A difícil arte de não fazer nada - Mina
 
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A difícil arte de não fazer nada

No mundo de hoje, tem sido uma tarefa quase impossível ficar sem fazer nada. Leticia Vidica reflete sobre como isso tem nos esgotado mentalmente e conta seus truques para descansar a mente.

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Me responda uma coisa: você consegue ficar sem fazer nada? Isto mesmo: exatamente nada. Ficar parada, olhando para o nada, só existindo. Quanto tempo você consegue passar sem dar uma espiadinha no Instagram, sem responder um WhatsApp? Ou sem fazer uma lista mental de tudo que você precisa fazer – assistir, ler, marcar… Você consegue zerar o HD?

Certa vez ouvi (ou talvez tenha lido) que os homens conseguem praticar o ‘nadismo’: o ato de ficar sem pensar em nada, nem fazer nada por um instante. O que me lembrou de uma amiga que não se conformava com o fato de perguntar ao boy dela em que ele estava pensando e ouvir como resposta “nada”. Esse tal de nadismo parece uma tarefa impossível para nós, mulheres. Porém, brincadeiras à parte e sem julgamento de gênero por aqui, está cada dia mais difícil nessa sociedade moderna e insana que a gente vive ficar realmente sem pensar em absolutamente nada. 

E isso tem muito a ver com o desenvolvimento da tecnologia, a internet wifi, os smartfones, o streaming… A conexão nos chama, sempre! Além disso, parece ruim se você não está dentro do vídeo que viralizou, da série que estreou, da polêmica da vez no Instagram, da última dancinha Tik Tok, dos filmes do Oscar, do livro premiado, o novo app… Ufa! É muita demanda e está tudo no nosso bolso. Nesse contexto, como ficar sem fazer nada? 

Juro que eu tento. Criei algumas artimanhas para tentar passar alguns períodos menos conectada e com um pouco menos de coisa na cabeça em prol da minha saúde mental. Tipo, ODEIO notificações. Todas são desativadas do meu celular. Ficar com uma mensagem piscando o tempo todo na tela do celular me surtaria. Não consigo ‘fazer a egípcia’ e simplesmente ignorar. Então, prefiro entrar no app quando quero responder. 

Isso porque eu já fui daquelas que respondia a todas as mensagens de WhatsApp e não finalizava o dia de trabalho sem zerar a caixa de email. Mas agora não dá mais! Sou dos membros menos ativos dos meus grupos no app de mensagem. Desculpem, amigos. Outro dia, no meio de um voo, resolvi dar uma passeada pelas minhas mensagens e tinham algumas de antes da pandemia que eu não tinha respondido (me julguem!).

O desafio é juntar a cabeça e o corpo relaxados sem realmente fazer nada

Também tento criar uma escala mental de períodos do dia que estarei mais conectada e de prioridade de mensagens para responder. Tento naturalizar o fato de não estar assistindo a série do momento, sabendo o tempo todo qual o filme do ano, um pouco atrasada nos livros que me prometi ler… Tudo em nome dos momentos de nada. 

Praticar atividades físicas dá uma ajudinha. Pelo menos, deixa a minha atenção focada no momento presente sem ficar pensando no boleto que tenho que pagar, no que vou comer de jantar, qual é o próximo call, o que serei daqui 5 anos… Eu apenas estou ali – suando e tentando perder algumas calorias. Mas é isso: a cabeça só dá uma parada, quando o corpo tá em movimento intenso. Longe de não estar fazendo nada. O desafio é juntar a cabeça e o corpo relaxados, de pernas pro ar no sofá ou na cama sem realmente fazer nada. 

Nos últimos anos, tenho tentado respeitar um pouco mais meu corpo e obedecer quando ele quer parar (algo muito comum pra quem tem 35+). Mas ainda me pego ocupando os espaços livres da minha agenda. Pensando em mil demandas durante o dia. Arrumando compromissos que, de repente, se tornam inadiáveis. Gosto de dias agitados, cheios e com um pouco de rotina, mas cada vez mais penso como é importante parar tudo isso. 

Pra pessoas como eu, inventaram o ócio criativo. Mas é um pouco deixar a cabeça a milhão no momento em que o corpo para. Tenho achado as pausas cada vez mais necessárias para mente respirar, alinhar os chacras, manter o corpo são e driblar a ansiedade sem remédios, sem florais… Apenas existindo. E com certeza isso passa por trabalhar a nossa culpa de não estar antenada o tempo todo. O primeiro passo é naturalizar o ‘não conheço’, ‘não vi’, ‘não sei’ sem sofrimento. 

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