Letícia Vidica: "Empoderamento feminino só existe com empoderamento econômico" - Mina
 
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Por mais mulheres com dinheiro e mais dinheiro nas mãos das mulheres

É impossível falar de empoderamento feminino sem falar de empoderamento econômico, defende Letícia Vidica após participar do CSW68th, fórum da ONU sobre os direitos da mulher

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“Precisamos falar de mulheres e dinheiro. Precisamos falar de mulheres com dinheiro. Precisamos ter dinheiro e mulheres na mesma frase. A gente só vai mudar o jogo quando dominar esse território” 

“A igualdade de gênero é uma necessidade urgente, não apenas para as mulheres, mas também para a economia global”.

Temos que falar mais sobre isso. Preciso falar sobre isso. Preciso escrever sobre isso. Foi o que pensei ao ser impactada ao ouvir essas duas frases. A primeira dita por Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora e Vice-presidente do Conselho de Administração do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, e a segunda pela deputada federal Benedita da Silva.

As duas discursaram na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, durante a 68ª sessão anual da Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW68th) – um dos principais fóruns de negociação e monitoramento dos compromissos internacionais sobre os direitos da mulher – que aconteceu nos dias 11 e 22 de março. A convite do Pacto Global da ONU (Brasil), estive lá como uma das jornalistas a compor a delegação brasileira.

Acelerar a igualdade de gênero e empoderar meninas e mulheres é o tema central desse fórum. Mas é impossível falar de empoderamento feminino sem falar de empoderamento econômico. Sem falar de dinheiro mesmo. E é justamente no dinheiro – ou na falta dele – que essa pauta tem esbarrado. “Falta investimento para as questões e agendas de gênero avançarem. Conectar empresas e investidores para essa agenda avançar é fundamental”, cravou Camila Valverde, COO do Pacto Global da ONU/Brasil. 

Money, money, money

Os dados não mentem: metade das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica ao longo de suas vidas, segundo a primeira edição do Mapa Nacional da Violência de Gênero. O levantamento foi apresentado pela primeira vez durante um painel que mediei no CSW68th que apontou que 48% das mais de 20 mil brasileiras entrevistadas já passaram por alguma situação de violência doméstica e familiar. E para que muitas delas saiam dessa situação de silenciamento da violência, é preciso autonomia financeira. É com dinheiro nas mãos que elas conseguem sair da dependência financeira de seus companheiros e, em muitos casos, romper com esse ciclo de violência.

“Investir em igualdade de gênero pode adicionar cerca de 28 trilhões de dólares para o PIB global até 2025” 

“Quando falamos de empoderar mulheres, essa é uma agenda global” | Arquivo Pessoal

Para a empreendedora e membro do Conselho Jovem do Pacto Global da ONU/Brasil Monique Evelle a conta é simples: “Investir em empresas lideradas por mulheres tem um retorno 35% mais rápido do que em empresas lideradas por homens. Se a gente coloca um dólar na mão da mulher, voltam 78. Na dos homens,  voltam menos de 30″. Seguindo a linha das contas e números, Sanda Ojiambo, CEO do Pacto Global da ONU e assistente do secretário geral das Nações Unidas, reforça que “investir em igualdade de gênero pode adicionar cerca de 28 trilhões de dólares para o PIB global até 2025.” Em seu discurso de abertura num evento do Pacto Global brasileiro, ela reforçou a necessidade de trabalharmos juntos – setor privado, governos e sociedade civil – para que esse avanço aconteça. 

O que pude notar também é que, quando falamos de empoderar mulheres, essa é uma agenda global. A falta de dinheiro nas nossas mãos é compartilhada para além dos continentes. “O empoderamento das mulheres é a chave. Nós ajudamos algumas delas a iniciar habilidades, nós as treinamos para que possam começar a fazer coisas por si mesmas”, me relatou Ngozi Okose, psicóloga nigeriana, residente nos EUA, que também iria participar de eventos que discutiriam sobre a situação das mulheres nigerianas. Durante nossa conversa, me relatou uma série de problemas enfrentados por elas – alguns bem semelhantes aos nossos –, mas frisou bem que empoderamento econômico é tudo. Seja aqui ou no país africano. 

“Nós tentamos fazer o máximo possível para ajudar a empoderar as mulheres. Você empodera uma mulher, você empodera a nação. Você treina uma mulher, você treina a vila, a cidade. Usamos as mulheres para dirigir o desenvolvimento das nossas comunidades na Nigéria e na África. Estamos lutando por qualquer coisa que possa nos empoderar a construir uma sociedade segura e saudável, uma sociedade financeira estável. É disso que estamos lutando”, disse Ngozi. A gente nem precisa desenhar né?

Dinheiro na mão de quem?

“Para acelerar na pauta de gênero e de desenvolvimento social, a gente precisa investir em mulheres que mais precisam: as mulheres negras do nosso país”, reforçou bem Camila Valverde durante o evento da delegação brasileira. É impossível avançar na pauta de gênero, de empoderamento feminino, se não considerarmos as interseccionalidades, colocando cor nessa conversa, por exemplo. 

Dados da ONU Mulheres apontam que a pobreza no Brasil diminuiu. Porém, contudo e todavia…  72% da população que é considerada pobre AINDA são mulheres, negras, mães, solteiras com filhos abaixo de 12 anos. Está aí explicado por que temos que ter um olhar racial quando o assunto é empoderamento feminino.

