Comunicação Não Violenta é assunto de crianças - Mina
 
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Comunicação Não Violenta é assunto de crianças

Está faltando escuta e sobrando treta entre os pequenos? Em entrevista, a especialista Carolina Nalon dá dicas de como os adultos podem ajudar as crianças a se comunicarem de maneira melhor no seu dia-a-dia e até – por que não? – impactarem a sociedade

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Uma briga entre colegas na escola é o mote do livro O círculo: conversando a gente se entende (editora Escarlate), de Carolina Nalon. É assim que a especialista em Comunicação Não Violenta (CNV) apresenta a técnica ao público infantojuvenil. A CNV é um conjunto de conceitos e ferramentas criado pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosemberg para resolver conflitos, diminuindo os ruídos da comunicação e tornando as relações mais empáticas.

Na obra, os pequenos leitores são apresentados a duas ferramentas: o Círculo Restaurativo e a Escuta de Girafa. Na primeira, quem segura o bastão de fala deve se expressar, enquanto os demais buscam escutar com curiosidade o que é dito. Já a Escuta da Girafa consiste em usar uma tiara com orelhas do animal para ampliar o alcance da escuta, entendendo o que as pessoas querem dizer por trás de ofensas e acusações, por exemplo.

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Nessa entrevista, a autora dá dicas sobre como os adultos podem incentivar a CNV no dia a dia das crianças e fala sobre a importância de aprender a resolver os próprios conflitos desde cedo.

Qual a importância da CNV para crianças?
De uma maneira geral, é igual à importância para os adultos: conseguir se comunicar e gerar entendimento. É claro que as crianças, dependendo da idade, estão mais ou menos amadurecidas para fazer isso de maneira clara, mas, à medida que praticamos a CNV, elas vão absorvendo esse modelo. A CNV é uma comunicação que não ensina às crianças sobre quem é culpado ou inocente em uma situação, mas busca humanizar as relações para que elas entendam que, por trás do mal feito, pode existir uma motivação genuína.

“Podemos estimular as crianças perguntando: qual é a cara da tristeza? Onde você sente a tristeza no corpo?”

Aplicar a CNV na frente da criança pode ser mais eficiente do que tentar explicar a técnica?
Com certeza. Quando o assunto é desenvolvimento humano, o exemplo se sobressai. É claro que, chegando à fase da adolescência, talvez faça mais sentido explicar. Mas não vale a pena o pai ou a mãe darem uma palestra sobre CNV para as crianças. A leitura de um livro como “O Círculo” pode ser muito legal para introduzir o tema e propor atividades práticas. O responsável pode sugerir usar a Escuta de Girafa para resolver um conflito ou criar com a criança um jogo a partir de algum outro aprendizado do livro. Isso tudo é mais eficiente do que explicar para a criança uma técnica.

Que outras estratégias podemos usar para transmitir a CNV ao público infantil?
As crianças querem brincar. Podemos propor jogos que deem espaço para elas refletirem sobre o que é colaboração, competição, como todo mundo pode ficar feliz nessa brincadeira e o que fazer quando alguém não gostou dela.

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Ampliar o vocabulário das crianças sobre necessidades e sentimentos para que se expressem melhor é algo bastante presente no livro. Como incentivar isso em casa?
Algumas famílias têm ímãs na geladeira com diversas emoções e propõem para a criança apontar como acordou se sentindo naquele dia, por exemplo. O próprio livro traz uma lista de sentimentos, como motivado, curioso, aflito… Dá para você escrevê-los no papel, recortá-los, colocá-los no chão e fazer um passeio pelos sentimentos. Podemos estimular as crianças perguntando: qual é a cara da tristeza? Onde você sente a tristeza no corpo? Ela é fria ou quente? Como poderíamos desenhar esse sentimento? Sobre as necessidades, a mesma coisa. Eu estava numa escola, quando surgiu o tema reciprocidade, tentei explicar o que é, e um menino falou assim: “Eu sei o que é reciprocidade! É quando eu estou no banheiro, acaba o papel eu grito para minha irmã e ela traz. E quando acontece isso com ela, eu faço o mesmo.” Foi muito legal!

 “Eu só tenho a imaginar coisas boas vindas dessa humanização radical das nossas relações”

Os adultos muitas vezes buscam resolver os conflitos das crianças. Qual a importância das crianças terem mais autonomia para lidarem com os seus próprios problemas e como a CNV pode ajudar nisso?
Podemos nos inspirar na filosofia montessoriana, segundo a qual qualquer ajuda desnecessária atrapalha o desenvolvimento da criança. A criança tem que sentir que estamos ali dando um apoio para que ela possa encontrar seus próprios caminhos. Muitas vezes dizemos: faz isso, faz aquilo ou vamos lá conversar com outro adulto sem envolver a criança na resolução daquele conflito. Para a criança, isso comunica que alguém deve sempre resolver os problemas por ela. Quando você oferece apoio e incentiva a criança a refletir sobre o problema, fazendo perguntas, por exemplo, ela se sente segura para pensar na questão e sobre como lidar com ela. É muito importante oferecer esse apoio para a criança se desenvolver. É algo que ela vai usar a vida toda.

De que forma aprender e aplicar CNV desde cedo pode impactar a sociedade?
Vejo uma geração de pais e mães bem dedicada na educação não violenta, a criação com apego, disciplina positiva, incentivo à CNV… Quero acreditar que isso tudo vai colaborar para uma humanização das relações sociais. Acho que, aos poucos, é isso que está acontecendo. Tenho uma avó que nasceu em uma época em que não existiam direitos humanos. Hoje eles existem, mas ainda tem pessoas que são contra, então, de certa forma, a banalização da vida ainda acontece. Dedicamos muito tempo da nossa vida e energia vital a coisas que muitas vezes são supérfluas, que não vão trazer felicidade, agregar ou construir nenhuma virtude em nós. Se conectar com a importância das relações e ter ferramentas para lidar com conflitos nos traz um novo sentido. Sabemos disso se temos uma relação profunda, frutífera, provocadora e que não precisa ser boa o tempo todo, mas que nos faz crescer. Eu só tenho a imaginar coisas boas vindas dessa humanização radical das nossas relações.

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