Rotina: é importante ter uma? - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

Rotina é bom, mas saiba quando ela pode ser sua inimiga

Seguir uma rotina regrada pode ser um bálsamo para uns e pesadelo para outros. Especialistas afirmam que a qualidade de vida pode melhorar, mas deixar a agenda muito rígida pode gerar ansiedade

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Hoje muito se fala sobre a importância de cuidar da saúde mental e cultivar hábitos saudáveis, mas nessas horas pode bater uma dúvida: a rotina é essencial para alcançar uma melhor qualidade de vida? Ou é possível levar um dia a dia menos regrado – não sem limitações, claro – e manter a produtividade do trabalho, as tarefas de casa em ordem, o lazer no lugar que ele merece? 

Mas, afinal, o que é, de fato, uma rotina? “Uma rotina adequada e funcional é aquela que atende às necessidades de cada um, considerando como nos aproximamos da vida que gostaríamos de ter e dos aspectos coerentes com o que é sustentável na nossa individualidade”, explica a psicóloga Marina Miranda.

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A comunicadora carioca Luiza Sarmento, de 26 anos, conta que desde criança foi influenciada pelos pais a seguir uma rotina. Ao se tornar adulta, decidiu incorporá-la em sua vida, começando pelo uso da agenda. “Coloco absolutamente todas as tarefas do dia na agenda, porque é alívio pra mim tirar as preocupações da minha cabeça”, diz. 

A rigidez na rotina pode mais atrapalhar do que ajudar a cumprir os objetivos

Um dos maiores ganhos de manter uma rotina regrada, explica ela, é o cuidado que tem com a saúde e com seu corpo. O prazer por malhar fez com que essa atividade tenha lugar reservado no dia. “A academia está na minha lista de ‘to do’ e nem penso, só vou. Às vezes, as pessoas elogiam meu corpo, minha alimentação, e dizem: ‘Queria ter essa força de vontade’. Mas é tudo resultado da minha disciplina”, afirma.

Nos dias em que não consegue cumprir todas as atividades, Luiza diz se sentir estressada. “Mesmo quando posso me dar o luxo de relaxar, de alguma forma a minha cabeça não consegue se desligar da rotina. Tenho a sensação de que o dia não tem salvação e fico esperando que ele acabe para fazer tudo certinho no dia seguinte”, revela.

Companheira de trabalho de Luiza, a também comunicadora Márcia Sad, de 35 anos, segue um lifestyle completamente diferente, embora tenha um dia a dia de trabalho com horários fixos. “Sem a rotina me sinto mais livre para tomar decisões e fazer minhas vontades. Fico feliz com a possibilidade de acordar – ou dormir – mais tarde ou mais cedo, fazer exercício a qualquer hora, resolver assuntos na rua quando preciso, cuidar da casa e escolher os momentos de lazer”, pontua.

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Márcia diz que ter o controle da sua vida é essencial, e fazer suas atividades no tempo em que desejar contribui para que aproveite suas horas de forma mais potente, proporcionando mais qualidade de vida. Apesar disso, por morar com os pais, ela precisa lidar com outro tipo de organização: “Mesmo aposentados, eles se acostumaram a ter horário para tudo. A convivência é ótima, mas às vezes eu gostaria de não ser tão controlada”, conta.

Existe certo e errado?

Para a psicóloga Marina Miranda, é difícil atestar um tipo de rotina que seja mais “correta” do que outra, especialmente porque essa preferência é influenciada por variáveis que vão das características individuais até culturais. Ainda assim, Marina afirma que existem aspectos considerados inegociáveis. “Um deles é o sono, principalmente, por suas funções tão importantes para nossa saúde, como manejo do estresse e consolidação de memória. Como o sono tem particularidades, que demandam manutenção, uma escolha ‘correta’ na rotina é colocá-lo como prioridade, tornando-o uma atividade ‘fixa’ inegociável”, diz.

Em relação ao que se lê na internet e nas mídias sociais sobre o que seria “certo e errado” dentro de uma rotina, a psicóloga diz que é preciso estar atenta, especialmente para as “receitas de bolo”. “Parte dessas ‘fórmulas’ de rotina divulgadas atualmente não funcionam para todas as pessoas, nem para todos os estilos de vida, e também não são baseados em evidências concretas que atestaram sua real eficácia”, diz.

O sono, por suas funções importantes para a saúde, deve ter prioridade na rotina 

Para a especialista, com ou sem rotina é possível cultivar uma saúde de qualidade. No entanto, ela afirma que optar por um dia mais regrado pode ajudar algumas pessoas a incluírem hábitos saudáveis no dia a dia. “O que é observado na prática é que um aspecto acaba facilitando o outro. Assim, o processo de ter uma rotina organizada pode otimizar a perpetuação de hábitos saudáveis.”

Saúde mental 

Dizer que não existe certo ou errado em ter ou não uma rotina só fica ainda mais concreto quando pensamos nas diferentes formas de viver, personalidades, nos privilégios, realidades e, sobretudo, na saúde de cada pessoa. No caso de alguns quadros, explica Marina, seguir uma “planilha” pode ficar mais difícil. “Uma pessoa com o diagnóstico de depressão pode ter mais dificuldade em estabelecer e cumprir atividades da rotina, pelo desânimo e humor deprimido, característicos do próprio transtorno. Pessoas com diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), sem tratamento, podem não conseguir cumprir determinadas atividades, procrastinar mais e esse funcionamento dificulta a manutenção de uma rotina”, diz.

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De acordo com o psiquiatra Rodrigo Bressan, o fato de ter ou não uma rotina irá variar de pessoa para pessoa. No entanto, ele afirma que pessoas que possuem a maior parte dos transtornos mentais, inclusive TDAH, o melhor é ter algo regrado. “Ajuda muito na reabilitação”, diz ele, também presidente do Instituto Ame Sua Mente.

Bressan também comenta escolhas que podem ser feitas em momentos de crises e mudanças drásticas no estilo de vida, exemplificando: “Durante a pandemia, uma das coisas que a gente mais prescrevia era rotina. Porque existia um alto estresse pela mudança do tipo de vida. Então, estabelecer uma nova rotina fazia com que diminuísse muito o estresse, já que todos estávamos confinados fora do que tínhamos estabelecido anteriormente”. 

Em geral, o melhor pode ser estabelecer uma rotina funcional, algo que tende a melhorar o cumprimento de atividades e a percepção da capacidade de concretização, o que promove a manutenção da saúde mental. No mais, o ideal é sempre partir para o equilíbrio, já que nem tudo pode e vai sair como planejado. “Saber lidar com essa imprevisibilidade é uma habilidade importante a ser desenvolvida. A rigidez na rotina pode mais atrapalhar do que ajudar a cumprir os objetivos, principalmente se existir um viés perfeccionista no planejamento”, finaliza a psicóloga Marina Miranda.

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