No ano passado, uma pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde revelou que 11,3% dos brasileiros receberam diagnóstico de depressão – entre as mulheres o percentual foi de 14,7%; o dos homens, 7,3%. Apesar do alto índice, ainda estamos aprendendo a conversar abertamente sobre saúde mental e doenças correlacionadas. Em relação aos efeitos colaterais das medicações, então, quase nunca falamos.
O que muita gente não faz ideia é que os antidepressivos podem impactar diretamente o desejo sexual. Sabe-se hoje que cerca de 73% das pessoas que fazem uso de medicamentos para tratar a depressão podem sentir este efeito colateral, conforme divulgou uma revisão de estudos publicada em 2016 na Mayo Clinic Proceedings, nos Estados Unidos.
De acordo com Isabel Braga, médica da Fundação Oswaldo Cruz (RJ), os antidepressivos causam alterações na libido por atuarem, direta ou indiretamente, nas vias cerebrais que liberam serotonina (responsável por transmitir as sensações de prazer e bem-estar). “Nosso cérebro é formado por uma rede neural complexa. Em razão disso, ao tratar uma depressão com um inibidor de recaptação de serotonina, por exemplo, não interferimos apenas no sistema neural central límbico, e sim em todo o organismo”, pontua a médica.
Nas mulheres, além da falta de desejo sexual, ocorre também queda na lubrificação da vagina.
Nos homens, em alguns casos os antidepressivos acabam gerando retardo na ejaculação masculina – efeito colateral muitas vezes bem-vindo em casos de transtorno de ansiedade relacionados à ejaculação precoce.
+ Leia também: Que horas ela (a libido) volta?
+ Leia também: Sem culpa, nem noia: precisamos conversar sobre falta de tesão
Isabel relata que a falta de tesão é queixa frequente em seu consultório. Segundo a profissional, antes mesmo de receberem o diagnóstico de depressão, muitos pacientes já reclamam da baixa na libido – isso pelo fato de a doença em si também interferir negativamente no desejo sexual. “Em um primeiro momento, os antidepressivos podem, na verdade, provocar aumento na libido do paciente que, até então, estava sem vontade nenhuma de viver, imagina de se relacionar sexualmente.”
A longo prazo, porém, a “matemática” química é diferente e, na opinião de Isabel, é importante que todos os riscos e benefícios do medicamento sejam discutidos com o paciente. “São casos e casos, e cada um deve ser avaliado entre médico e paciente. Alguns remédios causam menos impacto nessa ‘área’, mas podem não atuar no sintoma real”, avalia.
E ela ainda faz um importante alerta sobre suspender a medicação por conta própria, sem orientação médica. “Os efeitos colaterais desse corte vão de alterações no humor à insônia, cefaléia, tontura. É preciso conversar, sempre, com o seu médico”, aconselha.
Fala que eu te escuto
Esse é o primeiro passo para começar a reverter a falta de apetite sexual, procurar um especialista – nunca é demais lembrar que saúde mental ainda é tabu no Brasil e o número de subdiagnósticos da doença continua alto.
Um estudo feito em 2021 pela Faculdade de Medicina da USP mostrou que 71% das mulheres consideradas deprimidas nunca ouviram de seus médicos que estavam com depressão tampouco receberam o tratamento adequado para a doença. Elas alegam não terem sido levadas a sério pelos clínicos. Mesmo se tratando de um assunto íntimo, é importante ultrapassar essa linha e conseguir falar abertamente, para que tanto o diagnóstico quanto o tratamento aconteça de maneira tranquila para a paciente.
Outro detalhe que precisamos ter atenção e cuidado é não transformar a queda no apetite sexual em mais uma sobrecarga mental para a mulher.
Sim, a libido e o tesão são pontos importantes inclusive para a nossa saúde física (aliás, você já se masturbou hoje?), mas isso não significa que o desejo esteja ali, sempre à disposição, independente do que acontece em nosso entorno ou dentro da nossa cabeça.
Parceria na cama (e fora dela)
E o que fazer quando quem está passando por um período de falta de desejo é o seu parceiro/sua parceira? A sexóloga Gabriela Silva recomenda o diálogo. “Esclarecer as coisas entre o casal, falar e escutar as queixas do outro é fundamental. Nem sempre o nível de tesão e de compatibilidade sexual vai ser o mesmo – e essa ideia é super idealizada. Isso não significa, contudo, que você deve abandonar o prazer.”
Ela sugere que o casal tente reconstruir, juntos, uma rotina de prazer, separar algumas horas da semana para o contato íntimo, criar rituais e momentos a dois. “Além disso, também precisamos lembrar que uma mulher pode gozar sozinha. É fundamental que ela tenha autonomia para garantir os próprios orgasmos”, diz a sexóloga.
Tanto Gabriela quanto Isabel recomendam a prática de exercícios físicos para ajudar a aliviar os sintomas de baixo apetite sexual causados pelos antidepressivos. Uma alimentação equilibrada também colabora para a retomada da libido, mas nenhum dos conselhos supera os benefícios, a longo prazo, de se comprometer com o tratamento (e levá-lo a sério, sempre com orientação médica) para lidar com a depressão. Talvez o prazer fique para depois… E tá tudo bem.