“O surf não tem idade, tem longevidade”, diz a instrutora de surf Paula Gil. Pode acreditar, pois a Paulinha, como é conhecida pelas alunas, encoraja mulheres de todas as faixas etárias a cair no mar e se levantar na prancha. Inclusive esta repórter, que achava impossível pegar onda aos 53 anos.
Quando embarquei em um retiro de surf, yoga e meditação, em Itamambuca – a praia dos surfistas, em Ubatuba, SP –, pensei: “o surf eu passo”. Mas quando vi, estava na areia, simulando os movimentos do treino. “Quanto mais a gente ganha idade, acha que não pode fazer certas coisas. A prática do surf traz à tona a sua criança interna”, diz a instrutora.
Eu tinha medo de cair, de bater a cabeça, de me enforcar com o lash (a cordinha que prende a prancha à canela). Mas a criança acordou e lá fui eu, com uma lycra de manga comprida, me sentindo “a” surfista. Paulinha foi me colocando na prancha, de bruços. Era uma longboard, que facilita a estabilidade, mas na hora de levantar, senti que precisava de força nos braços. Fiquei de joelhos, surfei deitada, tomei mil caldos. Em duas aulas, não cheguei a ficar em pé, mas vi que é possível começar do zero! “Você só precisa querer e saber nadar”, resume ela.
“Cada corpo traz uma histórico, mas as limitações podem ser trabalhadas”
Seu corpo, seu surf
Aos 45 anos, instrutora de surf há 20, mãe de cinco filhos, Paulinha conserva o corpo e o jeito de garota. Ela foi uma das fundadoras da Divas Surf, escola só para mulheres, em Ubatuba, que agora deu lugar à Anima Surf, seu projeto solo. “O surf é uma forma de oração. Uma ferramenta poderosa de conexão com o mar, o divino, e com sua essência.” Ela garante que as limitações podem ser trabalhadas. “Cada corpo traz um histórico de bloqueios e potências. A gente vai adaptando, ampliando a zona de conforto, até você encontrar sua forma de se expressar no surf.”
“O Surf coloca a gente num estado de presença capaz de mudar a nossa visão de mundo”
Por isso, as aulas são em uma praia tranquila, com longboard. A dinâmica envolve testar os movimentos primeiro na areia, depois no mar. Tem também um skate simulador de surf e vídeos-análise pós-treino. O maior bloqueio de quem começa tardiamente, segundo Paula, é abrir uma janela de tempo para si mesma. “No ‘corre ‘, muitas não conseguem se priorizar.” O desafio é quebrar a rigidez do estilo de vida. “Você vai usar novos músculos, se conectar com a respiração, com a força da natureza, aprender a dialogar com o mar. Tudo isso coloca a gente num estado de presença capaz de mudar a nossa visão de mundo, nossas escolhas.”
Os ganhos são visíveis: contato com a natureza, mais saúde e condicionamento físico, e um belo sentimento de superação. “Você testa sua vulnerabilidade, aprende a acessar um lugar de confiança, presença e firmeza, e ao mesmo tempo de flexibilidade e calma. Vejo essa transformação no brilho no olho das alunas, ao sair do mar, renovadas. Essa renovação traz muita potência, alegria e jovialidade”, diz Paulinha.
“Me sinto uma deusa”
Conceição Gonçalves Moreira, 67, professora aposentada, começou aos 63
“Me encantei pelo surf quando me aposentei, com uns probleminhas no fêmur, precisando me exercitar. A mudança para Ubatuba, há 4 anos, ajudou. No começo, eu caía pra todo lado e demorei umas oito aulas para ‘dropar’ (subir na prancha). Comecei de cócoras, pois o quadril não aguentava, mas fui ganhando força e melhorando os movimentos. ‘Como você tem coragem?’, me perguntam. O surf me devolveu a vida. Nunca é tarde para começar nada. Meu marido diz que eu sou doida, mas tenho quatro netos adolescentes que morrem de orgulho da vovó surfista. Esqueço tudo quando estou na água, me sinto uma deusa.”
“Quero virar uma velhinha surfista”
Camila Sarpi, designer de jóias, começou depois dos 40
“Depois de uma certa idade a gente tem a tendência de fazer só o que já sabe. Eu sempre achei legal experimentar algo diferente. Sem expectativas, a não ser me divertir. Com o surf foi assim. Embora tenha um bom condicionamento, caí e caio muito! Fiz umas dez aulas e estou aprendendo, sem pressa, nas marolinhas. Outro ganho são os novos hábitos, já saí de casa às 4h, o que muda as escolhas da noite anterior. Sempre dá preguiça, mas chegando lá é tão gostoso… Emocionalmente, você tem que aprender o tempo da onda, deixar passar o turbilhão, deixar fluir. E vai incorporando isso também na vida. Quero virar uma velhinha surfista, que passa com a prancha debaixo do braço!”
“Entro em estado de graça”
Vera Neves, 52, microempresária, começou aos 50
“Mudei de São Paulo para Ubatuba há 8 anos, quando perdi meu marido e minha mãe. Na praia, eu via meninas se alongando na areia pra surfar e resolvi experimentar, mesmo sendo péssima nadadora. Estar em um coletivo feminino ajudou, você sabe que tá todo mundo na mesma onda. Se der ruim, tem socorro. Nunca mais parei, o surf é um ímã! A questão não é só se equilibrar, tem a leitura do mar, a água salgada que cura. Sinto uma gratidão imensa, entro em estado de graça. Tenho uma ligação espiritual com borboletas, como se fossem um sinal do meu marido falando comigo e já as vi muitas vezes no outside. Sei que ele teria orgulho da minha coragem.”
“O surf é lazer, alento e saúde”
Maricy Blanco do Valle, 53, professora de educação física, começou aos 33
“Na adolescência, eu pegava onda de morei buggy, mas depois me afastei do mar. Depois dos 30, comecei a frequentar Maresias e Ubatuba e fui entrando na onda naturalmente. Recomendo começar com a long, que facilita o equilíbrio. Aliás, não gosto de mar grande nem de prancha pequena. Há 10 anos, moro em Itamambuca, e corro para o mar cedinho. O surf é lazer, alento, saúde. Traz a sensação boa de respeitar o mar e em troca ganhar aquela onda de presente. Se você tem vontade, curiosidade, pode pegar onda deitada, ajoelhada… Vá aos pouquinhos e, se cair, não tá sozinha.”