O poder de passar 10 dias meditando em silêncio - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

O poder de passar 10 dias meditando em silêncio

Abandonei o meu celular e fui experimentar a Vipassana sem saber se iria conseguir terminar o desafio. Te conto como foi.

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“Comece de novo. Comece de novo”. Eu perdi as contas de quantas vezes ouvi essa frase ao longo dos 10 dias de curso. O Vipassana me veio como um desafio em que eu mesma me enfiei e nem tinha tanta certeza se ia conseguir terminar. Assim como muita gente, eu também achava complexa a ideia de ficar esse tempo todo em silêncio, aprendendo a meditar mais de 10 horas por dia e sem conexão alguma com o mundo lá fora, ou seja, sem aquele órgão tão importante do nosso corpo: o celular.

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Na meditação, os caminhos são infinitos e o da Vipassana é apenas um deles. Com a  tônica de que nada é permanente, a não ser a própria impermanência das coisas, o objetivo da técnica é aprender a observar as sensações, sem criar apegos ou aversões. O que vem em seguida é o firmamento de uma conexão entre a mente e o corpo. Em sânscrito, língua antiga utilizada na Índia, Vipassana significa ver as coisas como elas realmente são e existe há muitos séculos. Sem nenhuma ligação com religião, um dos resultados propostos é saber lidar com o sofrimento e isso já me parecia bom o bastante. 

Você sabe meditar? Eu não sabia…


Antes de ir, quanto mais adeptos da técnica conhecia, mais instigada eu ficava, de fato, aquele povo tinha um borogodó diferente. A ideia de meditar sempre me soou poderosa, mas ainda assim distante. Sem muita técnica, todas as vezes que tentei meditar, as costas gritaram de dor em cerca de 15 minutos e a cabeça passava de pensamentos que iam da morte da bezerra ao o que eu ia comer em breve. Agora, em um momento da vida que permitiu essa pausa, resolvi tentar algo mais organizado. Lá fui eu. 

Ficar sentada por tanto tempo traz consequências. No começo, tudo dói. Depois, também. 

Às quatro horas da manhã, o primeiro sino tocava. Meia-hora depois já estávamos todos sentados, cada qual no seu tapetinho quadrado cheio de almofadas na sala principal. O espaço fica propositalmente em lugares não tão longe de grandes centros, mas perto da natureza. Nos primeiros dias, o foco é na respiração. Depois, a observação vai do topo da cabeça até as pontas dos pés. Uma luta contra si mesmo por longas horas. Ficar sentada por tanto tempo traz consequências. No começo, tudo dói. Depois, também.

No clichê mais essencial dos últimos tempos, eu já estava tentando diminuir a frequência no mundo digital, mas foi no retiro que a prova de fato se deu. Quando deixei meu celular na recepção no começo do curso, o meu uso médio de tela era de mais de quatro horas por dia. Como livros e cadernos também não são recomendados, quando batia aquele impulso por um peso na mão, principalmente à noite, o relógio de pulso foi a vítima da vez. O bicho nunca foi tão explorado. Mas, com o passar dos dias, assim como todo hábito criado, o celular começou a não fazer mais tanta falta. Juro.

Rindo sozinha (várias vezes)


As meditações se intercalam com pausas para as refeições vegetarianas e uma respirada ao ar livre que o corpo tanto agradecia. A rotina é igual em todos os centros de meditação espalhados no mundo e se encerra todos os dias às 21h30. Aliás, todos completamente gratuitos, funcionando com a ajuda de voluntários. 

Nesses intervalos, registrei na memória cenas anacrônicas que poderiam facilmente ter saído de filmes de experimentos científicos. Sem celular e sem interagir, as pessoas ficavam horas paradas contemplando a natureza, numa brisa engraçada olhando pro nada e caminhando com uma calma hoje tão rara. Eu ri sozinha várias vezes.

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Algumas pessoas não aguentaram até o fim e saíram, talvez por dor ou esgotamento, a dificuldade da experiência é real. O cansaço abatia a todos, mas cada vivência é única. Para mim, além da curiosidade de uma jornalista, a possibilidade de aprender uma ferramenta nova de autocuidado foi o que me segurou por lá. Ao longo dos longos dias e palestras, fui começando a entender o paranauê. E o que mais me chamava a atenção era tudo ser tão prático, focado no treino mesmo. Treino brabo da mente.

Não teve um ponto sensível da minha vida que não veio à tona

Era através da concentração que as peças iam começando a se encaixar. Acho que não teve um ponto sensível da minha vida, como carreira, relacionamento, família, saúde ou infância, que não veio à tona durante as meditações. Acessei lugares que uma boa ansiosa gosta de repelir, como a constância de temperamento. Perceber que conseguia me manter tranquila diante de tantos incômodos e alívios foi o mais revelador. Um estado total de observação. 

Esvaziar é precioso e preciso!

No último dia, o fim do nobre silêncio e, com ele, a descoberta das vozes, das histórias e da falta de palavras para tudo aquilo. Meu corpo literalmente vibrava com sons que há tempos não absorvia daquela forma. Entre todos, o alívio da missão cumprida e a expectativa de colocar tudo à prova. Com paciência e persistência.

De volta ao mundo exterior, quando saí do curso, minha mãe me perguntou: “E aí, filha, descansou?”. E, nossa, eu só conseguia pensar: “Nada, mãe. Foi a coisa mais difícil que já fiz na vida”. Sabe aquela história sobre a importância de se fazer exercícios físicos regulares? Com a mente, é a mesma coisa. Quando a busca pelo autocuidado vai se estabelecendo, encontrando caminhos, algumas outras coisas acabam não cabendo mais. Esvaziar é precioso, e preciso. Fica o convite. 

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