Não é de hoje que a procrastinação é vista como um mal que deve ser cortado pela raiz. Em tempos atuais, com a cultura da produtividade ganhando holofotes, quem adia tarefas parece não ter vez – e provavelmente já aceitou o rótulo de preguiçoso. No entanto, especialistas apontam que a procrastinação pouco tem haver com preguiça: ela é uma resposta emocional. 

Mas, afinal, por que procrastinamos?

“Só consigo realizar uma demanda quando encontro o momento ideal. Porém, normalmente, a hora perfeita não existe e nem sempre dá para contar com a inspiração de milhões. Quando vejo, já se passaram dias, o sentimento de culpa vem e o tempo ficou escasso”, conta a publicitária Larissa Cristine. Nesse intervalo, a tarefa adiada não sai da sua cabeça, mesmo no banho ou prestes a dormir, ela ocupa a sua mente com uma sensação de sufocamento. “Com a  terapia, descobri que, além de perfeccionista, sou insegura e isso me paralisa, pois há um medo de falhar, de não obter êxito”. 

É necessário ver a procrastinação como um efeito colateral e não como um defeito

Segundo Denize Savi, especialista em Ciência da Felicidade, a falta de autoconfiança é um dos motivos mais comuns ao procrastinar. A pessoa deixa as tarefas para depois com a ilusão de que o “eu do futuro” estará mais preparado para executá-las.  “Ao realizarmos um projeto que nos deixa inseguro, experimentamos sentimentos negativos em relação a ele e, na tentativa de evitar essas emoções desconfortáveis, fugimos do que precisa ser feito”, avalia.  

O perfeccionismo, a expectativa negativa, a indecisão e a impulsividade que acontece, normalmente, em pessoas governadas pelas emoções, são alguns dos outros motivos. É necessário fazer o movimento de ver a procrastinação como um efeito colateral e não como um defeito, destaca a especialista. A mudança pode vir através de uma virada de pensamento, encarando as demandas como algo que vai ser benéfico no futuro. “É essa a mensagem que precisamos enviar para o nosso cérebro”, pontua Denize. O ato de procrastinar também pode estar relacionado ao Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), um distúrbio neurobiológico que afeta a atenção nas tarefas diárias e precisa de acompanhamento psicológico e psiquiátrico. 

Outra grande problemática é a procrastinação por fadiga e falta de tempo, uma vez que vivemos um fenômeno que o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han chama de “sociedade do cansaço”. Estamos todos exaustos graças a um contexto de cobrança excessiva para sermos hiperprodutivos. Para Carol Mazzochin, que estudou a Multipotencialidade no Vale do Silício e viveu a romantização do excesso de trabalho, há uma grande diferença entre ser produtivo e ocupado. “Comecei a cair na real ao ver que aquele trabalho que eu tanto quis para ser livre estava sendo a minha principal cadeia”, revela.

Fazendo as pazes com a procrastinação

Mas será que procrastinar é, de fato, um vilão que precisa ser incisivamente combatido? “Sempre tem coisas que ficam para depois. Ou porque não cabe tudo no dia ou porque estamos tão fatigados que, simplesmente, não conseguimos fazer. É aí que o momento pede pausa para restabelecer corpo e mente,” pontua Denize. 

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Antigamente, descansar ou ter um tempo para si era algo que estava fora de cogitação para Larissa, até que a chavinha virou. “Investi na procrastinação consciente e saudável. Me dou o direito de colocar os projetos, trabalho e até meu relacionamento em stand-by para focar, mesmo que momentaneamente, em distrações com foco no meu bem-estar”, conta aos risos. “Com a mente renovada, o trabalho flui melhor e ideias criativas surgem. Quando a procrastinação é feita com responsabilidade e com propósito, ela é altamente aceitavel”, defende. 

“Com organização, é possível usufruir da procrastinação de forma saudável e otimizada”

Para Denize, a solução para não cair em frustração e ansiedade é administrar o adiamento. “O primeiro passo é reconhecer isso. Tirar um tempo antes de começar a empreitada de um projeto importante pode nos ajudar a colher informações, tomar melhores decisões e elaborar um bom planejamento para executar as demandas com tranquilidade e de forma organizada”, destaca. 

Carol defende que a procrastinação estruturada pode ser uma aliada da saúde e bem-estar. “Adiamos uma tarefa porque ela nos causa insegurança. E se, enquanto isso, fizermos alguma demanda de menor relevância, que nos gere sentimentos positivos?”, reflete. Com isso, ao final do dia, o sentimento de realização pode ganhar espaço e mascarar a culpa. “Com organização, é possível usufruir da procrastinação de forma saudável e otimizada, além da alegria  de riscar da sua lista outras pendências”, diz. 

Investir nos pequenos intervalos durante as demandas também é interessante. Quando Larissa sente que a procrastinação está sendo prejudicial, sem propósito, ela vira o jogo. “Alongar, fazer técnicas de respiração, terapia e yoga é o meu combo de energia. Após qualquer um desses ‘fertilizantes’, sinto que estou pronta para outra – sempre ciente que é permitido procrastinar, sim!”.