Por décadas, fomos ensinadas que a percepção de inadequação e autodúvida que temos é um sinal de que sofremos dessa tal síndrome. Nos sentir menos capazes, com dúvidas quanto às nossas habilidades e talentos é um hábito legítimo, consequência da nossa criação. Ouvimos que devemos ser boazinhas, quietas e modestas, o que nos levou a silenciar nossas vozes e a evitar assumir o crédito por nossas realizações. E como resultado, mulheres acabam sendo sub-representadas em posições de liderança, ganhando menos que os homens e tendo menor probabilidade de serem promovidas.
A mudança de Síndrome para Fenômeno nos permite reconhecer que não estamos sozinhas
Tudo porque, supostamente, sofremos de uma síndrome que nos impede de crescer. Mas isso é uma mentira que podemos desmascarar juntas.
Síndrome ou Fenômeno?
A verdade é que essa tal monstra não existe. Ela foi construída por uma sociedade machista dominante, sustentada tão somente na opressão feminina. O nome do monstro – sim, no masculino – é Fenômeno (da Impostora). E a diferença entre um fenômeno e uma síndrome é enorme.
A expressão Fenômeno da Impostora foi cunhada pelas psicólogas Pauline Rose Clancy e Suzanne Imes em 1978, para descrever a percepção generalizada de não merecermos nossas próprias realizações, de sermos uma fraude. É a ansiedade persistente de não nos acharmos tão inteligentes, competentes ou capazes quanto realmente somos.
Ao longo do tempo, esse termo foi alterado para Síndrome da Impostora, insinuando que as mulheres sofrem de um problema mental ou comportamental. No entanto, síndromes são caracterizadas por um conjunto de sintomas causados por alterações no nosso corpo e/ou mente. E, definitivamente, não é este o caso. Mas é fácil entender porque houve essa alteração.
Enquanto a terminologia se mantiver, teremos bilhões de mulheres acreditando estar doentes
Síndrome é um problema individual. A cura só cabe à você, que sofre disso. Com sorte, talvez você conte com o apoio de algumas pessoas à sua volta. Além disso, sendo um problema individual, a retaliação se torna mais fácil e possível. Por outro lado, fenômeno é uma construção social, e, neste caso, criada sobre uma base de preconceito de gênero, estereótipos e desigualdade sistêmica.
Enquanto a terminologia se mantiver, teremos bilhões de mulheres no mundo acreditando estar doentes, sofrendo de uma síndrome não contagiosa mas altamente letal, e sem cura. Sintomas deste fenômeno são todos aqueles que permearam nossa criação, todas as normas e regras às quais nos submetemos e que não nos permitem ocupar maiores espaços. A mudança de perspectiva, de Síndrome para Fenômeno nos permite reconhecer que não estamos sozinhas e que podemos, juntas, pôr fim às práticas discriminatórias que perpetuam aqueles sintomas.
Ao reformular o Fenômeno da Impostora como uma construção social enraizada em preconceito de gênero, podemos começar a desmantelar sua influência. Aqui estão algumas coisas que podemos fazer:
Renomeie seus sentimentos: A escolha das palavras é fundamental para os processos de mudança de mentalidade e de cura. Tire a expressão Síndrome da impostora do seu vocabulário. Explique e expresse seus sentimentos sem colocá-los em uma única caixinha.
Educação e conscientização: Eduque tanto mulheres quanto homens sobre o Fenômeno da Impostora e suas origens sociais. A conscientização é o primeiro passo para a mudança. Fale abertamente sobre o tema e não deixe de dizer “o que você está sentindo é válido, mas você não sofre de uma síndrome”.
Mentoria e apoio: Incentive redes de mentoria e apoio às mulheres, ajudando-as a construir confiança e navegar no local de trabalho. Seguir modelos de mulheres que superaram o Fenômeno da Impostora pode ser transformador.
Normalizar a autopromoção: Estimule as mulheres a reconhecerem e assumirem o crédito por suas realizações sem medo de serem rotuladas. É essencial tornar positivas as percepções sociais sobre mulheres confiantes. Uma mulher que se autopromove deveria ser sempre aplaudida, especialmente por outras mulheres.
Promova ambientes de trabalho inclusivos: Crie ambientes de trabalho nos quais mulheres se sintam valorizadas, ouvidas e respeitadas para mitigar o impacto do Fenômeno da Impostora. Preste especial atenção às interseccionalidades: cor da pele, idade, raça, opção sexual, a presença de uma deficiência. Todos estes elementos tornam a real inclusão de uma mulher ainda mais desafiadora.
Reconhecendo suas origens sociais e reescrevendo a narrativa, podemos nos ajudar a abraçar nosso verdadeiro potencial, abrindo caminho para um futuro mais inclusivo, no qual as realizações das mulheres sejam celebradas e reconhecidas sem reservas.