Quem aí sente um prazer enorme ao apertar o botão do “finalizar pedido” numa compra? Você não está sozinha: gastar dinheiro funciona como um mecanismo de recompensa cerebral – oi, dopamina – e, quando estamos tristes (com o trabalho, uma desilusão amorosa ou até com os rumos do país), é desses estímulos químicos que precisamos. Só que todo excesso tem custos e, nesse caso, custos que pesam não apenas no bolso como também em outras áreas da vida, perpetuando um ciclo que vai da alegria da compra e da dopamina circulando à tristeza e ao desespero de ficar endividada.
Para sair da corrente de excessos financeiros é preciso buscar autoconhecimento
Segundo uma pesquisa publicada em 2020 pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), oito em cada dez inadimplentes (82,2%) afirmaram ter sofrido com algum tipo de sentimento negativo ao descobrir que estavam endividados – ansiedade foi a sensação mais citada. Não é exagero dizer que isso vira uma bola de neve. O descontrole emocional empurra para o descontrole financeiro e vice-versa. Enquanto isso, os boletos não param de chegar.
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Glamourização dos excessos
É importante deixar claro que o descontrole econômico é um dilema social e, vivendo em uma sociedade capitalista, lidamos com a glamourização dos excessos financeiros desde a infância. Os millennials, principalmente as mulheres, cresceram cercadas por figuras e personagens que incentivaram tal descontrole financeiro (Carrie Bradshaw e o fanatismo por calçados em Sex And The City, Rebecca Bloomwood em Os Delírios de Consumo de Becky Bloom, e por aí vai…).
Era bacana ser uma garota que gastava sem parar.Os zennials, por sua vez, crescem cercados por influenciadores e perfis digitais que instigam o consumo incessante. Um estudo publicado em julho deste ano pelo Serasa mostrou que mais de 8 milhões de jovens da geração Z estão endividados. Se você der um rolê pela internet, vai encontrar milhares de piadas sobre comprar “uma brusinha”, “um mimo” ou “um recebido” em troca de um aconchego mental.
Para a mulher gerir a própria grana é um gesto de autocuidado
Desconstruir esses ideais é quase como remar contra a maré. Por isso que, para a psicóloga Valéria Meirelles, especialista em Psicologia do Dinheiro no Brasil, o primeiro passo para sair dessa corrente de excessos financeiros é buscar autoconhecimento. “É preciso entender o gatilho do gasto. O que essa ‘brusinha’ está me dando que eu não estou conseguindo me dar? Ela é só um alívio instantâneo, parecido com remédio. Para curar o problema, temos que investigar a causa da dor”, pontua.
Karina Reis, psicoterapeuta especialista em bem-estar concorda: “O descontrole financeiro mostra que há outras questões acontecendo no aparelho psíquico do paciente e que as compras, de certa forma, estão sendo um compensador para um vazio. Perceber e aceitar que isso acontece é o primeiro passo em direção a uma melhor gestão das finanças e logo das emoções”.
Sim, falar sobre finanças ainda é um tabu – e para algumas pessoas é vergonhoso tocar no assunto até com a própria terapeuta. Mas Valéria alerta: “Pedir ajuda é essencial para retomar o controle da vida financeira”. Conversando com um especialista, você pode mapear as sensações que geram os impulsos de gasto, cortando o mal pela raiz.
Responsabilidade financeira é autocuidado
Depois de ter o problema “diagnosticado”, é hora de olhar para o futuro, organizar-se e mudar de hábitos – o que nem sempre é fácil, e pode levar anos, como explica Júlia Mendonça, expert em investimentos e finanças.
“Para sair do vermelho, você tem que organizar sua vida financeira. Mapeie o quanto você ganha e o quanto você gasta. Comece por pequenos cortes e tente mudar pequenos hábitos; substitua ou troque gastos e tente fazer isso pelo menos pelo período de pagar a dívida. Daí em diante, você pode pensar em dar passos maiores, como investir ou empreender”, diz.
A saúde financeira é um aspecto importante para a sua saúde mental
Ainda que tenhamos crescido em uma sociedade que “normaliza” a falta de controle com dinheiro (principalmente feminina), para a mulher, gerir e ter o controle da própria grana é um gesto de autocuidado e de amor próprio, já que a dependência financeira é um dos principais motivos para que muitas delas permaneçam em relacionamentos abusivos.
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Dados comprovam: um levantamento feito em 2021 pela RME (Rede Mulher Empreendedora) mostrou que 48% das empresárias brasileiras conseguiram sair de relacionamentos abusivos depois que passaram a empreender. Não que para sair do vermelho você precise investir no próprio negócio; a saída é mais simples, encarar a saúde financeira como um aspecto importante também para a sua saúde mental.
Evite gastos desnecessários, trate a raiz do problema e refaça o seu planejamento financeiro. Júlia Mendonça, uma ex-endividada que se livrou de R$ 80 mil em dívidas para se transformar em referência no assunto investimentos, canta a bola: “Uma dívida é algo momentâneo, como um ‘estado’. Você não é endividada, você está endividada – e tudo pode mudar”.