebro funciona: você vê algo e acredita naquilo. A frase “ver para crer” não apareceu do nada, ela tem um fundamento. Agora, vamos imaginar uma adolescente, lá nos anos 1980 ou 1990, vivendo o que podemos chamar de um contra-ataque bem orquestrado da mídia (e governos de direita) frente aos avanços das pautas feministas e das minorias durante a década anterior. 

Se você viveu essa época, vai lembrar que era bem comum revistas publicarem fotos de mulheres muito magras, em sua maioria brancas, com largos pedaços do corpo à mostra em poses sensuais. Vento no cabelo, olho esfumado, barriga negativa, um trapinho de tecido cobrindo aqui ou lá, e não, não era publicação de conteúdo pornográfico


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A chamada era um prato cheio pra Semiótica, onde geralmente se lia: “fique 15kg mais leve”, “emagreça 4kg em 20 dias com a dieta da água gelada”, “Fulana explica como conseguiu secar a barriga”. Estava em todas revistas femininas. Além de explicar bem direitinho como devia ser esse corpo, vinha o rosto sem poros, sem manchas, sem linhas, sem pelos e com o fundo do olho e dentes bem branquinhos. 

Foi o auge da mão pesada do Photoshop nas revistas, os editores sentavam o dedo pra apagar qualquer coisa. Mudavam o umbigo de lugar, ceifavam coxas, cinturas e braços sem o menor constrangimento. Sabe a melhor/pior parte? A gente não era avisada que a imagem tinha sido alterada. 

O Instagram não inventou a vida perfeita do Instagram, ela já existia antes!

Me lembro de uma vez em que maquiei uma atriz bem jovem e, na foto da revista, só se via o delineador e a íris, o resto era um grande esfumado, claro. Bom, crescemos acreditando que isso era real. Vendo esse tipo de imagem altamente produzida por revistas, TVs e cinema, nosso cérebro era convencido de que aquilo era possível. E, se não tivéssemos aquela barriga, o erro era nosso. Não à toa, os casos de distúrbios alimentares saltaram no mesmo período. 

Corta para o mundo atual, com inúmeras possibilidades. Você pode ver, e seguir, o que achar mais confortável. Redes sociais nos deram esperança de um futuro mais diverso. Corpos plurais, belezas plurais, pessoas reais falando sobre isso e tirando da mídia tradicional o poder de controlar a beleza das mulheres. Aqui, poderíamos subir o som de uma trilha sonora típica de final feliz para comemorar como nos desprendemos das antigas crenças sobre a perfeição construída… Só que não.


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Com a criação do Instagram, veio junto um passo muito importante, e que a gente não parou muito para discutir, sobre ele. Antes que você pudesse postar uma imagem nessa rede social, você é obrigada a passar pela tela de edição. Isso (e só isso) incentivou que milhares de usuários passassem a alterar suas realidades colocando ali um céu mais azul do que estavam vendo. Foi neste dia que começamos a ser vítimas e vilãs ao mesmo tempo. 

Foi bem educativo em termos de alteração de imagem. Logo vieram os aplicativos de edição de foto que faziam exatamente o que os (caríssimos) retocadores das revistas faziam, só que na palma da sua mão. O Instagram não inventou a vida perfeita do Instagram, ela nasceu de como a gente consumiu imagens impressas e visuais todos esses anos. 

Com as redes sociais, vieram também as influenciadoras, que passaram a usar da edição de imagem como que replicando o que as revistas faziam. Fotos alteradas com corpos, em sua maioria, magros, rostos lisos, vidas totalmente cenográficas, e adivinha? Sem avisar ninguém de que as suas imagens também eram retocadas. 

Outro corte rápido no tempo. E, de repente, muito melhor do que editar a imagem (que dava um certo trabalho), agora temos os filtros, que fazem tudo pra gente como  num passe de mágica. No cardápio da alteração pré-produzida, é só deslizar para o lado e escolher. A inteligência artificial coloca olhos maiores, lábios mais carnudos, narizes mais finos e o que mais você sonhar por cima da sua própria imagem em movimento e te ensina, quase que desenhando para o seu cérebro, como você ficaria muito melhor se ajeitasse isso que ela corrigiu pra você. 

Precisamos olhar com preocupação para o que estamos submetendo nossas meninas

Mas tem um probleminha: quando você se vê alterado e depois retira o filtro parece que tem algo errado com a sua aparência. “Será que eu deveria usar uma base no dia a dia?”. “Melhor ainda, acho que vou procurar um procedimento que me dê esse resultado por um período mais longo”. 

Os números de procedimentos estéticos não invasivos e cirurgias plásticas no Brasil só aumentam, assim como o interesse no assunto nas plataformas de pesquisa. Também, junto com essa questão, surge a Síndrome do Snapchat – primeira plataforma a usar filtros de imagem para vídeos. Casualmente (contém ironia), os portadores desse transtorno dão importância exagerada a defeitos pequenos, que apesar de imperceptíveis para as outras pessoas, assumem uma dimensão gigante para eles mesmos. 

E, de repente, percebemos que nossa viagem no tempo nos levou de volta ao final dos anos 80, num clima heroin chic, onde o Ozempic está em falta, rostos encovados, nariz fino, harmonização facial, lente de contato para os dentes, pele sem poros… 

Não, você não precisa usar uma base pesada todos os dias e nem gastar os tubos com procedimentos estéticos. Mas nós, enquanto sociedade, precisamos olhar com preocupação e delicadeza para o que estamos submetendo nossas meninas. Pode parecer uma brincadeira inocente de crianças e jovens melhorar suas imagens perante ao mundo. Mas, no fundo é uma artimanha traiçoeira e destruidora de autoestima, pronta para nos manter correndo atrás do rabo sem conseguir olhar pra fora e ver o que realmente importa.     

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