Estudos mostram também que levaríamos 169 anos para que as mulheres alcancem a participação econômica completa. Diminuir esse tempo passa por interseccionalizar esse discurso e criar iniciativas que considerem todas as mulheres nessa alavanca. O Movimento Elas Lideram, por exemplo, que faz parte do Pacto, se comprometeu a incluir 11 mil mulheres em posições de liderança até 2030, considerando a inclusão de negras, indígenas e quilombolas.

68ª sessão anual da Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW68th) – um dos principais fóruns de negociação e monitoramento dos compromissos internacionais sobre os direitos da mulher | Arquivo Pessoal

Empoderamento econômico passa também por colocar valor na economia do cuidado

Sanda Ojiambo reconhece os avanços do Brasil. “Eu disse que 36% dos ministérios de posições no Brasil são feitas por mulheres. Essa é a maior porcentagem na história nacional. O Brasil aprovou uma lei sobre transparência, igualdade de pagamento e remuneração justa para as mulheres. Mas as mulheres brasileiras ainda têm menos empregos seguros, estão em trabalhos de níveis mais baixos do que os homens e fazem menos dinheiro do que eles.” 

Quebrar esse teto de vidro e escalar esse Everest para chegar à liderança ou ter mais dinheiro nas mãos é complicado não só para mulheres negras, mas também para as mulheres com deficiência – independente da cor da sua pele. “O maior desafio hoje é fazer com que profissionais com deficiência ascendam em suas carreiras. A gente está com uma dificuldade enorme de receber, por parte das empresas, um investimento para que a inclusão aconteça para além da contratação”, revela Carol Ignarra, CEO & Sócia-fundadora do Grupo Talento Incluir, consultoria que promove a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Segundo Ignarra, apenas 32% dos cargos que as cotas abrem estão ocupados por mulheres com deficiência.

Hora de recuperar o dinheiro que ninguém vê

Empoderamento econômico passa também por colocar valor no trabalho que ninguém vê, mas que muita mulher faz. “Porque é uma forma de dar a ela autoridade para administrar, porque ela é a maior economista da relação, do lucro familiar. Ela limpa a casa, a cozinha, faz comida, lava a roupa, bota a criança na escola, tira a criança da escola… Quando é trabalhadora doméstica, vai pra rua com o cachorro, é babá, volta, vem, faz tudo dentro de uma casa. Quanto é que se paga pelo trabalho que se faz? Tem serviços que deveriam ser contabilizados como salário. Eu sou uma que defendo isso”, destacou Benedita da Silva, durante seu discurso.

Estamos falando sobre a economia do cuidado, o trabalho não remunerado que geralmente fica a cargo das mulheres. E mais uma vez, se colocarmos cor nessa conversa, adivinhem vocês quem tem dedicado mais tempo a esse trabalho não pago? Mulheres negras! Segundo PNAD (2019) do IBGE, as negras dedicam 22,3 horas semanais a esse trabalho de cuidar contra 21 horas semanais de mulheres brancas.

“Eu defendo isso porque é muita carga para a mulher e ela não é remunerada por esse serviço. A gente só quer amar, a gente só quer casar, a gente não liga de ter filho, mas também, peraí, a gente tem que ter alguma coisa que nos dê condição, que estruture esse lucro familiar para que a gente possa exercer o papel de mãe, porque não é uma tarefa fácil”, daí a frase impactante de Benedita que me paralisou: “A igualdade de gênero é uma necessidade urgente, não apenas para as mulheres, mas também para a economia global.” 

Colocar dinheiro nas mãos de mulheres é um investimento no presente, no futuro e com retorno garantido para uma sociedade melhor | Arquivo Pessoal

Fechando a conta

“Eu nunca poderei me sentir bem se outras mulheres não tiverem acesso à dignidade mínima. Para isso que a gente tem que trabalhar, especialmente de ambientes corporativos, tem que olhar como mover o ponteiro, como se juntar com empresas e organizações para mudar o jogo”, diz Ana Fontes.

“Somos mais da metade da população e mães da outra metade. Portanto, precisamos do engajamento de toda a sociedade do Brasil e do mundo. Se não pensarmos dessa forma, vamos estar sempre excluídas do mercado e do mundo consumidor”, chama atenção Benedita da Silva que, faz um chamado para que as mulheres ocupem o seu devido lugar:

“O lugar da mulher, neste momento, é na política. É preciso que estejamos ocupando os espaços que decidem sobre nossas vidas, que dizem como comer, que salário vamos ganhar, como vamos morar. Isso é muito importante e, sobretudo, a nossa liberdade. Nós temos sido violentados em nossos corpos e é preciso que dê um basta nessa situação. É muito importante a mulher na política e quero dizer um pouco mais, é importantíssimo as mulheres negras na política, porque somos maioria da população brasileira”.

“O investimento nessas mulheres tem volta e um resultado altamente positivo”

Colocar dinheiro nas mãos de mulheres é um investimento no presente, no futuro e com retorno garantido para uma sociedade melhor. “O futuro das meninas é um em que elas possam ser protagonistas das suas histórias, então a gente precisa trabalhar o presente para que o futuro das meninas seja de protagonismo, de independência financeira, emocional”, destaca Vivi Duarte, CEO do Plano de Menina e uma das integrantes da delegação brasileira na ONU. 

“Eu não posso esquecer, evidentemente, de que o investimento nessas mulheres é um investimento que tem volta e um resultado altamente positivo. E é preciso entender que a mulher tem uma força de resistência e que essa força faz com que ela queira muito mais”.

Falou e disse, Benedita.

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