Ser mãe versus ser eu
Manuela Dias ama passar tempo com a filha, mas também é apaixonada por suas atividades de mulher adulta para além da maternidade. E, se o equilíbrio perfeito entre os dois universos não existe, ela, pelo menos, tenta
Eu amo a minha filha e não imagino minha vida sem ela. Acho bom começar por aí pra já eliminarmos esse possível viés de interpretação. Já falei muito sobre o poder transformador do amor de mãe, escrevi 4.500 páginas sobre esse sentimento sobrenatural na novela. Mas aqui gostaria de falar de um outro aspecto da maternidade: o dia a dia. Na máxima “ser mãe é padecer no paraíso”, parece que 85% do tempo estamos na parte do “padecer”, com lampejos de fofura e explosões de amor nos outros 15% – quando muito.
Quando sou a melhor mãe, não sou a melhor Eu que poderia ser
Sinto que o meu dia é uma luta entre a maternidade e a minha individualidade. Queria estar voando, mas tenho que responder o zap das mães, as 15 mensagens diárias da escola, resolver os traslados da criança, a comida, além da repetitiva tarefa de educar. Repetir e repetir as mesmas frases várias vezes por dia – “dá descarga”, “lava a mão”, “come de boca fechada”… Sem falar na função de fiscal de todos os mecanismos acoplados à maternidade: ligou? Marcou? Comprou? E o lanche?
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Acontece que, enquanto resolvo coisas práticas, existe um mundo em mim que quer tempo para existir, voar, pensar, conhecer lugares. Eu quero Tempo. Têm vários livros que eu preciso ler, que eu quero ler. Ideias, peças, livros, meu mestrado em Homero, estudar Botânica… Queria reler a Ilíada pela quarta vez. Gosto de meditar logo que acordo, mas agora esse slot ficou ocupado por acordar Helena e mandar ela pra escola. Sendo que isso ainda dura aí mais uns 10 anos! Chega uma hora que o problema é o dia que só tem 24 horas e ainda é preciso dormir. A briga é por tempo de existência. Quando sou a melhor mãe, não sou a melhor Eu que poderia ser. E, quando me dedico intensamente ao meu trabalho e a mim, certamente não consigo ser a melhor mãe que poderia para minha filha.
Quando a maternidade se junta com uma investida criativa, aí, sim, experimento ao máximo o prazer de ser mãe
É claro que sinto prazer em ser mãe. Apertar Helena e lhe dar um beijinho dá sentido pra vida, andar com ela na praia na Bahia enche cada passo de propósito. Mas isso está dentro dos 15% de paraíso. Até gosto de brincar com ela… por meia hora no máximo e não por 12 horas seguidas, como ela gostaria. Crianças são insaciáveis! Depois de pouco tempo brincando de bonecas e cavalos, quero brincar de adulto, ler um livro, fazer minhas coisas. Preciso confessar que não me entretenho realmente no mundo das brincadeiras infantis. Hoje em dia, fico entediada se tento acompanhar minha filha nessas jornadas imaginárias. E não me culpo por isso! Gosto de organizar a brincadeira, providenciar o necessário, às vezes até brincar um pouco, mas logo me atraio por camadas da experiência que exigem mergulhos mais elaborados.
Agora, quando a maternidade se junta com uma investida criativa, aí, sim, experimento ao máximo o prazer de ser mãe. Quando escrevo uma peça para Helena, quando reescrevo mitos gregos para colorirmos e lermos juntas, quando transformo ler Alice no País das Maravilha no original de 200 e tantas páginas num “projeto literário” e fazemos uma festa de desaniversário ao final da leitura que levou 3 meses… Aí, sim, fico entretida no universo infantil.
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Certamente minha filha sente falta de várias coisas e expectativas que não serão cumpridas nunca pela mãe que eu sou. Que bom, nunca desejei ser tudo para ela. Espero que essas faltas a levem adiante, sirvam de impulso para conhecer e construir seu próprio mundo. E que, quando for mãe, ela seja também livre para ser uma pessoa, ao mesmo tempo que cria aquela criança, que um dia também ganhará o mundo.