Burra, feia, estúpida, incapaz, sem noção. Quantas ofensas não ditas em voz alta te assombram todos os dias do lado de dentro? A forte presença do fenômeno da impostora – sintoma compartilhado por 75% das mulheres no mercado de trabalho -, contribui para esse nível elevado de autocrítica, baseado em diálogos internos agressivos.
Liliane Sant’Anna, facilitadora em Comunicação Não Violenta e co-fundadora do Instituto CNV Brasil, revela como nossa crença equivocada de punição ajuda a perpetuar diálogos dessa natureza. Segundo ela, “acreditamos que é a maneira mais rápida de fazer alguém mudar um comportamento”. Sim, inclusive nós mesmas.
Mas pesquisas já demonstraram o contrário. Cientistas da Universidade de Leipzig investigaram os impactos de treinar a conversação interna com atletas juniores. Ao final, eles apresentaram uma diminuição da ansiedade e aumento do estado de autoconfiança, autoeficácia e desempenho.
Além disso, a pesquisadora Kristin Neff mostra como a autocompaixão causa efeitos positivos, uma vez que incentiva o controle da autocrítica.
Ao se criticar em excesso, perde-se a oportunidade de uma autoanálise saudável e coerente
Diferentemente do movimento “delulu”, que vem rodando pelas redes sociais com um discurso de romantização da vida e desconexão da realidade, construir uma voz de acolhimento tem outro objetivo: olhar para as situações com menos carga emocional e julgamento e mais coesão.
“Todas as vezes que a gente se critica em excesso, perdemos a oportunidade de fazer uma autoanálise saudável e coerente”, declara Ana Streit, mestre em Psicologia e Saúde e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental.
Se causa sofrimento, é sinal de alerta
Prestar atenção na forma com a qual você se comunica internamente é essencial para melhorar a relação consigo mesma. Ana comenta que a linha é tênue, mas se existe sofrimento envolvido, provavelmente trata-se de uma crítica excessiva. “É fundamental pensar sobre suas condutas. Mas quando você começa a questionar tudo, se punir muito e não enxerga nada de bom no que faz, vai se tornando uma postura abusiva.”
E enquanto algumas relações são explicitamente tóxicas, essa, por outro lado, só tem voz do lado de dentro. “Uma violência invisível acontecendo na nossa cabeça diariamente”, define Liliane.
Identificando o ciclo de autopunição mental
Nesse caminho de autorreflexão, a psicóloga indica o exercício da escrita. Sentar sozinha ao final do dia e fazer uma análise de como estava se sentindo e o que pensou sobre si.
Busque uma forma propositiva, em vez de punitiva, de validar seus sentimentos
Em casos mais profundos, a psicoterapia mostra ser um caminho necessário e realmente efetivo para essa mudança interna acontecer – que, como defende Liliane, “deve ser pacífica, mas nem um pouco passiva ou desatenta”.
Hora de silenciar
Imaginemos, então, que você fez o exercício da escrita e identificou essa voz repressora e ofensiva. E agora?
Coloque limites (em você): nem sempre vale a pena dar palco para a voz da sua mente… Então, quando se perceber presa em ruminação, busque interrompê-la, focando sua atenção em outra atividade.
Distancie-se emocionalmente: tente falar na segunda pessoa ou imagine estar conversando com alguém, de preferência em voz alta – provavelmente irá dosar melhor as palavras.
Lembre-se da sua humanidade compartilhada: isto é, treine o seu pensamento: “errei, como todos erram”, “me atrasei, como todos se atrasam alguma vez….”
A ideia é conseguir reconhecer e validar seus sentimentos para buscar uma forma propositiva, em vez de punitiva, de lidar com a situação.
Atualizando o vocabulário interno
Você pode começar testando atualizar frases do seu vocabulário de forma intencional. No início vai ser desafiador, mas é como aprender uma nova língua. Ninguém sai fluente depois de uma única aula, certo?
Então, bora praticar:
- “Impressionante como não consigo fazer o que me proponho”
Experimente: “Tem sido bastante desafiador, mas quero encontrar equilíbrio entre descanso e evolução. Vou procurar apoio para pensar como fazer isso”.
- “Ai, de novo, não acredito que vou chegar atrasada”
Experimente: “Sim, eu me atrasei. Que ruim. Foi um dia corrido. Vou tentar me organizar nas próximas, mas agora preciso lidar com isso”.
- “A fulana é tão melhor que eu”
Experimente: “Por que estou me comparando com ela? O que será que está me incomodando pra eu começar a me comparar?”
- “Que burra! Nunca consigo dar uma resposta boa”
Experimente: “Lamento muito não ter dito nada. Não consegui me expressar como gostaria. Vou pensar como me posicionar nessa relação”.