Dinheiro ainda é um dos assuntos mais difíceis de tratar dentro de um  relacionamento, especialmente quando existe uma distância considerável de remuneração entre as partes do casal. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no fim de 2022, a diferença salarial entre o gênero masculino e o feminino, que vinha caindo, voltou a subir e chegou a 22% – lembrando que a Lei de Igualdade Salarial entre Homens e Mulheres (Lei 14.611) foi sancionada só agora, em julho.

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Quando falamos de casais heteronormativos, porém, graças a alguns avanços sociais, aos direitos trabalhistas e à emancipação feminina, há muitas mulheres ganhando mais do que seus companheiros, principalmente entre casais mais jovens.

“O patriarcado impõe que o macho seja o provedor”

Roberta*, de 34 anos, namora Patrick*, de 26, e conta que a maioria dos conflitos vem da disparidade salarial entre os dois. “Ganho bem mais do que ele, não podemos dividir jantares, rolês ou viagens na mesma proporção. É a primeira vez que vivo isso, então, essa situação nova me pega muito, justamente porque estou na minha melhor fase: independente, pagando minhas contas, ajudando meus pais, podendo planejar viagens, comer e beber o que gosto, sem pensar muito no valor final da conta”, relata.

Para ela, “não ter um parceiro para viver essas experiências ao seu lado” é desconfortável. “Fiquei muito frustrada quando ele me cobrou R$ 10 para a gasolina. Sinto que debatemos muito o assunto, até por ele se sentir inferior por ganhar menos do que eu”, diz a comunicadora.

Uma pesquisa da Universidade de Bath, no Reino Unido, analisou 6 mil casais heterossexuais americanos ao longo de 15 anos e concluiu que o homem tem prejuízos em sua saúde mental e física quando a esposa é a maior provedora de renda da casa. Segundo o estudo, os maridos se sentiam confortáveis quando as esposas ganhavam até 40% da renda do casal – caso contrário, o estresse era inevitável.

O motivo? As normas sociais de gênero ainda determinam que os homens devem ser os principais mantenedores do lar.

Machismo custa caro

Esta teoria sexista vai contra os fatos. Dados recentes do IBGE mostram que mulheres são as principais “chefe de família” – ou seja, as responsáveis pelo sustento da casa e dos filhos – em 48% dos lares brasileiros.

Ainda assim, esse ideal de que o homem deve ser o principal responsável pelas despesas da casa é tão enraizado que atinge até as mulheres, como pontua Louise Madeira, terapeuta de casais. “Em uma relação em que as duas pessoas têm um pensamento conservador, se o homem ganhar menos do que a mulher, não só ele vai se sentir inseguro, mas ela também.”

A terapeuta explica: “No patriarcado, os papéis são estratificados a partir dos gêneros e a normatividade impõe que o macho seja o provedor, portanto quando o desempenho (em qualquer área prevista) não acontece, as duas pessoas ficam angustiadas por terem a sensação de que alguma coisa deu muito errado.”

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No caso de Roberta e Patrick, já rendeu até separação. E olha que ela admite o deslize. “Às vezes, me pego pensando que gostaria que ele pagasse a conta toda. Eu posso fazer isso por mim e por ele, mas não dá para ter planos futuros, por exemplo, como alugar um apartamento, mudar de cidade ou fazer viagem internacional. É preciso paciência”, diz.

Além de paciência, é necessário ter diálogo, orienta Louise que, como terapeuta, atende muitos casos como esse. Para ela, a divergência de rendas não é um problema em si; o conflito surge quando essa divergência não é posta e as conversas são adiadas ou evitadas.

Quando fere o ego

A psicóloga e psicanalista Lais Sellmer vê ainda uma relação tóxica entre masculinidade e dinheiro. “O dinheiro muitas vezes significa poder e sucesso. Vemos, inclusive, inúmeras propagandas direcionadas a homens que colocam o status financeiro como sinônimo de ser bem-sucedido. Não é difícil que muitos deles vejam o dinheiro como medida de felicidade”, diz.

“A relação não resiste quando um do casal, além de não gerar dinheiro, for inadimplente afetivo ou devedor operacional”

Essa relação tóxica com grana pode servir para explicar por que alguns homens chegam a mentir para as companheiras quando têm dívidas, ao serem demitidos ou no momento em que “não estão tão bem assim das pernas”. “Isso comprova o quanto o machismo cobra do homem um status de força e o faz esconder suas fragilidades. É interessante que a parceira se mostre aberta e tente trabalhar o casamento e o financeiro como uma unidade”, aconselha Lais.

“Em todos os meus anos de clínica de casais, nunca vi uma relação terminar porque a mulher ganhava mais do que o marido”, afirma Louise. “Mas vi muitas rupturas pela dificuldade do homem de compensar essa baixa com ações objetivas. A relação amorosa não resiste quando uma pessoa da parceria (principalmente se for o homem) além de não gerar dinheiro, for um inadimplente afetivo ou um devedor operacional”. 

E como evitar chegar a esse extremo?

Na visão da terapeuta, não é a disparidade salarial que suscita rupturas, e sim a “incompetência para fazer novos pactos dentro dessa realidade”, que se opõe ao modelo tradicional do patriarcado. 

Reunimos dicas de como lidar melhor com o dinheiro no relacionamento:

– Dialogue: não tenha vergonha de tocar no assunto e não normalize que esse tema seja um tabu no relacionamento.

– Entenda o outro: se relacionar exige paciência. Compreenda a maneira como o outro vê e se relaciona com dinheiro e não leve para o pessoal o jeitinho do parceiro lidar com grana. “Uma pessoa que gosta de guardar, ao estabelecer uma parceria amorosa com outra, que  gasta, tende a se sentir extremamente insegura. Por outro lado, quem gosta de gastar, ao ter um relacionamento com quem prefere guardar, vive a possibilidade de ser criticada e castrada em seus desejos de consumo”, resume Louise. Não levar para o pessoal é importante. 

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– Não minta: jogue claro com o parceiro sobre a sua situação financeira e quais são os seus planos para o futuro – ou a falta deles. 

– Compense: coisa que os homens têm dificuldade para compreender e fazer. “Um homem desempregado ou que ganha muito menos do que a parceira precisa assumir outras posições na dinâmica conjugal, se apropriando de tarefas, sendo protagonista na educação e no cuidado com as crianças, facilitando a vida e diminuindo a carga da mulher. Casais que conseguem isso podem continuar a relação e vivê-la de uma forma bastante saudável”, acredita Louise.

– Divida as despesas de forma justa: “a forma justa é aquela acertada entre o casal”, diz o economista César Esperandio, especialista em investimentos e finanças do Canal Econoweek. Seja de forma permanente ou provisória, é necessário que os dois definam uma maneira justa de fazer a divisão das contas, seguindo a renda de cada um.

– Estabeleça metas: aqui entram as metas financeiras, os planos de viagem, de festa de casamento, qualquer objetivo. O consultor frisa que é importante ter metas de casal, sem se esquecer das individuais.

– Procure ajuda: já existe consultor financeiro especializado em finanças de casal e cursos voltados ao tema, e se preciso, procure a terapia de casal. Só não deixe a situação chegar a um ponto crítico, alertam todos os especialistas.