Como saber se sofri abuso durante um atendimento médico? - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

Como saber se sofri abuso durante um atendimento médico?

Abusos físicos e psicológicos acontecem todos os dias em consultórios do país, mas nem sempre isso fica claro para a paciente. O importante, dizem especialistas, é seguir sua intuição e denunciar

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Durante uma consulta ginecológica, a publicitária paulista Joana*, de 31 anos, foi questionada sobre quantos parceiros tinha tido ao longo da vida. Ao ouvir a resposta, a médica soltou: “Nossa, mas tudo isso? Como você já ficou com tanta gente?”. Impressionada com a reação da especialista, ela, constrangida, nem soube o que fazer. “Nem era um número que considero alto, mas me senti um lixo”, relembra.

Joana diz que na época não imaginava ter passado por uma situação abusiva e que não realizou nenhum tipo de denúncia ou reclamação. Mas sua intuição falava mais alto e dizia que não era normal o que havia presenciado.

Assim como ela, centenas de mulheres já vivenciaram abusos psicológicos e físicos durante consultas e procedimentos médicos. Mesmo que sutis, eles provocam uma sensação de impotência e fragilidade.

“Durante um papanicolau, o médico pegou no meu clitóris, sem a menor necessidade”


Ao levar os exames para o médico no retorno de uma consulta, Vanessa*, de 30 anos, ouviu que seu tecido mamário era pequeno e que era para ela levantar a blusa, ali mesmo, na mesa. Vanessa o fez, mas depois ficou se perguntando que tipo de análise ele tinha feito além de olhar para seus peitos.

Renata*, de 45, também relata uma situação parecida em um consultório quando, durante um papanicolau de rotina, o médico pegou algumas vezes em seu clitóris, sem a menor necessidade. Novamente, ambas, não fizeram denúncias, “meio por descrença, meio por preguiça”, diz Renata.

Alguns abusos também podem acontecer por despreparo – e preconceito – dos profissionais. Durante um atendimento emergencial, uma médica perguntou como Victoria, de 25 anos, se prevenia para não engravidar e ela respondeu que só tinha relações com pessoas do mesmo sexo. “A partir daí ela nem encostou mais em mim e sequer seguiu com os procedimentos ou exames necessários. Na sequência, passou alguns remédios caros e manipulados”, relembra. 

No retorno, outra ginecologista disse que a profissional anterior não havia colocado nada em seu prontuário, inclusive as medicações receitadas não tinham quase nenhum efeito e funcionavam como placebo. 

“A médica chegou a dizer que eu deveria ter vergonha de estar lá. Fiquei sem reação”

A carioca Maria*, de 30 anos, teve um ataque de pânico durante uma festa de fim de ano. Mesmo sem consumir nenhum tipo de bebida alcoólica, ela sentia que ia morrer e que estava prestes a ter um mal súbito. 

Ao ir a uma UPA da região, a médica de plantão disse que era dia de réveillon e que tinha gente “com problemas de verdade”, que alguém podia ter sido atropelado ou ter alguma coisa mais grave. “Ela chegou a dizer que eu deveria ter vergonha de estar lá. Eu fiquei sem reação”, diz.

Como perceber um abuso nos atendimentos?

Quando falamos de abuso médico, temos que levar em consideração que esses não só ocorrem de forma física, mas também de maneira psicológica. Mesmo que disfarçados, eles podem vir acompanhados de grosserias ou indiferenças por parte dos profissionais de saúde.

  • Desconfie quando um especialista fizer algum tipo de gesto mais agressivo ou até mesmo apresentar uma mudança de humor repentina durante o atendimento. 
  • Ele não deve ter uma expressão impaciente, atender de forma rápida ou menosprezar os sintomas e sinais que a pessoa está descrevendo.
  • Ao realizar uma consulta médica, o paciente deve se sentir confortável para fornecer suas queixas ao especialista. 
  • O profissional também tem que se mostrar interessado naquele paciente e deve ouvir atento os motivos que o levaram até ali.


O lado médico

Segundo Lilian Fiorelli, uroginecologista e especialista em Sexualidade Feminina pela USP (Universidade de São Paulo), existem acordos para fazer com a paciente durante a consulta e, dessa forma, evitar qualquer abuso por parte dos médicos.

