A saúde mental deve ser tratada de forma coletiva - Mina
 
Suas Emoções / Reportagem

Sua saúde mental não é um problema só seu

Uma perspectiva de saúde mental que se constrói na individualidade, que se nega a pensar nas condições de vida, no papel do coletivo, é uma visão limitada, defende a psicóloga Flávia Albuquerque

Por:
3 minutos |

Nunca demos tanta atenção e buscamos cuidados para com o nosso psiquismo como tem acontecido na última década. Conhecemos inúmeros transtornos mentais e seus respectivos sintomas; fazemos psicoterapia; temos acompanhamento psiquiátrico; usamos remédios quando o humor, a atenção ou o sono não operam como o esperado… 

Ainda assim, há o grande “porém”. Falamos tanto de saúde mental, mas seguimos cada vez mais sofridas, adoecidas e acumulando diagnósticos. A contradição é explícita: não estamos bem. Segundo o último relatório mundial de saúde mental divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2022, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão da América Latina. O mesmo documento também apontou que, no mundo, somos aqueles que possuem a população com o maior predomínio de transtornos de ansiedade.

Como isso é possível? O que explicaria estarmos diante de índices de adoecimento mental cada vez mais alarmantes justo quando nos cuidamos com cada vez mais frequência e com tantos dispositivos diferentes? É simplista acreditar que a resposta para isso se deve a lacunas e limitações no atendimento de profissionais da psicologia e da psiquiatria. 

Em um país com uma dimensão territorial de proporções continentais como o Brasil, com tantas realidades distintas, com tantas questões de desigualdade social, de raça, gênero, entre outras problemáticas implicadas, acredito ser complicado pensarmos o sofrimento como algo homogêneo, ou seja: a ansiedade, a tristeza, o cansaço, a raiva não serão iguais. Não se sofre de uma forma só. 

Então a forma de tratar esse sofrimento também não há de ser única. Quando focamos apenas em sintomas e transtornos, como tem sido a tendência, destituímos os componentes culturais e sociais dessa angústia. A narrativa acaba centrada em processos internos dos indivíduos e no que poderia ser feito a nível pessoal para que mentalmente uma pessoa se sinta bem. 

O debate sobre saúde mental não deve ficar condicionado às psicoterapias

Uma perspectiva de saúde mental que se constrói na individualidade, que se nega a pensar nas condições de vida, no papel do coletivo frente ao pessoal, sempre será limitada. E essa limitação acontece porque ela nos torna os únicos responsáveis pelo nosso próprio bem-estar. Soa bem razoável esse discurso, não é? De que cabe somente a cada um construir suas “boas práticas de vida”. Sinto desapontar, mas isso se trata de uma grande mentira. Possuímos, sim, nossa parcela de responsabilidade frente a nossa vida, todavia sozinha essa responsabilidade nem de longe basta.

Para que possamos construir bons hábitos de vida – e, consequentemente, uma mente mais saudável –, devemos possuir condições para tal: um trabalho que não seja precarizado, um bom sistema público de saúde, tempo livre para o lazer e o descanso, uma sociedade que seja segura e contemple as necessidades de pessoas negras, de mulheres, da população LGBTQIA+. 

Psicoterapia e serviços afins possuem sua devida importância (eu que o diga, sou psicóloga). Entretanto, o debate sobre saúde mental não deve ficar condicionado a essas práticas. Esses números alarmantes talvez estejam nos apontando para como não podemos desprezar a dimensão política, social e cultural que determina nosso sofrimento, adoecimento e bem-estar. Que nos cuidemos, sobretudo, coletivamente. 

Mais lidas

Veja também