Em caso de contato físico, o médico deve comunicar a mulher o que será feito e pedir sua permissão


Ela ressalta que há desde a parte da anamnese, que envolve perguntas, até os exames físicos. “Na anamnese, o que eu consideraria algum tipo de abuso é você entrar em algumas perguntas e intimidades que não são importantes para o seu diagnóstico ou para o seu raciocínio clínico, e, sim, por curiosidade. Isso não tem muito sentido, então aí eu já consideraria um tipo de abuso, por exemplo”, explica a especialista.

A médica ainda reforça que é necessário criar um ambiente humanizado e que o profissional precisa ter sensibilidade nos atendimentos. Caso a paciente não queira responder determinada pergunta, o recomendado é não insistir.

Já em caso de contato físico, em qualquer situação, o médico deve comunicar que tipo de exame será feito e pedir a permissão para que determinado procedimento seja realizado. Quando a paciente não se sentir confortável e perceber algum comportamento fora do padrão, deve pedir para interromper o ato imediatamente.

“O assédio pode ocorrer de forma verbal, não verbal ou física. E qualquer situação duvidosa deve ser denunciado pelas pacientes, acompanhantes, funcionários ou mesmo por colegas médicos que tomem conhecimento às sociedades médicas locais, ao conselho estadual e as outras autoridades”, afirma Maria Celeste Osório Wender, diretora de defesa e valorização profissional da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.

Procedimentos a serem feitos nas consultas e exames

Em consultas de rotina, principalmente ginecológicas, os médicos costumam examinar as mamas e fazer papanicolau, se preciso. No entanto, é importante saber que o local precisa ter infraestrutura para isso:

  • No consultório médico, deve-se ter um banheiro ou sala para a paciente se vestir e colocar um avental para realização dos exames. Ela não pode, em hipótese alguma, ficar nua ou com alguma parte do corpo à mostra. 
  •  Ao realizar o exame na mama esquerda e ir para a direita, por exemplo, a outra parte deve ser coberta. O mesmo ocorre com o órgão genital. Caso o profissional esteja examinando a vagina, não há necessidade de deixar os seios descobertos.
  • Em caso do profissional ser do sexo masculino, é permitido o acompanhamento de uma enfermeira mulher durante o procedimento.
  • Em casos de atendimentos médicos que envolvem penetração de cavidade, como endoscopia, colonoscopia, uretrografia, biópsias, biópsias de pólipos e biópsias uterinas, o Conselho Federal de Medicina (CFM) indica sempre que um outro profissional da área deve estar presente no procedimento médico. O acompanhante familiar espera do lado de fora nesses casos.


Como denunciar?

Embora o CFM não forneça quantas denúncias recebe sobre os abusos médicos, o órgão recomenda que a paciente sempre denuncie qualquer atitude fora do padrão.

A entidade informou que não utiliza um manual de conduta, mas sim um código de ética como referência para que o médico aplique durante seus atendimentos. Isso inclui tópicos como respeito ao paciente durante a consulta, independentemente se a consulta é com um profissional de sexo diferente ou semelhante. Há ainda aspectos de ética e moral no documento que devem ser seguidos por todos os profissionais.

Quando ocorre qualquer abuso, não necessariamente sexual, o órgão orienta denunciar no Conselho Regional de Medicina da cidade em que ocorreu o caso. Se ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, deve-se denunciar no estado do Rio de Janeiro.

“Se sentiu abuso, se percebeu abuso, se houve a intenção do abuso, faça a denúncia”


“Não é uma ouvidoria, é um processo de sindicância, ou seja, ele é apurado a fundo, inclusive com instrução das partes, com depoimentos, inclusive de testemunhas”, explica Alexandre Menezes, vice-corregedor do Conselho Federal de Medicina. Além disso, sempre que há denúncias recorrentes em relação ao mesmo profissional, o médico é punido.

Menezes ainda destaca para nunca deixar de realizar qualquer queixa contra os profissionais. “A orientação dos conselhos é: se sentiu abuso, se percebeu abuso, se houve a intenção do abuso, faça a denúncia”.


Dicas para evitar abuso médico ou má conduta profissional

  • Faça pesquisas sobre o histórico do médico e do local onde o exame será realizado.
  • Consulte opiniões de outros pacientes e peça recomendações.
  • Esteja ciente de seus direitos e não hesite em fazer perguntas sobre os procedimentos.
  • Mantenha registros de seus exames e consultas médicas.
  • Denuncie qualquer comportamento inadequado ou abuso às autoridades de saúde.

*Nome trocado a pedido da fonte

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